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PANÓPTICO
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PISO 3
PANÓPTICO

Curadoria Pedro Cabral Santo

Ariel Pinheiro, Patrícia Guimarães, Ana Sofia Martins, Miguel Faro, Ana Viotti, Sibila Lind, Tiago Gonçalves, Carlos Amaral, Carolina Ferreira, Catarina Ruas, Darsy Fernandes, Nikita Novitsky, Inês Ferreira, Sofia Caldeira, Carolina Soares, Maja-Escher

Ser finalista é ter chegado ao limite de um território, ter atingido uma meta ou, ainda, como diz o dicionário, “ter atingido a parte mais perfeita de alguma coisa”. Hoje é esse o sentido mais legítimo da perfeição: acabar aquilo que se começou atingindo a perfeição das coisas na certeza da sua incompletude, da sua contingência e da sua circunstância. Os objetos perfeitos que daí resultam aí estão, oferecidos como espetáculo, i.e., encenados na teatralidade que os dá a ver como objetos que se mostram à visão num lugar que é, antes de tudo, um instrumento visual.
Situados na convergência do exercício da teoria e do olhar a que ela alude (porque na cultura ocidental todo o conhecimento nasce e estrutura-se no ato de ver), e da sua aplicação prática que fixa numa imagem aquilo que se observou, estes objetos dão-se a conhecer sob o conceito de panóptico que os finalistas decidiram como figura tutelar da sua exposição. E sabemos como o panóptico sendo, na leitura de Foucault, a “figura arquitectural” que Jeremy Bentham inventou no século XVIII como modelo de prisão, mais não é do que um dispositivo que permite “ver sem parar e reconhecer imediatamente”. Este dispositivo (esta “armadilha da visibilidade” como o designa Foucault) marca duplamente uma separação: a de um interior – lugar onde são exiladas todas as diferenças – e um exterior – lugar onde é exercido o poder de as exilar e a de uma separação que, fundada no próprio ato de ver e na distância que ele implica, instaura uma fractura que quebra a reversibilidade do próprio olhar porque ou se vê sem nunca ser visto ou se é visto sem nunca ver, na definição de um novo regime de visibilidade no qual a condição de ser visível se torna o programático objecto de uma invisível vigilância exercida já não sobre a comunidade abstratamente considerada mas sobre um indivíduo concretizado na visão que o vigia.
Este é o cenário conceptual da exposição deste grupo de alunos finalistas da primeira edição da licenciatura de Arte Multimédia estruturada segundo as diretivas de Bolonha, cujo início teve lugar no ano lectivo de 2008-2009 permitindo, nos dois últimos anos, e depois de um primeiro ano comum, a opção por uma das variantes do curso: Ambientes Interativos, Animação, Audiovisuais, Fotografia e Performance/Instalação.

É nesses domínios que as obras expostas se inscrevem, sendo eles que se iluminam com a sua presença que é afinal a presença da perfeição do humano na certeza da sua incompletude, da sua contingência e da sua circunstância.
Em Cicatriz, Carlos Amaral faz da pele fotografada, não um lugar de inscrição, mas o ecrã onde as marcas agora luminosas nos devolvem o informe que sob ela existe e onde, de acordo com Valéry, o humano se suspende. Nas seis imagens de Desconstrução, Catarina Ruas trabalha a relação entre um original e as suas reproduções a partir de um duplo conceito de vazio: o que a sua proliferação provoca e o que decorre do desinvestimento afectivo presente no ato que delas se apropria. Aqui Dentro é a animação em que Darsy Fernandes e Nikita Novitsky contam a história de um rapaz que viaja pelo seu passado nele descobrindo o impossível equilíbrio entre o seu mundo interior e o mundo existente fora de si. O video Reflexo Reflectido, de Miguel Faro, mostra à escala real a interacção entre uma imagem e o seu reflexo e a porosidade espacial que as define sempre que é ameaçado o frágil limite que as separa. Na animação Sem-título, de Patrícia Guimarães, uma mulher e um homem feitos de carne comem(-se) antropofagicamente a matéria do seu próprio corpo. Através da animação do positivo e do negativo de três quadrados, Tiago Gonçalves explora, em Loop, o compromisso entre o movimento potencial da peça e a reminiscência do movimento que a constrói por acção de um sujeito. Na instalação Lavadeiras, Ariel Pinheiro figura no sabão azul e branco e no cheiro que ele exala a delicadeza de um feminino tradicionalmente associado à lavagem da roupa. Na vídeo-instalação Ponto de vista. Ponto de fuga, Carolina Soares demonstra a ontologia e a reversibilidade da imagem, sempre confundida com o feminino, a partir da sobreposição entre o ponto de vista, o ponto de fuga e os clarões luminosos que intermitente e momentaneamente a apagam. Dada Excites Everything, de Sofia Caldeira, é uma animação onde o movimento, jogado em ambíguas referências entre as quais se inscrevem os postulados dadaístas, gera sequências visuais que escapam à tirania da imobilidade da razão. Na série de fotografias intitulada Aus! Ich bin Josefina, Sibila Lind faz coincidir o retrato de uma mulher com o retrato do lugar de uma ausência que ela insiste em habitar através do seu corpo que recorda. A partir da observação das estufas e das estruturas das hortas urbanas de Londres, cidade em que viveu no âmbito do programa Erasmus, Maja Rieger, na instalação Compressed Nature, questiona o fenómeno urbano contemporâneo na medida do cerco que ele impõe a uma Natureza sempre disposta a cooperar.

Dias de Cão é o título encontrado por Inês Ferreira para o conjunto de fotografias tipo-passe que, despojadas do artifício da fotogenia, aludem aos dias que passam na clausura do auto-retrato. No vídeo How long Have I been here, Ana Sofia Martins faz depender a identidade e a sua perda iminente da não linearidade do tempo e da memória e da impossibilidade de retorno que se instala no vazio que o som da peça paradoxalmente sublinha. Na animação que Carolina Ferreira desenvolveu no Brasil no âmbito do programa Erasmus, O Tucano do Morro da Batucada é simultaneamente o personagem em que a natureza delega a celebração da sua exuberância e o signo da presença de uma cultura indígena na língua brasileira. Na série de fotografias Tempo-corpo, Tempo-máquina, Ana Viotti faz de uma cadeira o palco onde o corpo oscila entre a representação da mecanicidade do tempo e a sua organicidade.
Um número quantifica e identifica. Como os números de polícia que nas ruas identificam as casas e cujo princípio é seguido na ordenação dos números das portas nas salas de todas as escolas ou como os números que nas estatísticas oficiais quantificam o insucesso ou o sucesso escolar. 3.07 foi o lugar de muitos encontros e, neste contexto, tornou-se o lugar dessa memória, como o entende Pierre Nora, feito de lembranças e esquecimentos cristalizados em documentos e monumentos. Mas é também um lugar na memória, no sentido que para ele encontra Hans Belting, que é o do lugar como dispositivo ao qual eles voltam para poderem continuar a existir. É nesse lugar que eu vejo e oiço ainda estes e outros alunos; é daí que, em meu nome e em nome de todos os docentes que com eles trabalharam, lhes agradeço o seu sucesso, desejando que continuem a saber ser aquilo que foram na sua passagem pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Desejando sobretudo que cada um deles possa encontrar e exercitar a sapiência tal como Roland Barthes a definiu no fim da sua lição inaugural no Colégio de França: “Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível”.

Maria João Gamito

Publicado a 2 de Dezembro de 2011