11
Nov
a
31
Dez
Der Fehler, Galvanised Butterfly  (Leader's head), 2006

Der Fehler, Galvanised Butterfly (Leader's head), 2006

Artistas: Catarina Saraiva, Der Fehler, Flávio André, João Simões, Paulo Tuna, Pedro Cabral Santo e Tiago Batista
Comissariado: Pedro Cabral Santo

A procura das relações entre coisas, entre pessoas ou entre ambas, no complexo meio artístico, distingue-se, nos nossos dias, pela tentativa de estabelecer graus de comparação entre as suas intrínsecas e íntimas essências. Michael Duncan explicita, deste modo, que o artista contemporâneo é alguém que tenta, no actual contexto, encontrar alternativas para a pintura, a escultura, a vídeo-arte ou mesmo a instalação na suas diversas formas e aportes. Esta necessidade de encontrar paradigmas alternativos ou, como Rosalind Krauss os define, apoiados por suportes mais livres e simultaneamente mais próximos do espectador veio provocar, necessariamente, uma arte aparentemente mais livre de constrangimentos (essencialmente de origem técnica mas não só). Estas formas que se assemelham à primeira vista ao campo da escultura ou a corpos espacializados tridimensionalmente apressam-nos, de algum modo, a tentarmos ir de encontro à forma e não tanto à necessidade de a produzir. Estamos a falar de objectos tridimensionais que também ostentam os tradicionais problemas afectos às texturas, às cores, às formas ou mesmo àqueles que envolvem o peso, a escala, a matéria, etc.
Num tempo que está submerso numa quantidade infindável de imagens visuais com origem diversa, verificamos que se impõe esta opção por um trabalho que parece ir na direcção contrária àquilo que se afigura como mais “realizável”. Talvez como um processo desviante mas, ao mesmo tempo, revigorante, “outras coisas” surgem de forma fresca. Este ofício de cariz escultórico, que não o é, parece retomar algumas questões entretanto esquecidas. As velhas glaciações (Hal Foster) voltam ciclicamente e também à tona – orgânico/artificial – sólido/líquido – efémero/permanente – imóvel/móvel – peso/leveza – e apropriam-se das imagens e das formas bem como dos seus referentes. Voltando a Rosalind Krauss, esta parece ser uma nova forma de pensar, exclusivamente do ponto de vista artístico, talvez mais útil do que imaginar uma nova definição de Arte, de escultura ou mesmo uma nova categoria artística expressa através de uma denominação precisa. Sculp Your Mind  propõe um pequeno contributo para este debate em torno da escultura e do seu desenlace futuro. Esta ideia de duplicidade – entre o ser e o não ser – provoca-nos sempre um espaço de liberdade no que diz respeito à manipulação formal e, por outro lado, dá-nos toda a liberdade criativa no acto do fazer. Retira-se daqui o peso da hiperinterpretação, àquilo que Susan Sontag chama de desvio do objectivo primordial – aquilo que parece ser e é o que é. Deste modo, tudo, mas tudo, parece ser possível de conceber, apesar de nem tudo ter a possibilidade de vir a ser.

Pedro Cabral Santo

Publicado a 10 de Novembro de 2006

11
Nov
a
31
Dez
S/Título, 2006, óleo sobre papel, 152x100 cm

S/Título, 2006, óleo sobre papel, 152x100 cm

O conjunto de pinturas agora apresentado reactualiza a apetência já anteriormente manifestada por Inez Teixeira (Lisboa, 1965) para a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio. Trata-se de pinturas onde o sentido de orientação visual se descentra, tal a densidade de possibilidades constitutivas e tal a dispersão e cruzamento de sentidos, ora centrífugos ora centrípetos, ora sugerindo uma expansão energética bidimensional que extravasa os limites da superfície pintada, ora aspirando o olhar para uma dimensão de profundidade situada já numa categoria virtual, que se inscreve na efabulação que incessantemente operamos sobre o real. As pinturas tendem a condensar espacialmente a duração de um programa que, de série para série, se abre em novas possibilidades de configuração, tal é também a atracção vertiginosa pela observação da metamorfose das coisas e o desejo de lhes dar forma. O informe e o acidental (o seu estado primário e caótico) são assim o ponto de onde, sucessivamente, a artista inicia viagens de ida e volta entre dois mundos (dois territórios); o das formas vivas e o das formas artísticas. Como Goethe, Inez Teixeira busca uma forma de compreensão das suas “nuvens”, pela captação das dinâmicas reveladas em cada história, “na passagem de uma manifestação a outra”. Mas é no ténue equilíbrio entre estes dois mundos, e por persistir numa condição de (des)territorialidade formal (que evolui em perfeita autonomia dos limites físicos disponibilizados à percepção), que o programa cosmológico da artista pode avançar. Livre, percorrendo e reconfigurando os seus próprios alicerces de acordo com a mesma imprevisibilidade de mutação das nuvens, as pinturas agora apresentadas mapeam uma forma de experiência que retêm também o imprevisível envolvimento físico entre a pintora e os seus trabalhos. Mas essa será uma característica que não fará sentido associar a uma forma de negligência metodológica. A imprevisibilidade da pintura de Inez Teixeira, entendamo-la nós como cartografia da experiência ou paisagem de sistemas constituintes de um universo infinito e utópico, parece situar-se em coordenadas de orientação éticas muito precisas. Ao escolher uma forma de organização pictórica que requer a presença do espírito de efabulação, a artista parece anunciar uma renúncia a todo um tipo de vantagens e facilidades que só encontramos num mundo material e físico, em que as formas se apresentam a priori, cabendo ao artista a tarefa de as reorganizar e as re(a)presentar. A escolha de Inez Teixeira é outra, pois, nessa aparente perda em que até as pinturas se escapam para um campo exterior ao da visão, o que está em causa é o esforço de “soltar amarras”, ou se quisermos, numa alusão ao estilo de vida dos povos nómadas, a verdadeira essência deverá ser encontrada na livre ocorrência da experiência (em viagem). Não possuindo terras próprias, os nómadas não se fixam, mas percorrem sucessivamente todo um imenso território alheio, conhecendo-o como ninguém, e explorando uma harmonia que optimiza as variações climáticas e as vicissitudes dos elementos. Abrindo mão de terras suas, inscrevem na paisagem o seu próprio destino. Têm um mundo todo na mão, e deslocam-se em movimentos de expansão que os próprios decidem, percebendo posteriormente o quanto de memória genética acompanhou o seu empreendorismo. Vivem livres e em perfeita autonomia, numa genuína concordância com o sistema cósmico, onde todas as coisas se transformam e se reorganizam. Viajam atrás do vento, decifrando as nuvens, reactualizando incessantemente, tal como Inez Teixeira, a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio.

Miguel Caissotti

Publicado a 1 de Novembro de 2006