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Grafos III
EDUARD ARBÓS
P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

NATURA TANTUM*

Porque, sem o que é, no qual é tornado visível,
não encontrarás o pensar; pois nada é ou será
outro fora do que é, dado que a Moira o agrilhoou
a ser inteiro e sem movimento…
Parménides (Sobre a Natureza, frag.8, 35-38)

A sensação de quietude fremente que as pinturas de Eduard Arbós (Barcelona, 1959) nos transmitem resulta de exprimirem realidades sensíveis através de sínteses conceptuais geométricas, aparentemente indecifráveis. As suas obras são cartografias detalhadas de sensações; são ideias que não foram completamente destituídas da emoção que as acordou, e que o artista procura harmonizar conferindo-lhes uma forma diferenciada, um Nome…justificando, assim, a interrogação oportuna de Lao Tse: Poderá a tua alma abarcar a unidade sem se desprender? (…) Poderás purificar a tua visão original até a tornar imaculada? (Tão Te King, X)
A actual exposição, intitulada Grafos III, desenvolve o trabalho apresentado nas duas anteriores exposições, realizadas já no decurso desta temporada, respectivamente nas galerias La Nave de Valência e Espacio Líquido de Gijón.
Sobre fundos monocromáticos de grandes dimensões, nos quais foram apagados todos os sinais distintivos da autoria, inscrevem-se estruturas geométricas verticais rigorosas que remetem directamente para o universo da arquitectura ou para projectos de design industrial. Estas grelhas de formas repetidas parecem privilegiar os domínios da técnica, da ideia pura aplicada, em detrimento da expressão sensível. Os fundos de cor vibrante definem ambientes espaciais; são o horizonte, o magma, a pulsão vital sobre a qual se desenvolve a reflexão espacial do autor. Tudo aparenta ser minuciosamente pensado e rigorosamente executado, como se não houvesse espaço para a irrupção do acaso, nem para qualquer intervenção subjectiva do autor. A própria exposição foi concebida como instalação, na qual cada obra foi criada para ocupar exactamente o local para que foi projectada.
Mas, eis que, subitamente, na articulação entre o silêncio que emana dos fundos monocromos e a racionalidade angulosa das grelhas seriais escapa “um não sei quê” sensível “que se alcança por ventura” e que instaura uma Via de Conhecimento que nos conduz por um caminho abundante em sinais, que pertence à deusa, que conduz em todo o sentido o homem que sabe. (Parménides, frag.1)
Este golpe de asa, este não sei quê venturoso decorre, por um lado, da correspondência inefável que o artista estabelece entre o ambiente lumínico que a cor da superfície monocromática emana e a racionalidade geométrica das grelhas verticais – correspondência biunívoca que ordena de forma axiomática os dados sensíveis com a razão.
Por outro lado, julgo entrever neste programa pictórico procedimentos ritualísticos – gestos cuja repetição esvazia a necessidade de intervenção consciente do sujeito – comparáveis aos mantra orientais; sequências repetidas cuja incorporação concede ao seu detentor o acesso a um estado de meditação e de realização místicas, libertando a forma do contingente, de modo a que ela reproduza realidades substanciais supra-conscientes. O artista converte-se, assim, também num médium, oficiando num cerimonial particularíssimo de comunhão e apreensão da unidade – Pode pensar-se nele como sendo a Mãe de tudo o que está debaixo do céu. O seu verdadeiro nome, não o sei, dá-se-lhe o nome poético de ‘a Via`… A Via é regida pelo ássim por si mesmo´ Lao Tze

José Sousa Machado

Publicado a 23 de Junho de 2006