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DEVIDO À CHUVA A REVOLUÇÃO FOI ADIADA

Curadoria > Patrícia Trindade

Ana Poço Dias, André Banha, Ângelo Ferreira de Sousa e Isabel Ribeiro, Carla Cruz, Cecília Corujo, João Cruz, João Fonte Santa, Mais Menos, Margarida Dias Coelho, Rodolfo Bispo, Rui Luiz, Sara & André, Teresa Cortez e Tiago Alexandre

“Para caracterizar os fenómenos do nosso tempo é necessário, em primeiro lugar, questionar o conceito de crise. Fala-se da crise da sociedade, da crise da democracia (…) Esses discursos lamentam o desinteresse dos cidadãos pela vida pública e imputam-no à deriva individualista dos sujeitos consumidores. Essas supostas chamadas à responsabilidade cidadã só têm, na verdade, um efeito: culpar os cidadãos para mais facilmente os prender ao jogo institucional que só consiste em selecionar, entre os membros da classe dominante, aqueles por quem os cidadãos preferirão abdicar do seu poder de agir.”
Jacques Rancière

Este projeto expositivo pretende traçar uma geografia nacional de perspetivas sobre questões prementes, num ano em que se comemoram quatro décadas de democracia e o regime democrático é, mais do que nunca, questionado. Portugal é percebido com um país com sérios problemas de memória e de justiça, onde os mesmos rodam na dança da cadeira do poder, enquanto os cidadãos, assistem aos seus direitos e garantias deixarem de o ser e às grandes conquistas sociais e laborais dos últimos quarenta anos serem sucessivamente postas em causa, quando não eliminadas sob a ameaça do programa de assistência financeira que impôs uma política agressiva de redução de rendimentos, aumento de impostos e de privatizações que despiram o país dos seus recursos naturais e estratégicos. As palavras “estabilidade”, “segurança” e “futuro” foram retiradas do nosso dicionário e foram substituídas por “inconstância”, “desconfiança” e “incerteza”. Vive-se num país onde parece não se perceber a importância do investimento na cultura como impulsionador de desenvolvimento do país, onde não se apoia dignamente a produção nacional, onde se minimiza a relevância da arte e da criação artística como processo de reflexão sobre a realidade e se diminui o papel do artista como questionador da sociedade e como agente de um pensamento crítico gerador de novas ideias e novas soluções.

Depois dos preocupantes resultados das eleições europeias, onde nem o proclamado descontentamento com as políticas seguidas pelo poder parece ter sido pretexto para ir às urnas deixar um voto de protesto e baixar os já históricos elevados níveis de abstenção e com as ideias extremistas a afirmarem-­se e a ganharem terreno em países como a França, a Alemanha, a Holanda ou a Grécia, é cada vez mais premente refletir sobre o futuro do nosso país e da União Europeia, onde a ameaça fascista ou neonazi aparece de novo como uma realidade possível e o desespero e a falta de soluções para a crise se aliam à ignorância e à xenofobia, bandeiras hasteadas sem vergonha pelos partidos nacionalistas.
Este projeto expositivo procura refletir um sentimento nacional, entre a procura da mudança e a inércia, entre a revolta e a resignação, num tempo em que a palavra se dissocia da ação. Em que o gesto foi substituído pela opinião. Hoje, mais que nunca, temos opiniões. Muitas. Elas inundam os media e o mundo digital. As redes sociais substituíram a rua e transformaram o nosso conceito de revolta: hoje, a luta faz-se no Facebook e no Twitter. Mas quando é que da sentença se passará à ação? Quando começará o verdadeiro movimento?
Devido à chuva, a revolução foi, mais uma vez, adiada, mas nós viemos para a rua gritar.

Patrícia Trindade


Vista da exposição “Devido à chuva a revolução foi adiada” | Imagem: Fabio Salvo

CULTURA
Os artistas são uns ingratos.
Desde quando é que é preciso subsídios para fazer arte? Agora os artistas são bons demais para passar fome? Acham-se melhores que o Van Gogh?
Melhores que o Camões? É por terem dois olhos e duas orelhas?
Os artistas não querem ser funcionários públicos. Não querem picar o ponto,
apresentar relatórios trimestrais.
O Governo não abandonou a cultura, privatizou-a.
Tirou-a das mãos gordurosas do Estado e disse aos artistas para bater punho.
“Artista que não sofre, não cria”. E o que dizer de um artista que abandona o seu trabalho porque se vê subitamente sem Mecenas? Não é um fogo que vos consome até conseguirem mostrar ao mundo como o veem? Quem corre por gosto não cansa, excepto aquele tipo da Maratona. Ele morreu, mas não foi por falta de apoio do Estado.
Não desesperem. Sabemos como o desmame da subsidiodependência custa, mas
vejam nisto uma oportunidade. Emigrem! Não é como se nós prestássemos atenção aos artistas até terem sucesso lá fora. Como podemos ter a certeza que temos permissão para gostar de uma obra sem a aprovação de um estrangeiro primeiro?
Graças a Deus pela crítica inglesa, norte-americana, alemã, do Liechtenstein, de São Marino e do Alto Volta, senão não sabíamos quem era a Paula Rego ou o João Salaviza ou o Manoel de Oliveira ou o Saramago.
Que se calem os críticos, a dizer que o Governo não tem educação, é inculto e está a sabotar a cultura porque os artistas fazem oposição com dinheiro público. Para quê dar prémios que os artistas se recusam a aceitar das mãos de ministros? Para quê dar-lhes dinheiro que eles vão esbanjar em protestos e manifestações?
Em instalações que não percebemos, mas que os assessores do sr. Secretário de Estado garantem que são a gozar com a gente séria do Governo. Eles não percebem muito de arte, dos cantos dos Lusíadas ou dos violinos de Chopin, mas sabem do que gostam.
Admitamos, se o governo quisesse mesmo calar a oposição artística, dava-lhes a única coisa que pediram até agora, dinheiro.
Mesmo que não haja dinheiro para dar aos artistas, mesmo que o país peça para os artistas adiantarem o seu trabalho e sejam julgados pelo mérito da sua obra, mesmo que seja postumamente, não será preciso ao menos algum dinheiro para manter os museus e galerias abertos?
Se o povo quisesse arte, ia ao museu, não ia ao Colombo*. Somos dos países da Europa que menos gasta no lazer e na cultura. Lemos menos, vemos menos filmes (legalmente pelo menos), vamos a menos museus.
O governo serve para dar ao povo o que ele quer, não o que ele precisa.
Nos Estados Unidos, mais dinheiro passou pelo Kickstarter para financiar projetos artísticos que pelo National Endowment for the Arts. Se quiséssemos mesmo arte,
financiávamo-la nós. Se não damos dinheiro às artes, é porque não as queremos e o governo tinha razão.
Se damos, o governo tinha razão e a arte pode ser financiada no privado.
Olhem para este Estado tão magro agora que cortaram as gorduras da cultura.
Preferiam que cortassem na educação? Na saúde? Na polícia? No exército?
Nos assessores? Nas PPP? Há mais beleza (e Estado) no buraco do BPN que na Vitória de Samotrácia.

Guilherme Trindade

* estou a ser injusto, mais gente deve ter visto o Warhol no Colombo que no Berardo.

Publicado a 18 de Setembro de 2014