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FRANCISCO JANES

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Sobre estar presente. Algumas lacónicas e desordenadas palavras sobre O Concílio de Francisco Janes

O Concílio, instalação composta por três projecções de imagem e por diversos excertos sonoros (água, vento, fogo, o canto de um pássaro), é o projecto mais complexo e, não por acaso, mais extenso, no que ao tempo de preparação concerne, que Francisco Janes realizou até à data. Trata-se de um projecto exemplar do processo de trabalho do autor: está indelével e estruturalmente marcado pela ideia de experiência e, mais do que isso, pela vontade de materializar, de traduzir, de propiciar essa experiência ao espectador; desconstrói a ideia de linguagem e de disciplina em favor da de dispositivo; parte, como outros projectos da sua autoria, de um lugar específico, algures na Serra da Estrela, nascendo de longas caminhadas, de estadas solitárias, de um monólogo interior, num lugar cuja reverberação ecoa um tempo geológico e original. Nesse sentido, as suas peças têm uma qualidade de ambiente, são dispositivos que estão para além de uma ideia de instalação para se afirmarem como abertura para outro espaço, a um tempo, mais amplo, distante e preciso. O espaço do encontro entre fenómeno e consciência.
No curto espaço em que cabe esta apresentação, gostaria de isolar um facto suficientemente raro no nosso contexto para ser realçado, a vizinhança ou contiguidade, um encontro, entre trabalhos de autores e épocas diversas. Refiro-me ao filme “A manta vermelha” que dialoga, consciente ou não desse diálogo, como nenhuma outra peça o tinha feito até hoje na arte portuguesa, com esses “ovni” que são as experiências fílmicas de Ângelo de Sousa nos anos 70. Como naqueles, a câmara torna-se num dispositivo háptico que se abre aos sortilégios da realidade envolvente. Como um olho, somente menos avisado e menos perfeito, molda-se ao fenómeno conferindo-lhe qualidades próprias da percepção da imagem (cor, luz, difusão, temperatura), produzindo, como nos filmes de Ângelo, efeitos visuais de intenso fulgor pictórico.
Falar de encontro não seria mais apropriado que falar de cinema, no caso vertente. Antes de mais, encontro consigo próprio, que é aquilo que o trabalho do autor, fortemente ancorado numa atenção e num escrutínio constantes ao fluxo do pensamento e das sensações, essencialmente mapeia e regista. Espaço (e tempo) do cinema, no sentido de configurar uma experiência propriamente física e comunitária. Tudo o mais, que é o essencial, joga-se num constante movimento dialéctico entre ver e ouvir, pensar e estar, projectar e interiorizar, entre frio e calor, a névoa e a pedra, o fogo e a água, a imagem e a palavra.

Nuno Faria

Publicado a 4 de Maio de 2009