Artistas: Alexandra Mesquita, Ana Vidigal, Annie Sprinkle, Carlos Mélo, Clara Games, Cristina Ataíde, Fátima Mendonça, Inês Nunes, João Galrão, Julião Sarmento, Lara Torres, Leonor Hipólito, Lluís Hortalà, Manuela Sousa, Miriam Castro, Miguel Branco, Rafael Canogar, Rui Effe, Sara Maia, Teresa Milheiro e Vladimir Velickovic.
Não é assunto novo na arte moderna e contemporânea. O corpo sempre foi um dos objectos mais “remexidos” pela arte. Desde a “lógica da representação à lógica da participação/interacção, do critério do perfeito ao desafio do inacabado, o corpo na arte decanta-se, miscigeniza-se, desproporciona-se, desequilibra-se, desvaloriza-se, efemeriza-se, órfão do sentido único”[1]. O corpo como realidade física é composto por órgãos, peças e partes visíveis e outras ocultas, apenas imagináveis até à invenção dos métodos e tecnologias médicas de visualização do seu estado interno. Falamos de um corpo que já não o é apenas como um todo, mas também como uma dispersão através da representação das suas partes. Se encarado como objecto estético e metafórico, cada órgão é visto pela sua capacidade iconográfica, seja através da representação realista ou através do rasto da sua passagem ou percepcionado através dos materiais por ele produzido. É uma multiplicidade de imagens que, sendo do corpo, dele já se afastaram. Referem-se ao seu portador, mas vivem de forma autónoma. Estes fragmentos – esta desconstrução – podem constituir um alfabeto, separando as letras da palavra carnal. Cada um deles vive assim em conjunção com outros, coordenados ou não, criando um discurso passível de diferentes leituras que podem ser literais, conceptuais ou poéticas, consoante o observador e o proponente de tais visões. Paradoxalmente, “Pieces and Parts” reune as partes sem nunca se conseguir ver o todo.
Entre os signos e as próteses, as marcas do desejo e as provas de devoção, o corpo é palco daquilo que o próprio corpo sente e pensa. Um corpo analisado em memórias e fragmentos é o mote para uma exposição em forma de lição de anatomia. Através de objectos representativos das peças e partes que compõem o corpo humano, reune-se uma amostra de diferentes abordagens à sua representação. O conjunto resulta numa visão em desconjunto, afasta-se da totalidade física para atingir uma sucessão de imagens e objectos aparentemente sem sentido mas que sugerem a única coisa que os seres humanos inequivocamente partilham: uma idêntica geografia interna, uma cartografia comum, uma máquina orgânica… A exposição reúne linguagens e técnicas divergentes, como a pintura, a joalharia, a escultura, o vídeo e a instalação de autores provenientes de Portugal, Brasil, EUA, Espanha e Sérvia.
Miguel Matos
[1] BARBOSA, António. Corpo Metafórico in O Corpo na Era Digital. Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, 2000.