Um enorme passado pela frente
29 Setembro — 5 Novembro 2022
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Denilson Baniwa, Jaime Lauriano, Jonathas de Andrade, Laryssa Machada, Lyz Parayzo, Mariana Lacerda & Joana Paraíso, Maré de Matos, Marilá Dardot, Pablo Lobato e Yuri Firmeza.
Curadoria de Cristiana Tejo
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Um enorme passado pela frente
Publicações como “Brasil: País do Futuro” (1941) do escritor judeu austríaco Stephan Zweig e “Brazil Builds: Architecture new and old 1652-1942”, de Philip Goodwin (1943), que acompanhou a exposição homônima no MoMA, ajudaram a construir um imaginário nacional e internacional a respeito da vocação do Brasil para o futuro. Em Portugal, importante ressaltar a presença destacada do país na Exposição do Mundo Português (1940) como um exemplo bem-sucedido da empreitada colonial lusa que estava a atingir a modernidade. Momentos históricos como a construção de Brasília e a emergência da Bossa Nova (final dos anos 1950 até meados dos anos 1960) e os governos Lula (2003-2011) corroboraram para essa percepção, mesmo ocorrendo entre recuos democráticos. O que tem ficado cada vez mais evidente desde a ascensão do Bolsonarismo é que o Brasil tem um enorme passado pela frente, como dizia o dramaturgo e desenhista Millôr Fernandes.
Desde a segunda década dos anos 2000, a sociedade brasileira tem enfrentado essa tarefa de reconhecer e encarar a persistência da colonialidade do poder/saber e artistas reverberam essa incumbência histórica em obras que constroem contra-histórias nacionais e ressaltam as lutas e as resistências dos grupos subalternizados do país. “Um enorme passado pela frente” toma a efeméride dos 200 anos de independência do Brasil e uma das eleições mais importantes da história brasileira como ponto de inflexão para repensar a persistência da estrutura colonial que se renova incessantemente, às custas dos mesmos massacres e extrativismos de outrora. As obras que compõem a exposição, portanto, apontam para a resistência e a reinvenção do povo brasileiro diante dos desafios de construir uma real democracia e um país para todos, além de denunciar a teimosia de uma ordem sócio-econômico-política que impede que a independência se constitua verdadeiramente.
Cristiana Tejo
Curadora
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Cristiana Tejo é curadora independente e doutora em Sociologia (UFPE). É pesquisadora do projeto Artists and Radical Education in Latin America: 1960s and 1970s financiada pela Fundação de Ciência e Tecnologia de Portugal e membro integrado do Instituto de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa. Tem se dedicado a projetos que visam o intercâmbio internacional entre o Brasil e o Exterior, a profissionalização dos artistas e a pensar o campo da curadoria de arte no Brasil. Desde 2016 faz acompanhamentos críticos de artistas de várias partes do mundo. Organiza juntamente com Kiki Mazzuchelli a Residência Belojardim, no Agreste de Pernambuco e foi co-fundadora do Espaço Fonte – Centro de Investigação em Arte (Recife) espaço de residência que recebeu artistas e curadores da Alemanha, França, Espanha, Argentina, Porto Rico, Holanda, Portugal e de várias partes do Brasil.
Denilson Baniwa, (Barcelos, Amazonas, 1984) indígena do povo Baniwa. Atualmente, vive e trabalha em Niterói, no Rio de Janeiro. Como ativista pelo direito dos povos indígenas, realiza palestras, oficinas e cursos, atuando fortemente nas regiões sul e sudeste do Brasil e também na Bahia desde 2015. Além de artista visual, Denilson é também publicitário, articulador de cultura digital e hackeamento, contribuindo na construção de uma imagética indígena em diversos meios como revistas, filmes e séries de tv. Em 2022, curou a exposição “Naokoada” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 2021, apresentou a individual “Inípo – Caminho da Transformação” no Instituto Goethe, em Porto Alegre. Em 2018 realizou a mostra “Terra Brasilis: o agro não é pop!”, na Galeria de Arte da Universidade Federal Fluminense, também em Niterói, como parte do projeto “Brasil: A Margem”, promovido pela universidade. No mesmo ano, participou da residência artística da quarta edição do Festival Corpus Urbis, realizada no Oiapoque, no Amapá. Esteve em exposições no CCBB, Pinacoteca de São Paulo, CCSP, Centro de Artes Hélio Oiticica, Museu Afro Brasil, MASP, MAR e Bienal de Sidney. Em 2019 venceu o Prêmio Pipa na categoria online e em 2021 foi um dos vencedores indicados pelo júri.
Jaime Lauriano, (São Paulo, 1985) vive em São Paulo, Brasil. Graduou-se pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, no ano de 2010. Com trabalhos marcados por um exercício de síntese entre o conteúdo das suas pesquisas e estratégias de formalização, Jaime Lauriano convoca-nos a examinar as estruturas de poder contidas na produção da História. Em peças audiovisuais, objetos e textos críticos, Lauriano evidencia como as violentas relações mantidas entre instituições de poder e controle do Estado – como polícias, presídios, embaixadas, fronteiras – e sujeitos moldam os processos de subjetivação da sociedade. Assim, a sua produção procura trazer à superfície traumas históricos relegados ao passado, aos arquivos confinados, em uma proposta de revisão e reelaboração coletiva da História.
Jonathas de Andrade (Maceió, 1982) vive no nordeste do Brasil em Recife, uma cidade litorânea rica em contrastes, onde antigas construções coloniais se aninham no meio a modernos arranha-céus e onde o fracasso da utopia modernista tropical é uma realidade tangível. Antropologia, pedagogia, política e moral são as linhas de investigação seguidas pelo artista para narrar os paradoxos da cultura modernista. De Andrade reúne e cataloga imagens, textos, histórias de vida e material sobre arquitetura e, por meio da memória, monta uma narrativa pessoal do passado. “Eu mergulho nesse campo de lembranças”, diz o artista. “Este é um passado com o qual não tenho intimidade, visto como se fosse um território, um lugar para reencenar uma espécie de amnésia, uma pincelada muitas vezes violenta entre o hoje e o ontem. Não ser tocado por isso é o que me permite retrabalhar a natureza dessas imaginações. A arte me ajuda a me aproximar e responder ao que me provoca. Isso também me ajuda a experimentar mais plenitude ao longo do caminho.”
Laryssa Machada (Porto Alegre – RS 1993), é artista visual, fotógrafa e filmmaker. Atualmente vive em salvador – BA. Constrói imagens enquanto rituais de descolonização e novas narrativas de presente/futuro. Estudou jornalismo, ciências sociais e artes; aprendeu um tanto mais com a cadência bonita do samba. Os seus trabalhos discutem a construção da imagem sobre lgbt’s, indígenas, povo da rua – caminhando pela desinvasão brazil enquanto prática de educação visual.
Lyz Parayzo (Campo Grande, Brasil, 1994) é uma artista multidisciplinar que trabalha com audiovisual, joalharia, escultura e performance. Tem o corpo como principal suporte de trabalho e a sua performatividade diária como plataforma de pesquisa. Atualmente tem desenvolvido objetos para autodefesa que transitam de jóias em prata a armaduras, escudos e armas em alumínio e latão polido.
Maré de Matos (Governador Valadares, Brasil, 1987) artista transdisciplinar. Mineira, do Vale do Rio Doce. Graduada em Artes Visuais na escola Guignard (UEMG), Mestre em Teoria Literária (UFPE), atualmente desenvolve o projeto-pesquisa museu das emoções no Doutorado (USP). Exercita o tensionamento entre versão e verdade; história única e contra-narrativas polifônicas; poder e posição e quer incendiar esta configuração do mundo. Pesquisa representação e responsabilidade, imaginário e delírio da modernidade, invenção da raça e narrativa de si, subjetividade e pedagogias contra-coloniais. Atua em linguagens híbridas e os seus trabalhos situam-se, sobretudo, no vão entre os territórios da imagem e da palavra. Interessa-se pelo atlântico negro como processo formativo; pela revisão como princípio e pela poesia como ferramenta política de emancipação. Defende o direito à emoção de sujeitos negros privados do estatuto de humanidade.
Marilá Dardot (Belo Horizonte, 1973) é artista visual e Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vive e trabalha na cidade do México. O trabalho da artista atravessa, entre outros pontos, a memória constituída pela cultura. Desde os trabalhos que lidam com livros, literatura e linguagem, até os que tratam de temas apagados da história por posições políticas, censura, género ou pelo tempo. Nos últimos anos Dardot tem constituído um grupo de trabalhos a partir da observação de narrativas históricas que passam por recorrências, sobreposições ou pela efemeridade das notícias.
Pablo Lobato (Bom Despacho, MG, Brasil, 1976) é um artista pós-guerra e contemporâneo. Vive e trabalha em Belo Horizonte, Brasil. Numerosas galerias e museus importantes, como a Galeria Luciana Brito, já apresentaram o trabalho de Pablo Lobato no passado. No arquivo de imprensa de artistas da MutualArt, Pablo Lobato é destaque no 6º Prémio Marcoantonio Vilaça, obra da Art Nexus em maio de 2017.
Yuri Firmeza (São Paulo, Brasil, 1982) sem um estilo ou uma marca visual característica, o principal topos do projeto de Yuri Firmeza, uma obra em andamento, é constituir um modelo político de artista nos termos da arte em estado de crise. O foco no programa crítico estrutura-se na variação dinâmica da intertextualidade (atrvés de performances, objetos, fotografias, vídeos, textos, livros e instalações). No caso de Firmeza, o termo “modelo” não significa a constituição de uma norma a ser seguida ou paradigmas a serem acompanhados; tampouco se reporta ao termo no original em italiano “modello”, um objeto a ser imitado. Modelo, no caso de sua arte, é a construção imaginária de um conjunto articulado de padrões de comportamento sobre um objeto específico, a arte, expostos ao debate. O artista é um ser constelar. Sintomaticamente, Yuri Firmeza designa frequentemente seu trabalho por “Ação”.