10
Mai
a

743.3
ANDRÉ SIER

7473upgrade07835_big_web

O trabalho de André Sier tem uma construção serial e integra um procedimento de actualização do pensamento do autor a partir de arquitecturas – estruturas algorítmicas que se desdobram em várias dimensões perceptivas do espaço. 747 é um projecto cujo desenvolvimento cumpre esta metodologia, assim como struct também desenvolvida em versões sucessivas.
747.3 é apresentada apenas por uma noite e resulta de uma proposta que fiz em simultâneo ao artista e à Plataforma Revólver. Por um lado, confrontar o autor com um espaço diferente daquele em que tem trabalhado, abrindo outras possibilidades à instalação da obra e às suas condicionantes espaciais até aqui propostas. Por outro, ocupar a galeria com uma intervenção que se realiza num só momento, irrepetível, e que vai ao encontro das características multifuncionais da Plataforma.

747 é a designação técnica que a empresa Boeing usou para denominar um dos seus maiores projectos, o avião de grande porte a que vulgarmente se chama “Jumbo”. O 747 da Boeing, desenvolvido em sucessivas versões, do 747-100 até ao 747-8 Intercontinental, foi o paradigma das viagens aéreas de longa duração durante mais de três décadas. De certa forma, como um grande navio cruzador dos mares estratosféricos, que reificou o sonho e a utopia de Leonardo da Vinci, Bartolomeu de Gusmão, ou mais tarde de Lilienthal . Este precursor executava pequenos voos num planador controlado pela movimentação do seu corpo.
André Sier desenvolveu a série 747 até à presente versão .3, construindo-a a partir de um modelo baseado num programa de um simulador de voo. É uma instalação inter-relacional com o espectador/utilizador criando uma experiência que se assemelha à sensação do voo. A sucessão das três versões desta obra não pretende apresentar variantes da mesma, mas alterar e construir uma progressão da densidade imersiva que cada uma delas vai convocando para a performatividade do participante. Este acciona, através de dispositivos de reconhecimento de
imagem, a possibilidade do voo em duas dimensões interligadas na percepção do espaço: uma experiência da paisagem visual e sonora que oscila em simultâneo com a sensação da acção do corpo que se movimenta no espaço inicial. É esta proposta de acção, dirigida ao sujeito, que cria um universo aparentemente virtual, mas que se torna real e concreto no momento em que o utilizador controla o fluxo num ambiente imersivo reforçando a autonomia do seu corpo através de uma estratégia do autor que se afasta do uso de próteses ou dispositivos que condicionem fisicamente a percepção do sujeito. A acção desenvolve-se consoante a sensibilidade e intuição daquele que se entrega à experiência, perante um universo intocado, que apenas pode ser reclamado pela sua potencialidade performativa. André Sier transforma o participante em elemento essencial da obra. Presença poderosa de convocação e evocação dos meios que se encontram inertes e despojados do seu “efeito mágico”, numa apologia do voo, inebriante e quase dionisíaca, como uma coreografia indeterminada e aleatória.
Tal como Lilienthal, o autor constrói as condições para a experiência. Mas sabe que o maior grau de aperfeiçoamento do seu instrumento, encontrará uma só possibilidade, a liberdade e capacidade que o sujeito tem de experimentar.

João Silvério

1. Da série struct, inicida em 2001, vemos em 2006 uma nova versão, struct_5, que parte de um princípio semelhante ao da obra 747.3 e é desenvolvida como um dispositivo interactivo que capta e interfere com o som e o movimento visual que ocorre num espaço. O próprio utilisador pode quasi-desenhar a forma como o som se dá no espaço, onde a quantidade de movimento, a singularidade da diferença entre as imagens fixas que a câmara captura da interacção das pessoas, devolve, mais no esquerdo ou no woofer direito, o resultado de um confluência contínua do fluxo sonoro. (cf André Sier na descrição da peça struct_5 no catálogo da exposição ArtEscapes: Variacions de la vida en les arts multimèdia, Universidad Politècnica de València, Vicerectorat de Cultura, 2007)
2. Otto Lilienthal, nasceu em 1848, em Anklam, na Alemanha. Foi pioneiro da aviação e influenciou os irmãos Wrigth através da ideia e experimentação de uma metodologia assente na implusão do próprio corpo: o salto é o ínicio do voo.

Publicado a 9 de Maio de 2007

10
Mai
a
23
Jun
Paralelo 36
LUIS NOBRE
Long distance call #3, Tinta s/ papel, cabeça de javali, fibra de vidro, 300x300x200 cm

Long distance call #3, Tinta s/ papel, cabeça de javali, fibra de vidro, 300x300x200 cm

“Paralelo 36” – Linhas imaginárias

Quando Tatlin fez os seus primeiros “contra-relevos” ou “relevos de canto” (1915) logo após uma decisiva viagem até Paris (onde pôde conhecer Picasso, Lipchitz e Archipenko), partira das colagens cubistas para ensaiar a expansão da pintura até ao campo da escultura, numa ambiciosa pesquisa em torno da conquista do espaço tridimensional. A actual deriva de Luís Nobre até à distensão do espaço também é o resultado contingente da manipulação dos materiais e, embora seja muito mais intuitiva que referenciada, podemos situá-la na linhagem de várias propostas que tornaram possível esse desenvolvimento aparentemente espontâneo do desenho rumo ao domínio da instalação.

Dos cubistas aos artistas conceptuais, dos quais se destacam obras seminais de Tatlin, Schwitters, Duchamp, Gabo, entre muitos outros autores que nos levariam até à frescura revolucionária do concretismo e neo-concretismo brasileiro (sobretudo com Oiticica, Clark e Pape), há todo um percurso multifacetado de experiências que testaram a relação interdependente entre o espaço e os seus elementos constituintes, levando-a sempre mais longe, e que não deve ser esquecido. São etapas históricas essenciais para elucidar a destreza com que Luís Nobre liberta as superfícies desenhadas dos seus trabalhos iniciais, projectando-as nos limites dos planos convencionais da representação.

Daí a importância da linha imaginária, convencionada, de que o “Paralelo 36 ” é fruto e que o título da presente mostra cita, dando uma importante pista interpretativa. Trata-se também aqui de uma circunscrição espacial (a sala de exposição) que configura um local no qual é determinante o posicionamento do espectador, pois a nossa localização é sempre definida a partir do ponto onde nos encontramos. Alterada a percepção desse espaço pelos múltiplos objectos e imagens que o povoam, situamo-nos num espaço construído em diferentes estratos, perante um jogo de escalas e de planos rumo ao infinito. A composição tornou-se agora processo de construção por excelência, já não no plano bidimensional do desenho, mas nas intersecções dos vários planos convencionados, e, a partir do canto (num intervalo de planos) afirma a sua continuidade no espaço real.

Por isso também não será de estranhar a afectação autobiográfica desta instalação: Luís Nobre usa frequentemente “coisas” que encontra no dia-a-dia, transformando-as até à perda da referência original (como quando abole os volumes do vaso-caniche através das três linhas de cores primárias – amarelo, azul e vermelho – que já se tornaram recorrentes no seu trabalho), ou sinaliza as superfícies irregulares de papéis amarrotados que depois forram as paredes dando expressão à própria “dobra” enquanto metáfora de um “estar entre”. Esta liberdade entre linguagens é o grande fôlego da divisão imaginária de Luís Nobre. No fundo, é tudo real, tão real quanto os observadores que nos espreitam do cimo de um balão e relembram a curiosidade dos exploradores novecentistas pelo desconhecido: o que está para “lá de” um determinado lugar. Esse “lugar de contacto” de onde partimos é um ponto de encontro que une e separa os diferentes planos e superfícies, uma espécie de última fronteira entre o observador e o espaço da representação, e que nos mergulha numa dimensão topológica onde as múltiplas dimensões se equivalem num único fim: o princípio de uma outra coisa, uma visão.

Lúcia Marques

Publicado a 1 de Maio de 2007