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Scribbles
JOANA ROSA

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Durante oito anos, Joana Rosa (Lisboa, 1959) construiu uma escultura intitulada doodles, que viria a ser exposta na galeria John Weber em Nova Iorque em 1997. O trabalho diário consistia em enrolar e torcer fios de arame de zinco e o resultado final (que nunca foi final porque a obra está sempre inacabada, sempre pronta a ser continuada) é uma densa malha de fios enovelados, com pequenos nós, que tanto podem ser vistos como um organismo em expansão, ou, simplesmente, um frágil emaranhado de linhas. O mecanismo de base que permeava este trabalho – o acto automático de criar no qual a artista se desliga do pensar a obra para se concentrar na destreza manual – é agora transposta para os desenhos que exibe na presente exposição.
Desde 1982 que Joana Rosa tem vindo a coleccionar anotações, ou gestos instintivos (ou compulsivos), que fazemos enquanto distraídos, a que dá o nome de scribbles. Tomando como exemplo os rabiscos que desenhamos enquanto falamos ao telefone, os scribbles são formas de seres, formas amorfas, estruturas sem sentido que surgem de maneira irracional (e que já os surrealistas utilizavam como uma das técnicas de libertação do subconsciente). Joana Rosa colecciona scribbles não feitos por si, para os reutilizar mais tarde nas obras que cria. A artista recusa assim o papel de ser criador, para passar a ser manipulador do que já existe. A sua obra acaba por se situar no campo da reciclagem e da colagem. Os trabalhos que actualmente apresenta partem da sua colecção de scribbles, bem como de obras já realizados pela artista que os reutiliza em parte ou no todo para construir novos desenhos.
Não existe um plano prévio quando a artista inicia uma nova obra. Esta vai-se construindo, vai ‘aparecendo’, sob a capa do automatismo da sua mão e revelando os seus medos, fantasias e ansiedades. Será esta uma das causas da variabilidade e do contraste dos traços e das formas. As linhas leves são contrapostas com as manchas carregadas e pesadas. As formas bem definidas convivem com outras informes, assim como diferentes escalas se sobrepõem.
Esse desejo de não controlar o destino da obra é igualmente marcado pelos erros perceptíveis no papel. A artista opta por não apagar ou disfarçar as incorrecções e as dedadas, escolhe colar cada fragmento do desenho com fita castanha acentuadamente visível. Esta decisão dota o desenho de peso, ao mesmo tempo que o liberta da bi-dimensionalidade.
Apesar dos desenhos reflectirem uma carga auto-biográfica, há uma imposição do apagamento da própria autora. Essa supressão não opera apenas ao nível da marca, mas também do próprio fazer na sua dimensão temporal. O tempo, uma das vertentes mais substanciais, é tornado invisível nestes desenhos, precisamente para afastar a atenção do trabalho em si e centrá-la nos objectos.
Pode mesmo dizer-se que há algo de utópico no processo operático desta artista – a ideia de que um artista não é o único detentor do poder criativo, mas um tradutor, ou talvez facilitador, desse poder em cada um de nós.

Filipa Oliveira

Publicado a 22 de Março de 2007