
Untitled, 2008, acrílico, colagem e pigmentos sobre tela de algodão, 193x176 cm
“What does Rousseau say without saying, see without seeing? That replacement has always already begun; that imitation, principle of art, has always already interrupted natural plenitude; that, having to be a discourse, it has always already broached presence in difference; that in Nature it is always that which supplies Nature’s lack, a voice that is replaced by the voice of Nature.”
Falar sobre imagens nunca é fácil. As palavras e as imagens são inimigas íntimas. No início eram o mesmo, as palavras eram imagens. Símbolos. Mas essa unidade teológica do objecto material com o seu correspondente transcendental foi violentamente interrompida com a invenção do alfabeto. Depois disso mais nada foi o mesmo. Platão ainda fez uma tentativa de reconciliação ao escolher “eidos”, literalmente a silhueta exterior que um objecto oferece aos olhos, para significar “ideia”. Infelizmente, qualquer mudança que se faça ao nível da supra-estrutura nunca afecta a infra-estrutura. Mas Platão não era versado em marxismo, e tudo o que conseguiu foi distorcer a anterior unidade simbólica numa relação entre aparência e essência. A história dessa relação é a história da arte. Todas as imagens que se inscrevem dentro dessa relação fazem parte da história da arte e descrevem todas as formas possíveis que esta pode assumir. Fora da história da arte fica o resíduo da anterior unidade, aquilo a que a antropologia chama crenças animistas e a que a psicanálise chama o estado narcísico de omnipresença do pensamento; bonecos de vudu e kitsch cultural. Para nós, que sabemos perfeitamente que um significante não é idêntico ao objecto que significa, excepto quando ocasionalmente escrevemos o nome de alguém num banco de jardim, é também evidente que nenhuma palavra ou imagem tem algum poder sobre aquilo a que se refere. Excepto obviamente o facto de o representar. Naturalmente esta nova World Order estabelece uma hierarquia na qual as imagens são sempre o nível mais baixo. Afinal, conhecer significa possuir mesmo se essa posse for uma posse imaterial, como uma tomada de posse da consciência. Assim, em arte normalmente a questão não se coloca tanto entre produzir imagens que se possam analisar discursivamente mas em produzir imagens que contenham já o seu próprio subtexto. Por outras palavras imagens cuja função é a de evocar um discurso, anulando-se subsequentemente como imagens para que esse discurso possa tomar o palco. Todas essas imagens escondem no entanto um acordo secreto com o seu público, um pacto subentendido de se referirem às suas expectativas. Essas imagens não têm nesse sentido um destino como imagens, se como “destino das imagens” entendermos a criação de discenso, a interrupção da ordem discursiva e dos protocolos de representação.
I will have spent my life trying to understand the function of remembering, which is not the opposite of forgetting, but rather its lining. We do not remember, we rewrite memory much as history is rewritten.
Diz o narrador fictício de Sans Soleil. Em Sans Image Ana Cardoso, tentando compreender a função da representação, encontra precisamente uma possibilidade de abstracção que não é o oposto de representar mas sim o seu substrato. Através dessas imagens negativas podemos aceder ao negativo da produção de sentido. Não ao ponto onde todo o sentido é negado mas onde este é a cada instante reescrito e sempre se recusa a estabilizar.
Ana Teixeira Pinto
Berlim, Setembro 2008