
The Nude Clown III, 2010, Imagem impressa a jacto de tinta sobre papel, 70x100 cm
POR DENTRO
Retrato com linhas I (1ªsala)
Uma conversa ‘de guião livre’ orientou o nosso encontro no final de uma manhã, polvilhada com chuviscos e uma ameaça de poesia, algures numa esplanada de Lisboa, não muito longe do rio.
Esta é a exposição Nude. A palavra remete-nos para o contexto da actualidade, no sentido da moda. È uma tendência presente, ou qualquer coisa construída nos últimos anos e que, de alguma forma, eu associo quase a uma nova representação do corpo. Se pensarmos nos anos 60, vemos o corpo no cinema, na moda, na música: a pele era pele, o corpo era corpo. Havia uma relação com o corpo que era mais total. Hoje o que se está a mostrar não é a pele, mas uma representação abstracta de pele, intervencionada, produzida, muito estilizada, elegante e sofisticada, que evoca o natural. É quase como se correspondesse ao que é o corpo na sociedade actual – sem o ser exactamente -, aquilo que eu apelido de relação ‘epidural’: tu vês, pensas, mas tudo o que sentes está em baixo, e não está integrado.
[‘Olá boa tarde! Posso entregar-lhe uma poesia de minha autoria?’, interrompe uma mulher; ‘agora não’ – digo-lhe eu. E a conversa à flor da pele prosseguiu, sem poesia]
A imagem do nude tem a ver com esse religamento ao corpo, que é feito numa sociedade completamente diferente daquela que era nos anos 60 ou 70. Mas não sei se o conceito nude significa só pele.
nude [nju:d], [1] a. nu, despido, sem roupa; sem roupagens; da cor da carne (meias); (jur.) sem valor, válido só depois de legalizado (contrato) / to paint n.figures, pintar nus.
[2] s. (arte) nu, nudez, figura nus/ a study from the n., um nu/ to paint from the n., pintar um nu.
palavras-chave
fechamento, abstração, complexidade, obscuridade, sentir/sensação, submerso.
frase-chave
a pele interior.
Retrato com linhas II (2ªsala)
A primeira exposição que fiz em Lisboa – Religio – era sobre a memória e o que eu queria com NUDE é que fosse sensorial: mais pele, mais carne, mais sensação. Comecei assim a desenvolver uma série de trabalhos. Um deles era especificamente sobre os tons de pele – a partir de uma elaboração de listas de tons. E nesse sentido trabalhei literalmente sobre os tons da cor da pele. E como o medium que estava a utilizar ultimamente era a fotografia, quis chegar aos tons da pele através dela. Então tirei um retrato de rosto, fiz zoom até chegar a um pixel, e ao fazer isso em várias zonas do rosto, consegui obter vários tons de pele. Mas ao mesmo tempo interessava-me explorar também a textura, o brilho, o refinamento, enfim todo esse tipo de qualidades sensoriais da pele. Achei que era interessante partir da fotografia, e mostrar a pele como se fosse vista ao microscópio, até chegar ao poro. Mas o formato final será um pixel não fotográfico, mas materializado no tecido, com várias cores, se bem que seja abstracção da pele, a partir do rosto. Esse trabalho deu origem a uma série – Pixels – de quadrados de pano, que evocam a superfície da pele.
Depois comecei a fazer uma série de fotografias, para trabalhar a pele como introspecção, e senti-la como por dentro, mentalmente. E encontrei uma figura a que chamei o nude clown – um palhaço, cuja única coisa que tem é pele e está fechado, virado para dentro. A pele é a única coisa que o reveste, mas que acaba por funcionar como uma espécie de muralha, entre o interior e o exterior.
As minhas preocupações com a pele têm sempre a ver com a vinculação, e com a noção de que a pele é algo que faz com que o corpo não transborde, que o fecha, que está entre nós e o mundo, com tudo o que isso tem de fechamento e de portas abertas. Esta aproximação ao tema da pele começou com a maternidade. Eu só posso trabalhar enquanto mulher, essa é a minha experiência, como mulher ocidental, que vive em Portugal, e já viveu noutros países. Mas aquilo que estou a aprofundar não tem a ver com a minha experiência pessoal, nem somente com a minha condição de mulher, porque nesse sentido iria desenvolver de outra forma. Se calhar aí, iria abordar mais a maternidade…
Inês Pais (n. Lisboa, 1975) fez a escola secundária no Colégio Valssassina. Depois foi estudar Pintura para a Escola Superior de Belas Artes. Fez o Erasmus na Alemanha, universidade de Kiel, onde foi a primeira aluna deste programa a ser ali recebida, o que lhe deu todas as facilidades próprias numa escola de arquitectura, design e belas artes, como aquela o é. Fez também uma pós-graduação em Nantes, França, numa escola que estava a ser dirigida por dois comissários da Manifesta. Todos os meses os alunos podiam expôr em cidades diferentes do mundo. A seguir, voltou à Alemanha, para trabalhar numa galeria de Berlim, e depois foi para Nova Iorque, onde esteve dois anos, com o apoio de três entidades (EDP, BCP, e MC).
Os seus interesses actuais são: arte (sempre!), moda, antroposofia, o corpo e todas as abordagens deste como totalidade, o holismo, e a macrobiótica.
Cristina L. Duarte