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Vitor Reis, S/Título, papel, medidas variáveis

Vitor Reis, S/Título, papel, medidas variáveis

Artistas: José Josué, Nelson Crespo, Paulo Tuna, Vitor Reis
Comissário: Valter Vinagre

Olhei para o céu e nada vi

Como base de orientação aos autores, foi-lhes solicitado que a partir de uma, ou mais, visitas ao espaço da Plataforma Revólver, desenvolvessem os seus trabalhos de forma a que as peças a apresentar traduzissem o binómio espaço/memória, ou que, por este conceito, fossem condicionadas. É pois em torno de esta ideia que José Josué, Nelson Crespo, Paulo Tuna e Vítor Reis desenvolveram os seus projectos.
José Josué parte da ideia de que toda “a matéria de sobra” se transforma em pó. É com este, que caindo e acumulando-se, a realidade se transforma através da improvisação que opera na matéria até que a estrutura daí resultante seja condicionada/apertada pelo espaço físico.
Nelson Crespo, que tem centrado o corpo do seu trabalho nas questões da identidade, da imigração e da viagem, vem, através deste conjunto de retratos manipulados, propor-nos uma reflexão antecipada sobre as alterações na sociedade que a introdução do sistema de identificação, através do scan da íris, vai produzir na classificação bio métrica proposta e utilizada pela ICAO “International Civil Aviation  Organisation”.
Paulo Tuna desenvolveu um trabalho de proximidade com o espaço, onde ecoa silêncio e penumbra e com o qual estabeleceu uma relação de intimidade,  um diálogo ensurdecedor, onde a memória do aço, moldado a fogo, amestra o espaço físico com uma certa ternura/doçura/carinho próprio do trabalho de um Hefestos do século XXI.
Vítor Reis inscreve-se no mundo da arte através do simulacro das arcas da memória, quer sejam mármore, quer sejam chão revestido. O material é suporte de mensagem profunda e apresenta um registo que traduz a certeza das nossas vivências e crenças, memórias e coisas. A fragilidade do material indestrutível, mas ligeiro que se molda aos movimento do espectador,  revela na sua peça  tanto um auto-desprendimento, como uma reflexão sobre o desejo de inscrição no mundo.
Estes autores, alheios a quaisquer dirigismos, ou longe dos oportunismos modistas, estão talvez ainda à procura de um corpus coeso, ou confirmam esse mesmo trabalho de procura característico dos artistas, contudo têm atrás de si um autêntico labor de pesquisa demonstrado pela produção contínua e paciente.

Valter Vinagre

Publicado a 23 de Junho de 2006

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Grafos III
EDUARD ARBÓS
P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

NATURA TANTUM*

Porque, sem o que é, no qual é tornado visível,
não encontrarás o pensar; pois nada é ou será
outro fora do que é, dado que a Moira o agrilhoou
a ser inteiro e sem movimento…
Parménides (Sobre a Natureza, frag.8, 35-38)

A sensação de quietude fremente que as pinturas de Eduard Arbós (Barcelona, 1959) nos transmitem resulta de exprimirem realidades sensíveis através de sínteses conceptuais geométricas, aparentemente indecifráveis. As suas obras são cartografias detalhadas de sensações; são ideias que não foram completamente destituídas da emoção que as acordou, e que o artista procura harmonizar conferindo-lhes uma forma diferenciada, um Nome…justificando, assim, a interrogação oportuna de Lao Tse: Poderá a tua alma abarcar a unidade sem se desprender? (…) Poderás purificar a tua visão original até a tornar imaculada? (Tão Te King, X)
A actual exposição, intitulada Grafos III, desenvolve o trabalho apresentado nas duas anteriores exposições, realizadas já no decurso desta temporada, respectivamente nas galerias La Nave de Valência e Espacio Líquido de Gijón.
Sobre fundos monocromáticos de grandes dimensões, nos quais foram apagados todos os sinais distintivos da autoria, inscrevem-se estruturas geométricas verticais rigorosas que remetem directamente para o universo da arquitectura ou para projectos de design industrial. Estas grelhas de formas repetidas parecem privilegiar os domínios da técnica, da ideia pura aplicada, em detrimento da expressão sensível. Os fundos de cor vibrante definem ambientes espaciais; são o horizonte, o magma, a pulsão vital sobre a qual se desenvolve a reflexão espacial do autor. Tudo aparenta ser minuciosamente pensado e rigorosamente executado, como se não houvesse espaço para a irrupção do acaso, nem para qualquer intervenção subjectiva do autor. A própria exposição foi concebida como instalação, na qual cada obra foi criada para ocupar exactamente o local para que foi projectada.
Mas, eis que, subitamente, na articulação entre o silêncio que emana dos fundos monocromos e a racionalidade angulosa das grelhas seriais escapa “um não sei quê” sensível “que se alcança por ventura” e que instaura uma Via de Conhecimento que nos conduz por um caminho abundante em sinais, que pertence à deusa, que conduz em todo o sentido o homem que sabe. (Parménides, frag.1)
Este golpe de asa, este não sei quê venturoso decorre, por um lado, da correspondência inefável que o artista estabelece entre o ambiente lumínico que a cor da superfície monocromática emana e a racionalidade geométrica das grelhas verticais – correspondência biunívoca que ordena de forma axiomática os dados sensíveis com a razão.
Por outro lado, julgo entrever neste programa pictórico procedimentos ritualísticos – gestos cuja repetição esvazia a necessidade de intervenção consciente do sujeito – comparáveis aos mantra orientais; sequências repetidas cuja incorporação concede ao seu detentor o acesso a um estado de meditação e de realização místicas, libertando a forma do contingente, de modo a que ela reproduza realidades substanciais supra-conscientes. O artista converte-se, assim, também num médium, oficiando num cerimonial particularíssimo de comunhão e apreensão da unidade – Pode pensar-se nele como sendo a Mãe de tudo o que está debaixo do céu. O seu verdadeiro nome, não o sei, dá-se-lhe o nome poético de ‘a Via`… A Via é regida pelo ássim por si mesmo´ Lao Tze

José Sousa Machado

Publicado a 23 de Junho de 2006