Ana Rito // David Luciano // Hugo Barata // Miguelangelo Veiga
Um projecto de Hugo Barata
«À parte disto – que é pouco – Nada»
Jacques Vaché, (1895-1919)
O projecto expositivo «Uma ideia nova declina-se forçosamente com uma definição inédita» sobrevém das leituras de uma série de autores letristas, de onde se sublinham Isidore Isou, Roland Sabatier ou Gil Wolman, onde se discute a prossecução do conceito de arte infinitesimal. Partindo do enunciado de Isou, redigido em 1956, a obra de arte infinitesimal está condenada, enquanto obra, a não poder ser criada ou materializada na realidade, mas apenas inferida e contemplada conceptualmente. A concepção isouiana tentava radicalmente erigir um sistema de pensamento e de criação que envolvesse todas as artes e toda a forma de conhecimento. No que concerne às artes visuais, a problemática da “arte-objecto” enquanto municiadora e veiculadora de um discurso estético (ainda que possamos pensar no conceptualismo linguístico-literalista de, por exemplo, Lawrence Wiener) relaciona-se com a arte “imaginária” ou “supertemporal” pensada por Isou, na medida em que se apresenta indefinidamente activa perante o observador a partir de um conjunto de signos e dispositivos continuamente deslocados, e sobre um suporte (qualquer que seja) incessantemente por vir.
Significa isto que a exposição «Uma ideia nova declina-se forçosamente com uma definição inédita» apresenta trabalhos de quatro artistas portugueses que definem aqui um posicionamento relativo a esta problemática numa perspectiva a-teórica, constitutiva de uma fragilidade e de um resvalamento operantes. A postura determinada por cada autor prende-se exclusivamente com os seus próprios processos terminológicos, assim como programas estéticos, explorando a noção de obra “abandonada ao futuro”, sempre presente mas inatingível.
Segundo um percurso pelas galerias da Plataforma Revólver, cada autor define a sua zona de intervenção com uma série de trabalhos realizados exclusivamente para esta exposição. Estes trabalhos expandem-se comentando os multíplices aspectos de uma “ideia”, na tentativa de argumentar que essa mesma ideia, génese do seu processo autoral, é uma norma impossível de estabilizar. O pretexto infinitesimal/imaginário procurou ser trabalhado por cada artista no prosseguimento exploratório do espaço do “estúdio” (leia-se aqui o plano de leitura onde todas as obras ainda são possíveis, logo já o são…) para sublinhar uma relação de ordem entre o possível e o real. Esta concepção do poder quasi incomensurável de recorrência, aponta sobre o real uma multiplicidade de pontos de vista dos quais se apresenta uma parte nesta exposição.
Ana Rito (Lisboa, 1978) apresenta “Stillness”, um projecto constituído por uma vídeo-instalação site-specific e duas fotografias. A artista continua as suas investigações acerca das possibilidades da imagem videográfica associada à performance enquanto material inicial e indicadora de um estado no qual o corpo é matéria transferível. Para Ana Rito, este corpo é o estado primordial a qualquer indicação da imagem-vídeo e, contrariando um pouco algumas propostas anteriores nas quais o gesto “coreográfico” das bailarinas definia o movimento do ser, em “Stilness” é a acalmia da performatividade exangue encapsulada no próprio espaço arquitectural que se impõe. Este espaço é activado pela estabilização de dois campos fotográficos a partir dos quais se constrói um triângulo definidor de uma continuação espacial à qual permanecemos sem acesso.
David Luciano (Lisboa, 1976) expõe a obra “Throw your own”. Neste projecto são apresentadas um conjunto de fotografias e uma instalação composta de uma série de esculturas e um vinil autocolante. No seguimento de trabalhos anteriores, carregados de um acentuado comentário político e social, David Luciano assinala um display visual que acentua o carácter desprendido e de reminiscências com o design industrial na construção de uma série de objectos dotados de uma especificidade funcional, agora apresentados enquanto marca.
A frase “Only The Best Stones Make The Greatest Revolutions” direcciona a auto-reflexividade para a economia e a política do próprio meio artístico, na medida em que um conjunto de pedras de calçada portuguesa são pintadas segundo uma gama de cores reminiscentes de Jeff Koons, tornadas literalmente armas de protesto.
Miguelangelo Veiga (Lisboa, 1974) parte da prática da pintura para realizar uma intervenção a partir das características arquitectónicas no espaço de exposição. “Isto não é uma paisagem // frente e verso” propõe uma interrupção de percurso, ainda que visual, criando uma barreira parasitária edificada a partir dos próprios suportes utilizados para pintar (a tela e a grade), que aqui são convocados como estruturas que reduzem as possibilidades de movimento do observador, e que o impelem a fabricar uma imagem mental da suposta “representação”. O vídeo que acompanha a instalação (fazendo parte integral da mesma) é neste momento o outro lado. A partir da sequência de descrições apresentadas em texto, o artista perfaz um deslocamento de tempo e espaço que parece encetar um diálogo com o conceito de visão/observação/vigilância naumaniano e que o artista já trabalhara anteriormente.
Hugo Barata (Lisboa, 1978) mostra “The Limits Of My Language Are The Limits Of My World”. Composta de uma série de esculturas, fotografias e de um painel onde se associam fotografia e desenho, esta instalação investiga o resvalar da escultura nas possibilidades do espaço. O processo que o artista tem vindo a traçar é baseado na associação de diferentes materiais e de objectos (alguns separados e escolhidos in situ) para a configuração de um dispositivo que associa a prática escultórica e alguns processos do conceptualismo, como a utilização da fotografia documental ou da reflexão sobre o tempo histórico. Os grandes edifícios de ideias, como a visão modernista na escultura “Não saberás nunca”, misturam sub-narrativas pessoais com combinações precárias que apontam um lugar de instabilidade e que se determinam pela contingência do nosso lugar no mundo.