
A Kills B, Dimensão Radial, 2009
A kills B
Ou A Kills B Kills Lissitzky
Apresenta-se aqui, num espaço de exposição um objecto espaço-exposição.
O lugar do museu foi desde a Revolução Francesa um dos lugares centrais das deambulações críticas no mundo da arte. A crise na relação entre artistas e os espaços de exposição agudizou-se sobretudo com o modernismo, sendo essa crise o reflexo da procura generalizada de um novo paradigma social e funcional para a poética. O espaço de exposição do gabinete abstracto criado em 1927 por Lissitzky, recriado actualmente em Hanôver, é um dos exemplos paradigmáticos na história deste combate político e cultural. Na esteira da derrocada do modernismo (chamemos-lhe então de clássico) no pós-guerra e do triunfo da ironia e da citação que caracterizaram muita da arte do final do século XX, o próprio combate artístico em torno dos espaços de exposição foi por sua vez apresentado num museu (The Museum as Muse, 1999 MoMa) e de algum modo perspectivado nas suas diferentes vertentes como um género artístico entre outros. Como tal foi imediatamente assumido uma das praças fortes da estética conceptual tanto nos seus primórdios como nos seus sucedâneos quase ininterruptamente ensaiados até hoje.
A partir do momento em que se vulgarizou o tipo combativo e empenhado de experimentação sobre alternativas de dispositivos expositivos e a partir do momento onde foi ficando cada vez mais clara a relação tentacular entre formas de dominação e de poder com a cultura, foi crescendo também uma postura de desistência crítica sobre esse mesmo dispositivo. Em Portugal essa desistência é notória, talvez também porque seja fraca a actividade e a qualidade em termos gerais do que e como cá se expõe, apresenta ou provoca. A Kills B propõe-nos aqui um retorno a esta questão ou combate. Renegando o white cube construíram um reduto mid-tone, uma espécie de castelo ou forte. Esta renegação do espaço original da galeria, um quarto normalíssimo, pode inclusivamente ser vivida no espaço-pleura em volta deste reduto. É lá dentro que se apreende desde logo o sinal político desta novíssima aventura sobre o museu como musa; longe de se constituir como uma resposta purificadora como foi a de Lissitzky em 1927, este retorno ao gabinete abstracto de A kills B estabelece-se naturalmente como uma farsa. Por outro lado seria errado em ler-se este trabalho sob uma óptica conceptual com recurso à citação. Este “gabinete abstracto” é na verdade um gabinete abstracto. Os ecos modernistas estão lá no trabalho mais ou menos rigoroso e minimalista de alguns plintos e pinturas apresentadas sobre o espaço construído, mas negado nos acabamentos descuidados e no evidente scavenging dos autores sobre materiais de construção. A violência e a coragem física transparecem aqui e afastam-nos do mundo higiénico de Corbu e seus iguais. Esta recusa não se atira resolutamente ao seu oposto; está ainda longe do meio caminho da cenografia expressionista do Dr. Caligari ou da celebrada javardice punk do kasbah de Meese e Tal R. O gabinete cinza, como num “sono da razão” aponta-nos para uma zona de nevoeiro. A própria indefinição entre a obra total e exposição de “obra” parece constituir-se como um comentário afectivo e interpessoal ao estado de situação actual das artes entendida como permanente rotina de reciclagem.
André Poejo, Novembro de 2009