19
Nov

La révolution a été ajournée à cause de la pluie (Devido à chuva a revolução foi adiada)

Beau titre provocateur d’une exposition dont la commissaire est Patrícia Trindade, dans un endroit nommé, de manière appropriée, Plataforma Revolver (où les autres expositions m’ont moins attiré, à l’exception des photos aéronautiques de Pedro Guimarães), mais celle-ci (jusqu’au 22 novembre), qui regroupe une quinzaine d’artistes, pose de bonnes questions, sur la crise, l’histoire, la mémoire. Certes, certains des artistes présents y répondent de manière un peu trop anecdotique et sans prendre beaucoup de distance, vidéos purement documentaires de manifestations, posters politiques ou rap rageur. Mais un cheminement y transparaît, mariant la force de l’expression avec la pertinence du propos : d’abord, on est confronté à l’inscription “Portugal” à l’envers sur un mur. L’artiste Ângelo Ferreira de Sousa l’a inscrite ici, in situ, un geste simple et éloquent.

On en retrouve la trace un peu plus loin car, en 2006, cette inscription ornait les murs du pavillon du Portugal à Hanovre, puis ceux d’une exposition du Musée Serralves à Coimbra : elle y fut détruite par les services du Président de la République, qui devait prononcer là une conférence de presse, et ne pouvait le faire devant un tel symbole. Il n’y en a donc aucune photographie, mais Isabel Ribeiro a recréé pour lui par la peinture cet instant qui ne fut pas, comme un signe de fracture et de fragilité (ce dont Ferreira de Sousa semble être familier).

À côté du Portugal inversé, une flèche au mur indique le chemin, l’entrée dans un sombre tunnel fait de planches de bois, un chemin vers un futur rétrograde et inquiétant (André Banha, déjà remarqué là pour son sens de l’occupation d’un espace contraint par ses sculptures). Au bout du tunnel, débouchant sur la lumière, on arrive dans un pré (où, bien sûr, l’herbe est plus verte…) et devant une peinture murale tout à fait militante (Margarida Dias Coelho, Rodolfo Bispo et la commissaire). Il y a, en fait, me semble-t-il, aussi une bonne dose d’humour et de distanciation dans cette exposition, la commissaire jouant (j’espère, délibérément) sur l’ambiguïté pour nous donner à la fois de quoi nous indigner (et aller crier dans la rue), mais (et heureusement, sinon, ce ne serait que de l’agit prop) de quoi nous interroger sur nos mythes trop bien établis. Sans doute fait-elle sien l’adage de Montesquieu : “Il ne faut pas mettre du vinaigre dans ses écrits, il faut y mettre du sel.”

http://lunettesrouges.blog.lemonde.fr/2014/10/09/la-revolution-a-ete-ajournee-a-cause-de-la-pluie/

Publicado a 19 de Novembro de 2014

18
Nov

SÃO TRINDADE
NEW PLACES, OLD BONES

VPF CREAM ART
Rua da Boavista 84, 2º
1200-068 Lisboa

18 SET – 22 NOV 2014

Viajar é preciso: explorações e descobertas

“Como eu era de rude compreensão e pouco propenso a aprender nos livros, decidi-me a procurar, em pessoa, os diferentes pontos do universo para os admirar com os meus próprios olhos, porque o depoimento de testemunha ocular sempre vale mais do que todas as discussões de quem só ouviu dizer.”

É com este excerto justificativo de Fernão de Magalhães que se inicia o livro de artista que repousa em acordeão na vitrina, ao lado de uma borboleta endurecida, um réptil de seis pernas e um minúsculo pássaro, tudo assemblado com restos de ossos de um qualquer animal cuja identidade já não se descortina. Um cajado e uns binóculos, um livro aberto e um compasso compõe os restantes artefactos neste arranjo para-museológico. Tudo objectos da viagem, objectos para a viagem, que repousam nesta vitrina junto ao nome da exposição: New places, old bones. Com ossos velhos se constroem novas formas, basta um re-arranjo, basta querer viajar e ver, “admirar com os próprios olhos”.
É também nos novos lugares que iremos encontrar questões antigas. O desejo do Outro permeia todas as viagens, mas nestas imagens não há um Outro concreto, em todas elas o explorador está sempre sozinho, como se fosse a si mesmo quem ele pretende encontrar, e para se encontrar tem que procurar o que está fora de si, por isso o deslocamento físico, o deslocamento temporal.

Voltar atrás, à origem da viagem, à procura do esqueleto, daquilo que está no interior e que nos dá forma, daquilo que nos faz caminhar. Espaço e tempo, escalas e épocas, confluem em registos fotográficos onde se reconciliam o objecto e a imagem.
Um lado plástico está presente nesta exposição, facto que vem permeando o trabalho fotográfico de São Trindade. A dimensão da pintura toca os registos quase microscópicos que compõem a primeira sala da exposição. Neste grupo de imagens, São Trindade trabalhou directamente sobre o negativo e apresenta-nos o que poderiam ser lamelas de um mundo que se passa numa outra escala. As manchas expandiram-se, as texturas tornam-se transparentes. Alguns dos negativos são médio formato (6×6), mas outros não têm tamanho standard, por isso a variação nos formatos das imagens apresentadas. Estas fotografias são feitas com os materiais da fotografia, têm a luz da fotografia, mas derivam de um processo que toma o suporte como se fosse papel. É no reconhecimento das ampliadas formigas que identificamos aquelas imagens como fotografias de algo concreto e não apenas formas abstractas. Aquele mundo diminuto existe, é turvo, colorido, texturado, e coaduna-se com uma certa imagem que temos da representação microscópica.
Em New places, old bones estão em jogo as escalas e os tempos do ver: o diminuto imperceptível ao olhar desarmado, o percurso do explorador, fazedor de verdades, invisível ao espectador. Os interstícios da viagem, da exploração, os momentos off que não aparecem na fotografia-troféu: a pausa do cigarro, o repouso do esqueleto numa banheira doméstica, o transporte do espécimen por um subúrbio qualquer. São Trindade “decidiu-se a procurar, em pessoa,” o que fica oculto no meio desse processo de descoberta, os momentos escondidos antes da representação oficial.
E o espectador também viaja. A nossa tentativa de descortinar o processo de produção das fotografias coloridas; o tentar identificar a que animal pertencem aqueles ossos; que terras reais se escondem sob as terras pintadas no mapa das descobertas; em que duna é que passeia a artista vestida de explorador colonial… As imagens têm referentes que nos são familiares, no entanto, elas interpelam-nos e desafiam-nos a ver o que se esconde na feitura de uma verdade.
Ao entrar na segunda sala, olhamos de frente um mapa intitulado “As grandes explorações e descobertas”, que foi pintado de tal maneira que os territórios representados se transformaram numa massa orográfica não identificável. Têm a cor da terra e têm o azul da água, mais um deserto amarelo que traça o seu contorno, mas no conjunto são só reconhecíveis como um mapa em abstracto. Apesar de descobertas e exploradas, estas terras são terras que não se chegam a conhecer. São continentes para a imaginação.
E por mais que viajemos, seremos sempre nós.

Liz Vahia

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[A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]

Publicado a 18 de Novembro de 2014