Jun
Jul
Oh Dambala come Dambala
Oh Dambala come Dambala
Think of the wings of a three toed frog
Eat weeds from the deepest part of sea
Oh Dambala come Dambala
Oh Dambala come Dambala
On the seventh day God will be there
On the seventh night satan will be there
On the seventh day God will be there
On the seventh night satan will be there
You slavers will know
What its like to be a slave
Slave to your heart
Slave to your soul
Oh Dambala come Dambala
Oh Dambala come Dambala
You slavers will know what its
Like to be a slave
Slave to your mind
Slave to your race
You won’t go to heaven
You won’t go to hell
You remain in your graves
With the stench and the smell
Oh Dambala come Dambala
Oh Dambala come Dambala
Dambala
Nina Simone, 1974
Mai-11
Jun-11
João Fonte Santa
Licenciado em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas Artes
O trabalho de João Fonte Santa tem sido apresentado em numerosas exposições individuais e colectivas, em galerias e instituições. As suas obras estão presentes em diferentes colecções privadas e públicas.
Colabora como ilustrador em diversas publicações nacionais e internacionais e dedica-se, também no âmbito da actividade artística, ao comissariado de exposições.
Fez parte do colectivo Sparring Partners.
(Évora, 1965). Vive e trabalha em Lisboa
O termo “O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung)” tem origem na mitologia nórdica, sendo uma tradução do épico Ragnarök que profetisa a guerra entre os deuses que leva ao fim do mundo.
O crepúsculo dos deuses acredita que os impérios (como tudo o que é humano), nascem, crescem, às vezes reproduzem-se, ficam senis e colapsam. No caso dos impérios, muitas vezes a melhor solução é a eutanásia.
O Crepúsculo dos deuses recusa ver o passado com olhos nostálgicos ou revisionistas. Para o Crepúsculo dos Deuses o passado é o enorme banco de dados onde se escreve o futuro.
O Crepúsculo dos Deuses não tem dúvidas de quem é, não levanta questões. O Crepúsculo dos deuses há muito que cumpriu a sua revolução pessoal.
O Crepúsculo dos Deuses tem ideias inovadoras para design impresso, web, interativo e dispositivos móveis, projetos de impressão e publicações digitais de alto impacto. Redefine o extraordinário no desenvolvimento e design para web. Crias vídeos para qualquer tela utilizando ferramentas de produção de alto desempenho. Cria projetos e distribui-os em várias mídias.
O Crepúsculo dos Deuses exige e reclama respostas. O crepúsculo dos deuses acredita na transformação coletiva da sociedade.
PS- Esta exposição é dedicada à memória de Hans-Ulrich Obrist, que morreu acidentalmente a 11 de Setembro de 2011 durante a libertação do seu iate pela marinha francesa, ao largo das Seicheles, quando esta confundiu a performance que H-U Obrist estava a preparar com piratas somalis com um rapto real.
Mar-11
Mai-11
Inez Teixeira (1965). Vive e trabalha em Lisboa.
Licenciada em História de Arte, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa.
Realizou exposições em Portugal, Cáceres, Madrid, Sevilha, Barcelona, Rio de Janeiro, Siena e Pádua e esteve recentemente em residência artística na Cité des Arts, Paris, a convite da Culturesfrance.
Está representada em diversas colecções institucionais (Fundação PMLJ; Colecção da Assembleia da República; Banco de Portugal; BES; Câmara Municipal de Lisboa; Portugal Telecom; José de Mello Saúde, S.A. Portucel, S.G.P.S; Oni, S.A.) e em colecções privadas em Portugal e no estrangeiro.
A força da contradição. Impossível de afirmar isto é isto, aquilo é aquilo. Todas as afirmações são e não são verdadeiras. O mesmo na pintura.
Com Time is on my side tentei retomar a tradição da pintura… em Constable, Courbet, Friedrich, Otto Runge, Fussli.
Depois, percebi que a interpretação que fiz da paisagem, mais não era do que um pretexto… paisagens que parecem resistir a toda e qualquer intrusão, sem referências geográficas ou temporais, ampliando a possibilidade de significados… Um pretexto para chegar ao que existe de mais vasto, remoto, invulgar, impenetrável, indefinido, inalcançável, abismal, incompatível, num mundo vasto e misterioso como o universo, a angustia da natureza onde nos perdemos… o mundo interior de nós mesmos? O lado obscuro? O isolamento? A solidão?
Giordano Bruno defendia que a estrutura do pensamento humano corresponde à estrutura da natureza.
Em primeiro lugar há a imensa massa dos lugares imaginados. Talvez haja na “ordenação” desses espaços algo de concreto que se traduz, não seguindo as fórmulas de um realismo que não existe, mas seguindo uma espécie de miragem, numa paisagem guiada pelo desejo de contemplação, o “lugar” das distâncias incalculáveis e de proveniências desconhecidas. E será este um “lugar” de sombras ou de formas? A imagem dentro da imagem? Ou a duplicação da imagem? A imaginação imaginativa? A pintura dentro da pintura?
Time is on my side é questionamento e perseverança.
Gerhard Richter afirmou que uma pintura de Caspar David Friedrich não é algo do passado. O que pertence ao passado é o conjunto de circunstâncias que permitiram que ela fosse pintada, ideologias específicas, por exemplo. Cabe-nos assim transcender a ideologia. *
I.T.
Lisboa, Março 2011
*Gerhard Richter, “Letter to Jean-Christophe Ammann, February 1973”, in Gerhard Richter: The Daily Practice of Painting: Writings, 1962-1993, ed. Hans Ulrich Obrist, p.81
Fev
Mar
ATALHO
…impõe-se uma alternativa ao anteriormente percorrido. Não necessariamente um caminho mais rectilíneo, mas uma nova direcção. Pode tornar-se num percurso mais sinuoso mas é sobretudo a expectativa do desconhecido. Com certeza é uma variação de perspectiva.
Atalho é necessidade de reciclagem, solução que obriga a renegociar. Não é desvio nem fuga mas sim processo reequacionado onde os recursos são poupados e o tempo reduzido, por vezes, no seu limite, à catarse.
Atalho é gesto de revolta e passo mais frenético, mas sem ofender a esperança de sempre: a Paisagem continua a vasculhar o seu lugar e a organizar distâncias entre volumes, os protagonistas insistem no jogo sub-reptício da metáfora. A Narrativa encerra o mesmo propósito de reflexão onde o conflito entre movimento e pausa subsiste. Noção de viagem e repouso, procura e descoberta.
Atalho é sem dúvida desejo do essencial por mais que, inversamente proporcional, se torna em obsessão ou mesmo numa contradição.
Resta sempre saber por onde e para onde o atalho nos leva…
Pascal Ferreira
Nov
Jan
«Artisan d’abord»[i] ?
Os desenhos de André Banha são, inquestionavelmente, presenças: inteiros, autónomos. E assim os devemos olhar. Contudo, tratando-se de desenhos de um escultor, é pertinente perguntar: será possível pensá-los sem os remeter para o trabalho de escultura, à volta do qual eles se constroem? Certamente que sim, mas nessa opção perderíamos, possivelmente, uma parte do seu sentido, uma vez que, entre ambas as produções artísticas, se estabelecem intrincadas relações de complementaridade. Não porque os desenhos cumpram uma função explanatória dos objectos – como o faz o desenho do arquitecto,[ii] – ou porque se apresentem como imagens que substituem os objectos já realizados. Eles relacionam-se, efectivamente, com as esculturas – mas obliquamente.
As esculturas a que aludem os desenhos testemunham integralmente os processos que as configuram. Nestas, a maior parte das escolhas sobre o devir do objecto ocorrem no processo da construção, no confronto sensível com o espaço e nas suas inúmeras decisões.[iii] Mais do que casas, elas são o lugar exposto, visível, provisório a partir do qual o mundo se torna acessível. O aroma áspero da madeira que exala das texturas remete a experiência destes espaços para a terra e para as raízes da árvore mesma de onde surgiram. Não são tanto casas mas abrigos,[iv] torres de vigia, estrategicamente posicionadas para aflorar a superfície habitada do mundo – como aponta a dimensão topográfica dos últimos desenhos. O corpo é tão só o fantasma que materializa e possibilita essa experiência. Por isso são tão relevantes os momentos a partir dos quais, do seu interior, se afloram os espaços visíveis onde o mundo acontece.[v] Também os materiais do desenho mantêm (tal como as esculturas, onde a materialidade da madeira é sustentada na textura não aparelhada) uma relação com a primeira transformação da matéria: o negro orgânico da tinta da china, os ocres terrosos, o viochene (extracto natural de casca de noz tradicionalmente produzido para dar consistência cromática a madeiras claras). Revelam estratos, são construídos por camadas, controladamente. Assim transparece a razão construtiva na produção dos desenhos: definir e delimitar áreas de preenchimento, cobri-las, deixar ver, mais ou menos, o que está por debaixo. Como no corte de uma árvore ou nos sedimentos do solo. Os desenhos revelam essa natureza (particularmente evidente nas últimas séries de desenhos) onde a terra manifesta a sua presença preponderante. Os desenhos estão simultaneamente antes e depois da experiência do objecto: não são as imagens dos objectos que representam; são, absolutamente, outros objectos. Contrastam com as esculturas mas, ao mesmo tempo, prolongam-nas, pois o rigor, a atenção e a intransigência são idênticos. Ambos são exactamente aquilo que podem ser, ali e naquele contexto: instâncias provisórias produzidas para veicular uma ideia de experiência artística. Movem-se num espaço intencionalmente estreito e rarefeito: na escala como nos materiais, na concepção como na produção.
O universo do trabalho de André Banha é uma equação controlada. Há uma cautela extrema, uma contenção nos procedimentos e nos meios. Tal como as esculturas, os desenhos remetem, tecnicamente, para um lugar rudimentar (que, do ponto de vista do fazer artístico, resulta numa disciplina de complexificação do fazer artístico, numa ‘falsa pobreza’). Uma dimensão artesanal – longe do fascínio da tecnologia ou mesmo da sedução do fine craft – envolve a soma das pequenas decisões que, ao longo do fazer da peça, orientam a direcção do caminho.
Se os espaços construídos são orientados e concebidos para entrar, percorrer, subir, aflorar, espreitar, já os desenhos tentam outra dimensão: a percepção do acontecimento a partir do exterior. As esculturas iniciais de André Banha revelavam experiências espaciais estruturalmente cenográficas, quase integralmente concebidas a partir do interior – as esculturas apenas pontualmente afloravam o espaço da instalação. O tempo dos desenhos vem coincidir com uma objectificação da exterioridade das peças. O que os desenhos não dizem só pode ocorrer através da experiência da escultura. Por isso não podemos atribuir à planificação dos desenhos uma função de representação. A simplicidade diagramática e neutralizada destes desenhos traduz um nivelamento expressivo dos materiais: as superfícies lisas, a geometria bem regulada dos volumes significa, mais do que aquilo que aquele objecto será ou do que o objecto já é, aquilo que o objecto nunca poderá ser. São espaços desabitados, esparsos, porque só assim parece ser salvaguardada a margem da experiência artística das esculturas. Não há, nos desenhos, qualquer inscrição do gesto da manufactura e das suas hesitações. Trata-se de uma outra manifestação do fantasma. Por isso os desenhos não podem demonstrar senão uma presença simultaneamente diagramática e lacónica.
Alain dizia que “(…) o movimento natural de um homem que quer imaginar uma cabana é construi-la; e não tem outro modo de a fazer aparecer.” [vi] Os desenhos não desmentem esta convicção de André Banha.
Philip Cabau, Novembro de 2010
[i] “Bref, la loi supreme de la invention humaine est que l’on n’invente qu’en travaillant. Artisan d’abord.” Alain, De la Matière, Système des Beaux-Arts, 1920-1931 (N.R.F), Gallimard-Pleiade, Paris 2002.
[ii] Apesar das aparências, não poderia ser mais equívoca a inscrição destes desenhos numa genealogia das representações da arquitectura, particularmente associando-as às imagens da arquitectura modernista do princípio do século XX – como foram fixadas por Gropius, na Bauhaus, ou reveladas no trabalho sistemático de Alberto Sartoris.
[iii] Contudo, o corpo não é aqui, como em Giuseppe Penone, concebido como o agente das inscrições sobre os materiais da natureza que a experiência artística testemunha e regista numa recomposição dos símbolos dessa inscrição – o trabalho de André Banha é, aliás, bem consciente do lugar da sua possível inscrição na topologia da arte contemporânea.
[iv] Não são espaços produzidos para nos esquecermos do corpo no conforto das superfícies, para sentar, deitar, encostar. Nestes abrigos (como o autor os denomina) caminhamos controladamente, suspensos entre a experiência de uma lentidão e o atrito sensível dos passos (a que o chão, nos corredores, rampas ou escadas, responde), o odor da seiva, as presenças da luz exterior que atravessa as madeiras e reflecte a consistência instável e rude da matéria… Percorrer estes espaços implica permanecer sempre dentro dos limites da atenção.
[v] A este propósito poderíamos invocar, a título exemplar, algumas surpreendentes analogias na história da literatura (a cela de Fabrício em A Cartuxa de Parma, de Stendhal) ou do cinema (o botequim de Yojimbo, de A. Kurosawa).
[vi] Alain, ibidem.
Set
Nov
A pintura é uma das mais fundamentais criações humanas, essencial para a humanidade. É um lugar construído através da acumulação de múltiplas memórias, sem pontos de fuga definidos. A consciência da fugacidade da vida é decisiva para a intensidade e urgência da pintura.
A pintura, ao contrário das imagens, nunca é instantânea: exige tempo, duração, no ver e no dar-a-ver. A tensão entre a bidimensionalidade do suporte e a ilusão de espaço é determinante para a existência da pintura. Importa sublinhar a verticalidade da pintura, contrariando-a.
Existe desenho sem pintura e, no entanto, não existe pintura sem desenho: tal como disse Pollock, desenho é pintura e pintura é desenho.
Estes desenhos-pinturas foram realizados em 2009 e 2010, existe uma ficha técnica e mais não escrevo sobre eles, de outro modo não os tinha criado, tinha-os escrito.
“Descanso da conversa, por um momento. Mas depois, ao ver que há uma frase etrusca ali escrita, já muito esvaída e parecendo garatujada, pergunto ao rapaz alemão: «Sabe lê-la?». Leu-a com uma rapidez estonteante. Eu, confesso, teria de ir letra por letra. «E que quer dizer?», perguntei. Ele encolheu os ombros. «Ninguém sabe».”
Manuel Gantes
Set
Nov
Um auto-retrato, a pintura, a fotografia e um cavalo
the tailor é o mais recente trabalho de São Trindade e consta de um conjunto de fotografias à volta da reconstituição da lenda de Lady Godiva, tendo por base a pintura homónima (1897) de John Collier (1850-1934) de inspiração claramente pré-rafaelita. Mais que uma estética, o que a autora retira deste movimento é sobretudo o gosto pela simplicidade e capacidade narrativa das imagens.
Segundo a lenda, Godiva terá atravessado a cidade montada num cavalo, coberta apenas pelo seu longo cabelo, após diversas tentativas junto do marido para que este baixasse os altos impostos que mantinha sobre a população. Cansado dos seus pedidos, ele ter-lhe-á feito a proposta de que apenas acederia se ela se passeasse nua a cavalo, erradamente convencido que ela nunca iria aceitar. Chegado o dia, a população foi obrigada a ficar fechada dentro de casa e apenas um homem, um alfaiate de nome Tom, terá quebrado esta interdição de olhar e como consequência, segundo algumas versões, terá ficado cego devido à ousadia de não resistir a espreitar a sua beleza. É o nascimento do Peeping Tom e no centro da história aparece o tema do voyeurismo que se virá a tornar numa das questões centrais comum a diversos modos de entendimento do acto fotográfico e, no caso presente, traz para a fotografia um dos seus temas clássicos: a visão e o acto de ver.
the tailor cruza dois interesses particulares da autora, pintura e fotografia e que enquanto disciplinas se começaram a cruzar ainda antes do aparecimento da fotografia. Os dispositivos ópticos eram desde há muito do conhecimento dos pintores que, não raras vezes, os utilizavam ao nível da construção espacial e a fotografia, com início na década final de oitocentos, veio contaminar a produção pictórica com alguns dos valores que então começavam a construir a sua linguagem específica ao mesmo tempo que viu alargada a sua prática junto de um número crescente de pintores. Contudo, já as duas se cruzavam sobretudo ao nível das convenções de representação logo desde meados do século. A fotografia vem igualmente a tornar-se um auxiliar e um complemento dos tableaux vivants, muito em voga na época e a que o cinema deu continuidade mais tarde sendo exemplos maiores e mais próximos algumas encenações de Greenaway ou o magnífico Passion de Godard, este último interrogando a natureza e o processo do fazer da pintura a partir, por exemplo, da especificidade da representação da luz.
E se o tableau vivant muitas vezes criava cenas a partir da ideia da pintura e da encenação teatral, outras havia em que eram recriadas cenas de pinturas famosas.
A fotografia acompanhou o processo e ainda hoje a recriação ou interpretação de pinturas representa um caudal de produção significativo de, por exemplo, Jeff Wall (pensamos em duas interpretações de Manet) a Sam Taylor-Wood (que se auto-retrata a partir de Velazquez) ou de Sherman a Crewdson, cada um com a sua especificidade no modo de entender a relação entre a construção da imagem, a imobilidade e a representação.
Também o espaço do atelier foi ele próprio centro de atenção e ocupou o seu lugar na representação desde a Renascença seja como lugar de convívio e de encontro entre diversas personalidades centradas na figura do artista ou como espaço dedicado à criação, exercendo um fascínio quase mágico enquanto lugar onde a arte acontece sendo que, muitas vezes, é o próprio processo de criação que nos é mostrado como se esse processo trouxesse uma nova luz, um novo entendimento, à interpretação da obra. É ponto assente a importância e impacto que este interesse pelo processo teve em alguns movimentos artísticos ao longo do século passado e , na fotografia, uma das suas expressões seminais terá sido com Hans Namuth e o breve, ainda que produtivo, trabalho que este desenvolveu junto de Pollock. Noutro extremo da representação do processo criativo encontramos, por exemplo, as fotografias do atelier de Francis Bacon que nos transportam aquele caos demiúrgico a partir do qual trabalhava.
Nada deste caos está presente em the tailor em que o atelier surge como um lugar quase desinvestido de significação, limpo e luminoso, onde o desenho tem um papel fundamental no processo de análise e construção da imagem. Há uma insistência especial na cabeça do cavalo que vemos evoluir em várias fases de construção como se a elas correspondesse uma evolução do entendimento sobre a globalidade do objecto. O espaço exíguo é ampliado pela luz e os aparentes erros de exposição são assumidos e incorporados chamando-nos à realidade bidimensional da imagem à semelhança do que acontece com o desenho. A imagem do olho, vazio, ainda em esboço de volume, chama-nos a atenção para o tema da visão e da cegueira que atravessa a história narrada no quadro. O espelho cumpre uma das suas funções narrativas e de representação (é particularmente interessante o quadrado que se abre literalmente na (para lá da) parede e a janela que se abre no espelho) e funciona quase como uma mise en abyme, numa antevisão da imagem central de toda a exposição, a recriação da tela de Collier. Aqui, a atenção foi centrada na figura da mulher e do cavalo esquecendo a questão da localização espacial, aqui reduzida a um mínimo na linha de cruzamento da parede com o chão. O resto é fotografia: a diferença no grau de representação da realidade da figura feminina e do cavalo de papier-mâché e gesso, o pormenor da perna do cavalo que acaba no ar (no mesmo ponto em que a pintura a acaba), a incorporação do espaço envolvente não escondendo e revelando o dispositivo de encenação. E neste ponto, apesar de este ser um dispositivo comum na fotografia de retrato desde o início, não podemos deixar de recordar um outro retrato e um outro cavalo, de Meyer e Pierson, cerca de 1859 com o célebre Le Prince Impérial Sur Son Poney, Posant Pour Le Photographe. No final, São Trindade apresenta-nos um poderoso auto-retrato que para além do processo da sua própria realização, nos traz o cruzamento da fotografia com outros modos de produção de imagens, neste caso, a pintura e que está na base da sua formação.
Francisco Feio, Setembro 2010
Jun
Jul
POR DENTRO
Retrato com linhas I (1ªsala)
Uma conversa ‘de guião livre’ orientou o nosso encontro no final de uma manhã, polvilhada com chuviscos e uma ameaça de poesia, algures numa esplanada de Lisboa, não muito longe do rio.
Esta é a exposição Nude. A palavra remete-nos para o contexto da actualidade, no sentido da moda. È uma tendência presente, ou qualquer coisa construída nos últimos anos e que, de alguma forma, eu associo quase a uma nova representação do corpo. Se pensarmos nos anos 60, vemos o corpo no cinema, na moda, na música: a pele era pele, o corpo era corpo. Havia uma relação com o corpo que era mais total. Hoje o que se está a mostrar não é a pele, mas uma representação abstracta de pele, intervencionada, produzida, muito estilizada, elegante e sofisticada, que evoca o natural. É quase como se correspondesse ao que é o corpo na sociedade actual – sem o ser exactamente -, aquilo que eu apelido de relação ‘epidural’: tu vês, pensas, mas tudo o que sentes está em baixo, e não está integrado.
[‘Olá boa tarde! Posso entregar-lhe uma poesia de minha autoria?’, interrompe uma mulher; ‘agora não’ – digo-lhe eu. E a conversa à flor da pele prosseguiu, sem poesia]
A imagem do nude tem a ver com esse religamento ao corpo, que é feito numa sociedade completamente diferente daquela que era nos anos 60 ou 70. Mas não sei se o conceito nude significa só pele.
nude [nju:d], [1] a. nu, despido, sem roupa; sem roupagens; da cor da carne (meias); (jur.) sem valor, válido só depois de legalizado (contrato) / to paint n.figures, pintar nus.
[2] s. (arte) nu, nudez, figura nus/ a study from the n., um nu/ to paint from the n., pintar um nu.
palavras-chave
fechamento, abstração, complexidade, obscuridade, sentir/sensação, submerso.
frase-chave
a pele interior.
Retrato com linhas II (2ªsala)
A primeira exposição que fiz em Lisboa – Religio – era sobre a memória e o que eu queria com NUDE é que fosse sensorial: mais pele, mais carne, mais sensação. Comecei assim a desenvolver uma série de trabalhos. Um deles era especificamente sobre os tons de pele – a partir de uma elaboração de listas de tons. E nesse sentido trabalhei literalmente sobre os tons da cor da pele. E como o medium que estava a utilizar ultimamente era a fotografia, quis chegar aos tons da pele através dela. Então tirei um retrato de rosto, fiz zoom até chegar a um pixel, e ao fazer isso em várias zonas do rosto, consegui obter vários tons de pele. Mas ao mesmo tempo interessava-me explorar também a textura, o brilho, o refinamento, enfim todo esse tipo de qualidades sensoriais da pele. Achei que era interessante partir da fotografia, e mostrar a pele como se fosse vista ao microscópio, até chegar ao poro. Mas o formato final será um pixel não fotográfico, mas materializado no tecido, com várias cores, se bem que seja abstracção da pele, a partir do rosto. Esse trabalho deu origem a uma série – Pixels – de quadrados de pano, que evocam a superfície da pele.
Depois comecei a fazer uma série de fotografias, para trabalhar a pele como introspecção, e senti-la como por dentro, mentalmente. E encontrei uma figura a que chamei o nude clown – um palhaço, cuja única coisa que tem é pele e está fechado, virado para dentro. A pele é a única coisa que o reveste, mas que acaba por funcionar como uma espécie de muralha, entre o interior e o exterior.
As minhas preocupações com a pele têm sempre a ver com a vinculação, e com a noção de que a pele é algo que faz com que o corpo não transborde, que o fecha, que está entre nós e o mundo, com tudo o que isso tem de fechamento e de portas abertas. Esta aproximação ao tema da pele começou com a maternidade. Eu só posso trabalhar enquanto mulher, essa é a minha experiência, como mulher ocidental, que vive em Portugal, e já viveu noutros países. Mas aquilo que estou a aprofundar não tem a ver com a minha experiência pessoal, nem somente com a minha condição de mulher, porque nesse sentido iria desenvolver de outra forma. Se calhar aí, iria abordar mais a maternidade…
Inês Pais (n. Lisboa, 1975) fez a escola secundária no Colégio Valssassina. Depois foi estudar Pintura para a Escola Superior de Belas Artes. Fez o Erasmus na Alemanha, universidade de Kiel, onde foi a primeira aluna deste programa a ser ali recebida, o que lhe deu todas as facilidades próprias numa escola de arquitectura, design e belas artes, como aquela o é. Fez também uma pós-graduação em Nantes, França, numa escola que estava a ser dirigida por dois comissários da Manifesta. Todos os meses os alunos podiam expôr em cidades diferentes do mundo. A seguir, voltou à Alemanha, para trabalhar numa galeria de Berlim, e depois foi para Nova Iorque, onde esteve dois anos, com o apoio de três entidades (EDP, BCP, e MC).
Os seus interesses actuais são: arte (sempre!), moda, antroposofia, o corpo e todas as abordagens deste como totalidade, o holismo, e a macrobiótica.
Cristina L. Duarte
Jan
Mar
Artistas: Frederico Ferreira, Jorge Maciel, Pascal Ferreira, Pedro Cabral Santo e Tiago Carneiro da Cunha
Vivemos num tempo não-linear, onde as coisas acontecem simultaneamente em diferentes lugares. A escultura provavelmente mudou mais nos últimos trinta anos do que em qualquer outro tempo da sua história, e ela mudou porque nós mudámos; a complexidade e invenção do mundo contemporâneo combinou em igual com a invenção e complexidade da escultura contemporânea.
Se admitirmos a ideia de que a escultura vive uma época presente de difícil identificação, talvez porque esteja dividida em múltiplas disciplinas, e também porque os seus conceitos operativos convencionais se tornaram cada vez mais discutíveis, os limites da escultura, ao perderem características de universalidade, levou o seu ofício para outro “espaço”, nomeadamente espaços de “fronteira e de novos territórios” (Foster).
Verificamos também, por outro lado, que o expandido campo da escultura (Kraus), assim designado,
tem mostrado uma enorme energia, e fulgor – por vezes, parece que nunca houve tanta escultura como agora. Escultura intrometida com o quotidiano, com a ciência, com a investigação, de onde ressalta o imaginário pessoal, desenvolvendo-se uma nova combinação entre a própria escultura e os novos desafios – sentidos múltiplos. Assim, e apesar das transformações e reformulações em torno da escultura, podemos sempre contar com o aparecimento de uma ideia “nova” que lhe é autêntica.
O resultado desta exposição é uma vasta – diversa – mostra de arte contemporânea em três dimensões; num contexto de divergentes obras de diferentes artistas – escultores -, a exposição apresenta ao espectador um trajecto que envolve matérias, formas, técnicas e conceitos.
Janeiro de 2010