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As fotografias que Rodrigo Bettencourt da Câmara apresenta mostram o que reconhecemos, com mais ou menos evidência, como espaços de museu – exposições em montagem, reservas, armazéns, de instituições raramente identificadas mas não obstante reconhecíveis, talvez pela ideia de excesso que a presença de objectos nos sugere. São imagens de bastidores, do quotidiano institucional e profissional que Rodrigo Bettencourt da Câmara conhece de dentro.
Têm em comum a frontalidade, o rígido enquadramento, a horizontalidade, a iluminação cuidada, a atenção à composição estrutural que tende, por vezes, para a sugestão de uma encenação entrevista. Os espaços são rigorosamente delineados – salas e corredores, por vezes labirínticos, outras vezes só um chão e uma parede, um portão – onde são frequentes os jogos de espelhos, de reflexos, de transparências, opacidades e ocultações. Nestes palcos surgem disposições de objectos, ferramentas, molduras, mesas e escadas, andaimes, num momento que parece de breve, súbita interrupção de um trabalho de construção, que a ténue presença humana só reforça.
Nalgumas imagens, obras de arte apontam os espaços de forma casual, como se fossem objectos abandonados. Por vezes, parecem uma cena de crime. Noutras são encenados gestos e situações nem sempre compreensíveis. Também há dissimulações e movimentos. Diferentes tempos e velocidades impõem diferentes graus de visibilidade: a presença humana é quase sempre fugaz, um vestígio desvanecido que parece não ter lugar nestas paisagens de coisas friamente captadas pela câmara.
A máquina fotográfica é, pois, um dispositivo de distanciamento do mundo, abrindo assim espaço para a sua interpretação. E o que expõe, no lugar que as imagens abrem, é a construção e as infra-estruturas do espaço expositivo, o interior dessa poderosa máquina de esteticização do museu. Evidencia-se a sua performatividade, a presença de trabalho e tecnologia sedimentada no aparente vazio das galerias e salas de um museu, que aqui ainda não foram dissimuladas atrás de contraplacados e cortinas, de pinturas uniformes, atras da própria evidência da presença das obras expostas.
É sobre isto que as fotografias lançam um olhar próprio e vão tecendo um pensamento. São imagens que, dentro da sua rigidez formal, abrem espaço à interrogação da construção e performatividade de um espaço, da sua delimitação como lugar próprio e autónomo da arte. Arte que, aqui, aparece como objecto entre objectos, em pé de igualdade com escadas, bancadas, andaimes, chapas de contraplacado, telas protectoras. Confronta, enfim, o espaço autónomo inerente à musealização da arte – o seu espaço de respiração, a distância, a neutralização de ruídos de fundo – com a sua factura material.

Joaquim Rato
Maio de 2010

Publicado a 1 de Junho de 2012