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Arquitetos da Subtileza

Todos colaboramos para levar a cabo uma só obra, uns com conhecimento de causa e inteligentemente, outros sem o saberem.
Marco Aurélio

O Imperador Marco Aurélio, com o seu livro intitulado “Pensamentos” convida-nos a olhar para esta exposição como algo maior que o tempo, a morte, o sagrado ou o profano, porque todos estes temas são e sempre foram os interesses Universais da Arte.

Porém, e ao contrário do que possa parecer, a literatura e os pensamentos do Imperador Marco Aurélio não pretendem delimitar algum tipo de ideia nesta exposição. Muito pelo contrário, são estes pensamentos, com a sua profundidade estoica, que nos ligam a uma contemporaneidade rica e cheia de vitalidade, inspirando e proporcionando a realização de obras com uma radicalidade e capacidade próprias de refletir sobre o tempo e a morte, o sagrado e o profano, pois é nestas profundas contradições, tão presentes neste início de século, que continuamos a observar os interesses universais da arte.

Os sete artistas desafiados a criar novas peças ou a escolher, juntamente com o Curador, obras de arte da sua autoria, a partir da leitura do livro “Pensamentos”, revelaram, acima de tudo, a particularidade de cada um, tanto na sua forma de olhar para uma mesma realidade como na sua reinterpretação, enquanto processo transformador. Uma dessas reinterpretações pode ser descoberta nas esculturas da artista Ana Fonseca; o seu trabalho mostra-nos como a ausência do eu e, simultaneamente, a sua presença tão peculiar, nos deve fazer atuar de maneira a que uma busca pelo passado clássico possa conduzir-nos a um barroco tão realista quão quotidiano. E é nessa confiança entre o moderno e o presente, nessa fronteira entre o divino e o humano, que o mundo clássico vai lentamente desaparecendo e as arquiteturas romanas se vão unindo às torres medievais para dar lugar à modernidade, aqui representada tanto através da captação prodigiosa da realidade nas fotos de Orlando Franco como nas intervenções magistrais de Susana Anágua, que a partir de arquiteturas industriais, da beleza das águas, dos bosques, das montanhas, ou da claridade do céu, cria uma leitura nova para a mais famosa estátua equestre do mundo, a alma mater de todas as estátuas equestres: a natureza do paraíso inicial da escultura transformado numa terra queimada, povoada pela industrialização. Porque a Arte é um devir contínuo. A fotografia nasceu como apelo ao desafio do tempo, pelo que, de início, não era senão a tentativa de materializar o momento, fixando-o para sempre numa imagem. Contudo, a luz altera, os objetos desgastam-se, os elementos de uma paisagem vão-se transformando, os componentes de uma natureza morta vão-se deteriorando; os retratados envelhecem. Ou seja, tudo muda, conforme já nos dizia Heraclito, através da parábola de que ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio. O invento da fotografia consistia em preservar instantes de uma sequência temporal para poder revisitá-los num futuro próximo ou mais longínquo. José Luís Neto procura/encontra/revela deformações no objeto fotográfico, criando com ele novos paradigmas, novas noções da fotografia, novas abordagens das imagens, como que a remeter-nos a um outro pensamento de Marco Aurélio: “… todos esses objectos de vez vão ser transformados num abrir e fechar de olhos pela natureza que governa o todo. Da sua substância fará outros objectos, depois da substância destes outros ainda, para que o mundo seja jovem…(Livro VII – 25)”.

Não há metáfora mais clara e universal do que a fragilidade do corpo humano e o seu inexorável destino que são a ruina e a morte. Nos desenhos apresentados nesta exposição, a procura de uma beleza efémera, ainda que inefável, é um percurso que se observa nos trajetos e trabalhos das artistas Teresa Gonçalves Lobo e Conceição Abreu, quer através de movimentos elípticos no papel, quer na procura de uma ordenação, ainda que não consciente; ambas as artistas tentam transportar-nos para Universos que vão sendo construídos/destruídos/substituídos dentro de folhas brancas que se transfiguram incessantemente. Linhas claras e volumes vão mudando em espaços dissonantes, como o próprio espaço ocupado pelo homem ou como as paisagens mutantes conquistadas pelo Imperador e que o próprio Império olhava como apenas pontos em mapas, mapas esses trazidos no seu devir artístico mas vazios. Vazios de seres humanos e das suas ações, vazios de animais, aves. O conjunto apresentado pelo artista Jorge dos Reis evoca-nos essas paisagens onde novos elementos se vão substituindo a toda a vida aí existente. O autor vai moldar a disposição da imagem, do texto, das cidades, dos muros e vai criar um papel subvertido e subversivo na ausência do eu, vai criar um novo mundo e vai transformar-se num novo “Imperador da criação”.

Espero que com esta exposição, os skylines imaginários que emergem dos trabalhos aqui apresentados possam fazer com que os perfis de todos e de cada um permitam contrastar com o leque de oportunidades inspiradas pelos pensamentos do filósofo Marco Aurélio.
O grande desafio que deixaria a todos os visitantes é que se permitam, de alguma forma, ser tocados pela criatividade entre a antiguidade e a contemporaneidade, porque foi essa a ideia que me levou a trabalhar com estes sete Mestres do saber imaginar; gostava que estes processos mentais de renovação e reunificação da arte fossem cenário da nossa vida, inseparáveis da nossa experiência, numa nova sociedade do seculo XXI, funcional e emocional, entre a estrutura do ver e a vivência da Arte como a beleza e a ruina.
E termino com as sábias palavras do autor que inspirou esta exposição: ” Se os objectos que te perturbam, porque os buscas ou evitas, não vêm ao teu encontro, mas, pelo contrário, em certo sentido, és tu que vais ao encontro deles, ajuíza deles com paz e sossego: eles estarão quietos se tu os não procurares nem evitares…(livro XI, 11)”.

António Pedro Mendes
Olissipo, Maius XXXI, MMXIII

Publicado a 7 de Junho de 2013