Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidas. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fosse pessoas vivas.
Agustina Bessa-Luís, Antes do Degelo
O percurso artístico de Inez Teixeira é marcado por uma linha de pensamento que a artista tem seguido e explorado ininterruptamente com recurso à pintura e mais recentemente ao desenho. A ideia de caminho, de percurso intimista, solitário, silencioso num interior labiríntico onde a avanços áridos se contrapõem retrocessos férteis em direcção à génese da obra de arte, está presente na sua pintura desde os anos noventa: Caminho (1997), Tempo de espera (1997), De dentro para fora (1997), Nascimento do mundo na cabeça de um artista (1999), O dever da memória (1999), Tudo o que é sólido se desfaz no espaço (1999) de volta ao futuro (2002), Cursor (2005), são exemplos disso.
De dentro para fora, evoca precisamente o percurso da imaginação desde o interior do seu lugar original, de onde após um período de gestação, alimentada por componentes nutritivos (memórias) alojados nas paredes desse espaço cerrado, é transferida para um mundo exterior: a pintura.
Os ambientes escuros habitados por formas tentaculares de cores estridentes que progressivamente se movem em várias direcções, que se contorcem e entrelaçam lentamente auto-reproduzindo-se, dão lugar, a paisagens enigmáticas que flutuam numa atmosfera de sonho.
Nestas, por entre troncos frondosos, surgem por vezes inesperadamente estruturas arquitectónicas fantásticas que se impõem como centro gravitacional, dominando o desenvolvimento de toda a composição.
Contrariamente às experiências anteriores, em que as paisagens criadas envolviam o espectador, agora, o observador assiste de longe, como que a partir de uma outra dimensão, às ténues variações que vão ocorrendo nas paisagens ao longo do tempo, de um tempo que não é o seu.
O fundo negro dissipa-se e as sombras são expulsas por uma luz branca que irrompe vinda de várias direcções. Esta torna-se ainda mais intensa através dos reflexos produzidos por mantos de não cor que pontualmente cobrem algumas das paisagens – folhas de viagem – “escritos” de jornadas solitárias por terras desconhecidas. Por entre os registos, surgem fragmentos de visões de eras remotas, que revelam ambientes gélidos e suspensos, onde misteriosamente se gerou vida. Nestes, é a circulação vibrante da seiva que quebra o silêncio dominante.
Caminhando para as profundezas da mente humana, em… de subterrâneo somos confrontados por poderosas verticais que se duplicam ilusoriamente de forma simétrica a partir de eixos horizontais que atravessam construções de cores metálicas, as quais actuam como solo fértil, dando vida aos elementos orgânicos.
Uma galeria misteriosa é desvendada pela abertura de uma membrana tecida por espécies vegetais, no seu interior qualquer tentativa de orientação é uma investida em vão. O espaço labiríntico multiplica-se incessantemente, despertando sensações ambíguas, por um lado, o desejo de encontrar algo, a atracção pelo vertiginoso, por outro, a sensação claustrofóbica que desencadeia uma necessidade de fuga para o exterior.
Todos estes ambientes têm em comum o crescimento da vegetação como metáfora da imaginação incontrolável, que fluí alimentada por relações e combinações mais ou menos irracionais de memórias de outras vidas.
A pintura para Inez Teixeira, como o demonstra De Dentro para Fora, é uma extensão da memória e da imaginação, tal como o livro o era para Jorge Luís Borges , e como a própria afirma, é uma ferramenta a partir da qual torna “visível aquilo que não poderia ser de outra forma” .
Mariana Roquette Teixeira