O conjunto de pinturas agora apresentado reactualiza a apetência já anteriormente manifestada por Inez Teixeira (Lisboa, 1965) para a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio. Trata-se de pinturas onde o sentido de orientação visual se descentra, tal a densidade de possibilidades constitutivas e tal a dispersão e cruzamento de sentidos, ora centrífugos ora centrípetos, ora sugerindo uma expansão energética bidimensional que extravasa os limites da superfície pintada, ora aspirando o olhar para uma dimensão de profundidade situada já numa categoria virtual, que se inscreve na efabulação que incessantemente operamos sobre o real. As pinturas tendem a condensar espacialmente a duração de um programa que, de série para série, se abre em novas possibilidades de configuração, tal é também a atracção vertiginosa pela observação da metamorfose das coisas e o desejo de lhes dar forma. O informe e o acidental (o seu estado primário e caótico) são assim o ponto de onde, sucessivamente, a artista inicia viagens de ida e volta entre dois mundos (dois territórios); o das formas vivas e o das formas artísticas. Como Goethe, Inez Teixeira busca uma forma de compreensão das suas “nuvens”, pela captação das dinâmicas reveladas em cada história, “na passagem de uma manifestação a outra”. Mas é no ténue equilíbrio entre estes dois mundos, e por persistir numa condição de (des)territorialidade formal (que evolui em perfeita autonomia dos limites físicos disponibilizados à percepção), que o programa cosmológico da artista pode avançar. Livre, percorrendo e reconfigurando os seus próprios alicerces de acordo com a mesma imprevisibilidade de mutação das nuvens, as pinturas agora apresentadas mapeam uma forma de experiência que retêm também o imprevisível envolvimento físico entre a pintora e os seus trabalhos. Mas essa será uma característica que não fará sentido associar a uma forma de negligência metodológica. A imprevisibilidade da pintura de Inez Teixeira, entendamo-la nós como cartografia da experiência ou paisagem de sistemas constituintes de um universo infinito e utópico, parece situar-se em coordenadas de orientação éticas muito precisas. Ao escolher uma forma de organização pictórica que requer a presença do espírito de efabulação, a artista parece anunciar uma renúncia a todo um tipo de vantagens e facilidades que só encontramos num mundo material e físico, em que as formas se apresentam a priori, cabendo ao artista a tarefa de as reorganizar e as re(a)presentar. A escolha de Inez Teixeira é outra, pois, nessa aparente perda em que até as pinturas se escapam para um campo exterior ao da visão, o que está em causa é o esforço de “soltar amarras”, ou se quisermos, numa alusão ao estilo de vida dos povos nómadas, a verdadeira essência deverá ser encontrada na livre ocorrência da experiência (em viagem). Não possuindo terras próprias, os nómadas não se fixam, mas percorrem sucessivamente todo um imenso território alheio, conhecendo-o como ninguém, e explorando uma harmonia que optimiza as variações climáticas e as vicissitudes dos elementos. Abrindo mão de terras suas, inscrevem na paisagem o seu próprio destino. Têm um mundo todo na mão, e deslocam-se em movimentos de expansão que os próprios decidem, percebendo posteriormente o quanto de memória genética acompanhou o seu empreendorismo. Vivem livres e em perfeita autonomia, numa genuína concordância com o sistema cósmico, onde todas as coisas se transformam e se reorganizam. Viajam atrás do vento, decifrando as nuvens, reactualizando incessantemente, tal como Inez Teixeira, a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio.
Miguel Caissotti