19
Jun
a
31
Jul

 

Carlos No, “ Apartheid”, 2007, Pneu, extintor de incêndio e placas de PVC, dimensões variadas

Artistas: Ana Cardoso, Susana Guardado, Carlos No, Tatiana Macedo, Sérgio Costa e Sandra Rosa Dias

Territorial Pissings – o acto criativo como circunscrição

“Territorial Pissings” é o nome de uma das mais conhecidas músicas da banda ícone do movimento grunge, os Nirvana. É, antes disso, uma expressão que designa “marcar o território”, numa clara analogia a um comportamento de sobrevivência animal que consiste em urinar (to piss) em determinados locais de forma a delimitar um espaço de existência.
A escolha desta expressão para conceito de uma exposição colectiva que reúne artistas com os mais variados modos de expressão e intenções conceptuais, não só é acertada como extremamente eficaz na consecução de uma coerência irrefutável, mais óbvia do que poderá a princípio afigurar-se. Aliás, como veremos, ela possui um grau de aplicabilidade extremo no que toca à apresentação de vários artistas num mesmo espaço.

Ainda que à partida possamos entender este conceito como “tema”, esperando assim obras que reflictam sobre as questões de lugar, território, pertença, identidade, fronteira – tão em voga neste início de século -, ele revela-se acima de tudo uma metodologia, melhor, uma prática intrínseca do fazer artístico. Se não vejamos: cada um destes artistas esforça-se por conseguir uma linguagem própria que lhe sirva para veicular uma mensagem, ideia ou sensação mais ou menos específica e deliberada. Cada um deles está, portanto, a marcar o seu território.

Todo o acto criativo produz uma marca, apropria um espaço – imaterial numa primeira instância podendo depois materializar-se – que antes apenas existia em latência. No terreno fértil do pensamento – potência – inscreve-se, através da vontade, uma acção – existência –, dando-se nesse encontro a criação. Isto não significa que esta inscrição se dê no vazio, pois até o terreno baldio conhece a terra que lhe permitirá ser cultivado. Assim, a criação enquanto impressão territorial convive com assentamentos preexistentes, deixando-se contaminar por referentes localizados em terrenos com as mais diversas latitudes. E cada um destes territórios pessoais (micro-território) está sob a jurisdição de outros, mais vastos (macro-território), tal como uma sala pertence a uma casa, que pertence a uma rua, bairro, freguesia, cidade, região, país… A decisão de pertença a esses outros territórios já não concerne somente ao artista; ela depende de outras instâncias do macro-território: críticos, curadores e historiadores que fazem dessa deliberação um modo de delimitação do seu próprio campo operativo. Independentemente desta contigência o artista continuará sempre a fazer o que a sua existência enquanto tal lhe impõe: criar, deixar marcas.

Cada obra é, no percurso de um artista, uma inscrição entre as várias que contribuirão para delimitar um trilho e, consequentemente, a sua pertença a outros territórios de maior escala. O artista movimenta-se numa circunscrição que lhe é própria pois só ele a pode habitar, mas endemicamente incerta e transitória na medida em que exige uma permanente demanda em busca de zonas de sentido, num constante processo de identificação e conquista. A sua acção deriva numa estratégia pessoal e intransmissível, mais ou menos consciente e direccionada, que se confunde com o próprio ser artístico. No limite, o artista e o seu território são um só, deslocando-se na mesma cadência, partilhando o mesmo espaço e tempo numa simultaneidade entre o que é e a sua construção. Um território artístico não é portanto uma realidade física ou geográfica, mas sim uma criação do seu habitante, resultante imperativo da sua existência. Ou, como diria Husserl, ele constitui-se enquanto “Lebenswelt”, modo de ser-no-mundo do homem.

Rita Sobreiro
Junho 2008

1. No texto “A Terra não se move”, Edmund Husserl defende que cada ser humano possui um terreno que viaja individualmente consigo. Essa superfície não se move, não existe enquanto veículo, antes somos nós que a transportamos. (Edmund Husserl, A Arca da origem, a Terra não se move (manuscrito de 1934) – tradução Editions de Minuit, Paris, 1989

Publicado a 18 de Junho de 2008

19
Jun
a
31
Jul

Mars-1 explora através de uma linguagem visual a sua visão do planeta, da humanidade e do mundo (singular) contemporâneo dos dias de hoje.
Mars trabalha com realidades desconhecidas do subconsciente e com vários estados de percepção, as suas obras são retratos de viagens a novos e inexplorados lugares do consciente.

Existe um imaginário cósmico e paisagístico que se expande no trabalho de Mars-1. O seu trabalho leva-nos numa viagem ao extradimensional e ao fantástico.
E como se não bastasse o artista enfatiza a sua realidade irreal com uma estranha presença de esculturas de extraterrestres.

Erik Davis escreve no texto para o catálogo da exposição “Mapmakers”
(…) é importante considerar que estes trabalhos são, por vezes documentos de experiência. Este artista embarcou numa viagem para definir visualmente a relação entre o racional, pensamento cognitivo, e o impressionante e fantástico mundo dos sonhos do subconsciente, convidando o observador a experimentar os estados de consciência que fazem parte da obra de arte.
Mars na sua pintura improvisa até que a imagem, a cor e a composição se transformem numa só. A sua pintura requintada em detalhes varia da abstracção à paisagem espacial da ficção científica. As suas influências vão desde elementos da arte do graffiti à animação japonesa, e claro á ficção científica e o espaço
Amrei Hofstätter, sobre o trabalho de Mars-1, in “Experimental Art and Design Magazine nº.24”
Mars -1 é uma criatura extraordinária e o nome constitui uma homenagem à estação automática inter-planetária da União Soviética que foi desenhada para revelar a superfície de Marte.
A 23 de Maio de 2007 um grupo com os melhores cientistas do mundo foi enviado numa missão extraordinária. Introduziram-se no corpo de uma forma de vida aparentemente extraterrestre encontrada em estado de coma num campo perto de São Francisco, faz somente dois dias. A equipa utilizou um submarino reduzido ao tamanho microscópico e foi injectado na corrente sanguínea, para tentar chegar ao cérebro passando através do coração e dos pulmões. Á parte de examinar a sua condição física e as possíveis semelhanças com a espécie humana, um psíquico a bordo vai tentar entrar em contacto com o alien através das correntes mentais. Mas incidentes imprevistos ocorreram e a equipa nunca voltou da sua viagem. Este documento é uma compilação do material extraído da investigação e do relatório enviado pelo capitão até ao momento em que a ligação foi interrompida e o submarino ficou inoperativo.
(…)

A arte de Mário Martinez tem abrangido um extenso território, dos grafitti enquanto jovem adolescente à criação de uma série de estranhas e maravilhosas figuras em vinil, que são expostas internacionalmente.

A exposição patente na Cream Art mistura esculturas em vinil e bronze com uma nova série de pinturas.

Publicado a 18 de Junho de 2008

19
Jun
a
31
Jul
Hairy Monster reinventing itself before a Door of Transition, 2008, técnica mista, dimensões variáveis

Hairy Monster reinventing itself before a Door of Transition, 2008, técnica mista, dimensões variáveis

 IN THE FUTURE WE TRUST – “BELIEVE ME OR NOT”

Operator – pessoa que põe algo a funcionar.
Num quadro em que as funções do artista são cada vez mais alagadas (“artista-etnógrafo”, “artista-curador”) a noção de operator reveste-se de grande pertinência. Operar para alterar um determinado programa e para potenciar (in)determinados outputs.
Tiago Borges (TB) recorre a um número considerável de materiais para dar corpo às hipóteses artísticas que equaciona , e utiliza uma forma de ironia que lhe é característica. Frequentemente, os objectos são deslocados dos seus contextos originais e são agrupados de determinada forma, produzindo um efeito de “estranhamento” (a lógica do ready-made). A metodologia que adopta é activa e económica: todas as ideias são utilizadas e nada é posto de parte, porque só com um suplemento de criatividade se poderá devolver a dimensão poética e estética ao homem comum.
TB trabalha como um bricoleur (diria “brincoleur”) que reelabora incessantemente os materiais que dispõe, procurando novas possibilidades de associação dos mesmos, transformando-os e transformando-se, inventando novas formas. Páginas web que alojam imagens gráficas, esquemas, diagramas, máquinas produtoras de efeitos sonoros, aglomeração aparentemente aleatória de objectos, néons amputados com brinquedos, stencil e graffiti, projectos editoriais, cinematográficos e decorativos para potenciais clientes… e na base o desenho que exercita o pensamento rápido e regista as psicogeografias do quotidiano.

Index – indicador estatístico de alterações; primeira página de um website.
Se o conjunto das propostas de TB tomasse corpo numa forma gráfica, seria um zig-zag, ou uma sismografia, registando diferentes intensidades, e com algum tipo de excesso. Por outro lado, certas práticas podem ser entendidas como sintomáticas, como por exemplo o facto do uso de materiais perecíveis e de baixos custos serem respostas a determinado mercantilismo da arte, ou à museificação. As relações que os trabalhos de TB estabelecem com aspectos gerais, relativos à sociedade contemporânea e à sua transacção de fluxos culturais, permitem-nos pensar noutros aspectos. O exemplo da subida galopante dos preços das obras de Jean-Michel Basquiat nos últimos anos de vida, doente de HIV, foi sintomático de uma “fome de África” que continua, no contexto da arte. Não importa de que África falamos, nem onde se localiza efectivamente. Se no continente, se na diáspora, se no imaginário. O que é certo é que, embora à margem das narrativas oficiais, África tem continuado a veicular para o Ocidente a maior parte das energias vitais que alimentam a arte contemporânea.

Ars Combinatoria – arte combinatória de signos
As imagens que “assombram” o trabalho de TB são heteróclitas e têm poucas hipóteses de territorialização. Para isto terão contribuído as multi-línguas, os multi-coloramas, os cosmopolitas, russos, cubanos, checos, sul-africanos, MPLA, UNITA, os comunistas, os antroposofistas, os pretos, brancos, mulatos, amarelos, vermelhos, azuis, transparentes, a ciência, a poesia, a Azóia, o Mussulo, Angola, África, Europa, o Brasil, Cuba, Egipto, Manchester, Londres, e muitos outros lugares que nos refere a biografia.
Podemos destacar três aspectos desta arte combinatória de signos: a itinerância, a narratividade, a recuperação.
Por um lado, estes trabalhos transitam entre a alta e a baixa cultura, sem preocupação aparente de categorização, tornando-se um elogio a essa irresponsabilidade – o resultado é uma espécie de wunderkammer contemporânea.
Em segundo lugar, as histórias que cada trabalho conta, indissociáveis das várias línguas que compõem o seu “imagolecto”.
Finalmente, em conjunto com outros artistas, o trabalho de Tiago Borges contribui para inscrever a produção artística de Angola no circuito da arte contemporânea internacional. Ao mesmo tempo que se promove uma “recuperação iconográfica” (Paulo Cunha e Silva) resultante do contexto pós-colonial, articula-se essa iconografia com os elementos de uma cultura artística internacional.

Marta Mestre

Publicado a 13 de Junho de 2008