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Hairy Monster reinventing itself before a Door of Transition, 2008, técnica mista, dimensões variáveis

Hairy Monster reinventing itself before a Door of Transition, 2008, técnica mista, dimensões variáveis

 IN THE FUTURE WE TRUST – “BELIEVE ME OR NOT”

Operator – pessoa que põe algo a funcionar.
Num quadro em que as funções do artista são cada vez mais alagadas (“artista-etnógrafo”, “artista-curador”) a noção de operator reveste-se de grande pertinência. Operar para alterar um determinado programa e para potenciar (in)determinados outputs.
Tiago Borges (TB) recorre a um número considerável de materiais para dar corpo às hipóteses artísticas que equaciona , e utiliza uma forma de ironia que lhe é característica. Frequentemente, os objectos são deslocados dos seus contextos originais e são agrupados de determinada forma, produzindo um efeito de “estranhamento” (a lógica do ready-made). A metodologia que adopta é activa e económica: todas as ideias são utilizadas e nada é posto de parte, porque só com um suplemento de criatividade se poderá devolver a dimensão poética e estética ao homem comum.
TB trabalha como um bricoleur (diria “brincoleur”) que reelabora incessantemente os materiais que dispõe, procurando novas possibilidades de associação dos mesmos, transformando-os e transformando-se, inventando novas formas. Páginas web que alojam imagens gráficas, esquemas, diagramas, máquinas produtoras de efeitos sonoros, aglomeração aparentemente aleatória de objectos, néons amputados com brinquedos, stencil e graffiti, projectos editoriais, cinematográficos e decorativos para potenciais clientes… e na base o desenho que exercita o pensamento rápido e regista as psicogeografias do quotidiano.

Index – indicador estatístico de alterações; primeira página de um website.
Se o conjunto das propostas de TB tomasse corpo numa forma gráfica, seria um zig-zag, ou uma sismografia, registando diferentes intensidades, e com algum tipo de excesso. Por outro lado, certas práticas podem ser entendidas como sintomáticas, como por exemplo o facto do uso de materiais perecíveis e de baixos custos serem respostas a determinado mercantilismo da arte, ou à museificação. As relações que os trabalhos de TB estabelecem com aspectos gerais, relativos à sociedade contemporânea e à sua transacção de fluxos culturais, permitem-nos pensar noutros aspectos. O exemplo da subida galopante dos preços das obras de Jean-Michel Basquiat nos últimos anos de vida, doente de HIV, foi sintomático de uma “fome de África” que continua, no contexto da arte. Não importa de que África falamos, nem onde se localiza efectivamente. Se no continente, se na diáspora, se no imaginário. O que é certo é que, embora à margem das narrativas oficiais, África tem continuado a veicular para o Ocidente a maior parte das energias vitais que alimentam a arte contemporânea.

Ars Combinatoria – arte combinatória de signos
As imagens que “assombram” o trabalho de TB são heteróclitas e têm poucas hipóteses de territorialização. Para isto terão contribuído as multi-línguas, os multi-coloramas, os cosmopolitas, russos, cubanos, checos, sul-africanos, MPLA, UNITA, os comunistas, os antroposofistas, os pretos, brancos, mulatos, amarelos, vermelhos, azuis, transparentes, a ciência, a poesia, a Azóia, o Mussulo, Angola, África, Europa, o Brasil, Cuba, Egipto, Manchester, Londres, e muitos outros lugares que nos refere a biografia.
Podemos destacar três aspectos desta arte combinatória de signos: a itinerância, a narratividade, a recuperação.
Por um lado, estes trabalhos transitam entre a alta e a baixa cultura, sem preocupação aparente de categorização, tornando-se um elogio a essa irresponsabilidade – o resultado é uma espécie de wunderkammer contemporânea.
Em segundo lugar, as histórias que cada trabalho conta, indissociáveis das várias línguas que compõem o seu “imagolecto”.
Finalmente, em conjunto com outros artistas, o trabalho de Tiago Borges contribui para inscrever a produção artística de Angola no circuito da arte contemporânea internacional. Ao mesmo tempo que se promove uma “recuperação iconográfica” (Paulo Cunha e Silva) resultante do contexto pós-colonial, articula-se essa iconografia com os elementos de uma cultura artística internacional.

Marta Mestre

Publicado a 13 de Junho de 2008