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DDMMYY
Alena Kotzmannova

“Alena Kotzmannova fotografa cenas banais, extraídas subtilmente daquilo que a rodeia. Mesmo que muitas retratem situações e objetos que nos deixam uma impressão de estar perante algo irreal, sentimos um contacto imediato com o mundo presente através delas. Objetos comuns e ambientes tornam-se metáforas de sentimentos e estados de espírito, tornam-se linguagem de prosa subjetiva. As imagens de Kotzmannova diferem do fotojornalismo tradicional, mas também da fotografia conceptual dos anos de 1970 que suprimem intencionalmente qualquer resíduo estético da imagem. O seu trabalho é mais próximo do conceito de fotografia que derivou – qualquer destas disciplinas pode parecer longínqua uma da outra – da escultura contemporânea. Um representante deste conceito é, por exemplo, Gabriel Orozco. Apesar de Kotzmannova não encenar as situações fotografadas, ela aproxima-se do sujeito como se de uma instalação escultórica se tratasse. Esta, devido à sua natureza, tem de ser documentada. Também presente no seu trabalho está a narrativa: o objeto ou situação são resultantes de uma ação, que pode ser literalmente captada e trabalhada. Traduzir esta questão em palavras quebraria a tensão que a imagem contém. Um sonho descrito e analisado perde o seu poder.” Tomas Pospiszyl, in: Kotzmann, Fra and Kant, Praga 2012, págs. 273-274.
O título DDMMYY refere datação, captação de um certo momento no tempo, que pode ser uma data de nascimento ou um prazo de validade da era consume – um processo mecânico para marcar a passagem do tempo na civilização ocidental. A exposição DDMMYY apresenta uma série de trabalhos de Alena Kotzmannova, artista contemporânea checa, que trabalha fotografia, instalação de vídeo e instalações no espaço público. A exposição pode ser explanada pelas palavras que a artista escreveu sobre uma das suas séries: “A série Transmitter não é uma história verdadeira, ainda que a montagem das imagens e o seu carácter crie um ritmo que pode sugerir uma narrativa. Estático e dinâmico, perto e remoto, olhando para algo e para algures, dois lados da mesma moeda. Lembramo-nos das imagens que vemos ou olhamos para um tempo e local desconhecidos? Em qualquer dos casos, a série transmite estranhas vibrações.“

Para mais informações visite: http://kotzmannova.cz

Publicado a 27 de Junho de 2013

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Ana Filipa Garcia, Anabela Bravo, Conceição Abreu, Fernando Fadigas, Filipa Cordeiro, Luísa Baeta, Paula Nobre, Sandra Henriques, Teresa Cortez

Curadoria victor pinto da fonseca e pedro cabral santo

6749/010.013

O título escolhido para a exposição recupera o código de uma contingência que juntou nove artistas num tempo e num lugar, voltando a juntá-los na contingência de outro tempo e outro lugar. Ainda que nada esclareça sobre os enigmas trazidos por cada autor a esta exposição, o código é um sistema convencionado de sinais reconhecíveis e por isso define, como propõe Roman Jakobson, o sistema em que eles se revelam e o título anuncia.
O primeiro tempo corresponde aos anos lectivos de 2010 a 2013 (010.013) e o primeiro lugar é a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, mais concretamente o Mestrado de Arte Multimédia da mesma faculdade (6749). O segundo tempo é o tempo da exposição destes nove artistas, agora Mestres, que concluíram com sucesso as suas investigações teórico-artísticas, sendo o segundo lugar a Plataforma Revólver que, pela segunda vez e no que à faculdade diz respeito, acolhe um projecto desta natureza.

A Era dos Falsos Profetas, de Filipa Cordeiro, é o título de um conjunto de peças realizadas por diversos processos de apropriação, entre 2010 e 2012, no que a autora designa por uma expedição arqueológica à banalidade de um quotidiano imobilizado na sua contínua e aparente mudança, onde o nada acontece como não-acontecimento nas localidades colonizadas (deslocalizadas) pela cultura global.
É na procura dos indícios das origens sem história, mas antropologicamente significantes, que a artista se torna arqueóloga, ser da linguagem que só nela existe para reorganizar os fragmentos do mundo – as suas ficções – ficcionando-o a partir de uma subjectividade (a sua) que o integra e lhe imprime a estranheza no que lhe é familiar. Nessas sucessivas operações de (re-)significação, o movimento é o da deslocalização das imagens e das palavras que pairam sem aqui e sem agora, significantes flutuantes, como os entendeu Lévi-Strauss, à procura de um lugar, i.e., de uma significação.
Mas, tal como as que a antecedem ou que com ela coexistem, essa significação, voluntariamente posta em causa enquanto verdade ou milagre convencionalmente operados pelas práticas artísticas, é ainda ironizada na frase que intitula o conjunto de peças presentes na exposição. A Era dos Falsos Profetas é fundamentalmente um convite ao abandono das falsas profecias que sustentam o estado do mundo e um convite à errância pela dimensão poética da sua banalidade.

Nas Asas de um Colibri intitula o vídeo de Ana Filipa Garcia, construído a partir de um filme caseiro, em Super 8, do casamento dos pais e das espectativas mantidas pela sua invisibilidade no tempo assombrado do presente.
Dividido em três capítulos, o vídeo associa a nitidez do que se pretende fetiche à indeterminação do que só pode aparecer como fantasmagoria e que nada mais é do que a própria realidade. É assim que o desenrolar da película de uma bobina acompanhado pela cadência do bater de um coração, que é afinal o som produzido pelo projector a trabalhar, convive com a imagem impossível do casamento que é o que na imagem não se mostra, ou o que ela não mostra, o para-além-de-si, o que a afasta de si para que ela possa ser o que é, a différance teorizada por Jacques Derrida que, neste vídeo, se manifesta nos espectadores que assistem às imagens ausentes e em todas as perdas a que elas aludem, apenas pressentidas na sua errância sempre temporariamente alojada numa significação provisória.
Se dar a ver o que não se vê é o primeiro desígnio da imagem, a invisibilidade e a ausência são o que ela encena também na soturnidade do voo onírico que acontece entre a casa e a impermanência dos lugares imaginados e de novo a volta a casa por ser ela que abriga o devaneio, nos termos de Bachelard, e é a ela que se volta para revisitar a dimensão onírica do que aí permanece, feita de lembranças e desejos, fantasmas e fantasias.
Estar entre é estar em movimento, não seguir com os olhos o voo do colibri mas ser o colibri que voa, esse pássaro da fantasia, cujas asas batem tão rapidamente que deixam de se ver, mantendo-o parado no ar ou deslocando-o a uma velocidade imperceptível que o torna invisível no seu voo. É ele que Ana Filipa Garcia usa como metáfora num filme que conta a história de uma história e o que a elas falta para poder ser contada como a história a que assistimos.

Numa discreta ressonância do poema homónimo de Sá-Carneiro, Teresa Cortez escolheu Quase para título da sua peça site-specific, uma interminável animação instalada no espaço a que se propaga fazendo com que entrar no espaço implique estar dentro do desenho ouvindo-o a fazer-se no som do lápis que risca sobre a textura das paredes.
‘Quase’ é sempre presente e o presente é o tempo de uma obra que imperceptivelmente se renova perante os nossos olhos incapazes de reconstituir um princípio e um fim, reféns de um entretanto que é o infinito do presente e o infinito do espaço que o movimento vai criando em cada traço, como é próprio do rizoma, tal como o definiram Deleuze e Guattari.
Nesse sentido, o espaço é tanto o desenho em movimento como o movimento que o desenho lhe imprime em todas as direcções, animando-o (entretanto) num ritmo de ruídos gráficos que o som amplifica no intervalo entre as imagens (entre-tanto). Ser presente é assim entrar no infinito da imagem que se anima (um organismo quase), fazendo parte do movimento (da renovação) que ele imprime ao espaço. E se entretanto a imagem é a segunda pele da parede, é pelo intervalo entre-tanto que o observador se esgueira para ser presente ao acto da sua unificação.
«Quase o princípio e o fim – quase a expansão …» é um verso do poema de Sá-Carneiro que Teresa Cortez utiliza como epígrafe de um dos capítulos da sua dissertação. Tão relevantes como o que enunciam são as reticências que ligam todos os versos deste poema, ou os de Walt Whitman, que a autora também convoca no seu trabalho. Porque neste contexto elas são simultaneamente a marca do infinito do sentido como o sinal gráfico de tudo o que fica por dizer.

Sem Pés nem Cabeça e Corpo de Imagem são as duas peças que Sandra Henriques selecionou de um imenso conjunto de Experiências genericamente intitulado A Árvore dos Estapafúrdios, numa reminiscência da série televisiva que via na sua infância.
No argumento destas peças, um vídeo e duas fotografias impressas em papel vegetal, a existência de um corpo é entendida como uma passagem à qual um ininterrupto movimento imprime três estádios: formação, transformação e destruição. Mas o próprio corpo é aqui considerado como uma pele, sendo a pele um corpo de imagem que existe na estratificação das suas imagens. Quando, no processo de transformação, as imagens são excessivas, o corpo fica exposto a um processo de entropia que o desestratifica até ele se converter, por um máximo de acumulação, num sem corpo – matéria indiferenciada, desclassificada, informe, como Bataille a denomina, inominável, nas palavras de Beckett, para referir a turbulência que impede a correspondência entre um significante e um corpo, pondo em causa todos os nomes e fazendo-nos duvidar da existência de todos os corpos.
Imprevisibilidade, descontrolo, entropia e excesso são os quatro conceitos que operacionalizam estas peças nas quais o corpo, tendendo para a desordem do que não tem nome ou forma, se dilui na sua matéria / imagem. Um sem corpo, Sem Pés nem Cabeça, onde as imagens, no tempo de um frame, desfilam à velocidade de 25 frames por segundo ou, como acontece em Corpo de Imagem, um corpo esmagado de um lagarto, de um pombo ou de pimentos assados, que permanece suspenso e remendado nas várias imagens que o reconstituem, dificilmente reconhecível, quase desclassificado, quase inominável.

Janela I e Rio são duas das quatro peças que Luísa Baeta realizou no âmbito do mestrado, às quais deu o título genérico Long Piece para se interrogar sobre o que é longo no tempo de uma imagem.
O lugar é uma casa de família e um rio, filmados ao longo de dois anos. A interrogação estrutura-se em torno das operações sobre a imagem (vídeo e fotografia) e do tempo que ela cria, que é o tempo da memória, o tempo de um momento que lhe é irredutível por ser fundamentalmente o conjunto de sensações que provoca no observador. A partir das três figuras do esquecimento enunciadas por Marc Augé: o retorno (neste caso, a um lugar), a suspensão (do tempo contido nos planos do vídeo e nas fotografias, mas também o tempo das gerações numa família) e o recomeço (da relação com o lugar e a sua imagem), Luísa Baeta faz do tempo um palimpsesto de espaços e do tempo longo um tempo sintético onde a extensão do espaço se transforma em densidade temporal, por sua vez alongada na espacialidade da imagem actualizada no tempo em que nos convoca.
O tempo tanto é o da fotografia que surge como um intruso na extensão da imagem vídeo e na cadência da sua repetição, como é uma subtil mudança nesta imagem, quase sempre surpreendida tarde demais. É o tempo real, o tempo das horas do dia e da sua acção sobre a paisagem e os lugares, o tempo vivido da contemplação, eliminadas que são as razões da velocidade e da acção, o tempo interminável.
A imagem é esquecimento do tempo que passa para poder ser recordação do tempo que foi e nela está contido. E é preciso fechar os olhos para continuar a vê-la, para fugir à cegueira do que se olha insistentemente e se deixa de ver, como acontece em Janela I.
Símbolo da passagem do tempo, o rio não consente que nos banhemos duas vezes nas mesmas águas. Mas no tempo de Rio, um tempo de águas paradas, a paisagem escondida pelo nevoeiro é a paisagem do tempo longo, a paisagem que se imagina ouvindo o som dos seus tempos e que subitamente emerge como uma aparição para a ele voltar imperceptivelmente, até começar tudo de novo.

Paula Nobre expõe um conjunto de fotografias de uma longa série produzida nos fins-de-semana ao longo de dezoito meses consecutivos, a que deu o título Lugares-comuns: a Fotografia como lugar de afectos.
Nesta obra, o artista é entendido como um semiólogo que aborda a questão do sentido dos sistemas sígnicos a partir do afecto subjacente às artes de fazer o quotidiano, como as designa Michel de Certeau. Neste caso, essas artes consubstanciam-se nas práticas culinárias de uma família, aqui aparecendo como definidoras de um retrato do pai e da mãe, absorvidos nos gestos rotineiros da preparação dos alimentos, e de um lugar, a casa, o lugar-comum, o lugar comum a todos os que a habitam, que é tanto o lugar da comunicação e da partilha (o lugar que torna comum), como o da Fotografia (o lugar dos afectos) e das fantasmagorias da imagem fotográfica (o lugar dos sentidos e das sensações que eles arrastam) mas, sobretudo, o lugar do inconsciente óptico a que a câmara nos conduz, de que fala Walter Benjamin, o lugar que vem para re-significar a experiência do quotidiano, revelando-o a partir do que o coração sente e os olhos não vêem, ou se vêem a visão é incapaz de processar.
Comum ao retrato e ao lugar na indiscernibilidade que os define – retrato e natureza-morta –, este lugar-comum é ainda o lugar da reduzida profundidade de campo e da ambiguidade do espaço abreviado no vestígio do gesto que o ocupou e onde os vestígios, para além das suas circunstâncias, resgatam para o plano dos sentidos e das sensações, agora do observador, os afectos de que é investido o quotidiano.

For life to go Exactly as Planned intitula o conjunto de peças que Anabela Bravo traz a esta exposição. Uma colecção de 610 dados, que teve início em Abril de 2011 sendo dada por terminada em Outubro de 2012, um catálogo concebido no formato de um dado cúbico que contém todos os outros, e um conjunto de 36 mapas obtidos por ligações de expressão linear tão arbitrárias como essenciais.
Cada um dos dados foi lançado sobre uma folha de papel com dois metros de altura por três metros de comprimento para que o mapa pudesse ser rigoroso. O lugar em que cada dado caiu foi marcado com a cota que lhe corresponde e a face que ficou virada para cima. Cada mapa é o resultado de uma selecção do mapa maior (por local de compra, por cor, pela forma das faces, pelo peso, pelo tamanho do lado maior, pelo tipo de material), num total de trinta e seis mapas (trinta e seis desenhos ou trinta e seis padrões), resultantes da ligação de cada ponto a todos os outros, segundo os princípios de conexão e heterogeneidade esclarecidos por Deleuze e Guattari no contexto da definição de rizoma.
É um desses mapas desenhado a grafite na parede que vemos agora, bem como a colecção, à qual foram apenas subtraídos os dados utilizados na construção do mapa, e o catálogo.
Acaso e jogo são os conceitos que tutelam esta obra, ambos convergentes num terceiro conceito – alea, proposto por Roger Caillois para designar o conjunto de jogos em que o poder de decisão do jogador é mínimo e o poder do acaso é máximo. No entendimento de uma produção artística que delega na experiência e no acaso os seus resultados, associando a colecção a um mapa ou a uma rede de informação que não a esgota, mesmo que caiba ao catálogo a função de a encerrar, no duplo sentido de terminar e conter, Anabela Bravo é o último termo da sua colecção, ela que é uma menina com uma líbido enorme que deseja apenas conquistar o mundo.

Partindo do pressuposto que um agradecimento é simultaneamente um acto de reconhecimento e de gratidão, em meu nome e em nome da faculdade, resta-me agradecer a este grupo de artistas, ao qual se juntam Conceição Abreu e Fernando Fadigas, a qualidade do trabalho que desenvolveram e, talvez mais importante que isso, a qualidade humana com que souberam habitar o código 6749/010.013.

Maria João Gamito

Publicado a 8 de Junho de 2013

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ENQUANTO FALO, AS HORAS PASSAM
Heleno Bernardi

http://www.magneticamagazine.com/artigo/arte/entrevista-a-heleno-bernardi/

Entrevista a Heleno Bernardi à Magnética Magazine

Depois da sua intervenção artística com “corpos colchão” na escadaria principal do Hospital Júlio de Matos, a Magnética entrevistou o artista brasileiro Heleno Bernardi, para conhecer melhor o seu trabalho e a sua vida.

Heleno fala-nos um pouco do teu trajecto profissional como artista.
Atuo como artista há cerca de 10 anos.
Neste tempo, fiz muitos projetos de intervenção urbana. Me interessam as possibilidades de quebrar a impessoalidade de espaços públicos interferindo de forma desavisada e realizando intervenções que não sejam imediatamente identificadas como projetos de arte. Gosto da ideia de trabalhos que provoquem por sua existência, sem que se saiba, necessariamente, que foram pensados por um artista.

Em que consiste o projecto “Enquanto falo, as horas passam”?
É uma instalação realizada com uma centena de colchões que têm a forma de figuras em posição fetal.
Os corpos-colchão (como os chamo) são agrupados e encaixados entre si, criando um campo de relação e interação para o publico.
As questões centrais da obra são acolhimento, abrigo e desabrigo, buscando colocar em perspectiva a relação do corpo com o espaço urbano e com os outros corpos para criar territórios de reflexão e potencializar trocas afetivas, culturais e sociais.
Estes corpos-colchão sugerem tanto uma abordagem participativa e relacional, quanto de acontecimento espacial e escultórico.O trabalho é montado em espaços abertos, de passagem ou mesmo espaços fechados onde haja grande circulação de pessoas. Neste sentido, é sempre uma intervenção.

Como surgiu esta hipótese de vires a Portugal mostrar o teu trabalho?
Surgiu dentro da programação do Ano Brasil Portugal, projeto cultural entre os dois países com o objetivo de estreitar e aprofundar relações. No Brasil, a realização é da Funarte, Ministério da Cultura e Ministério das Relações Exteriores. Fui convidado pela diração do evento para montar este trabalho aqui justamente porque fala de aproximação, de trocas e interação. Apresentei a proposta ao Victor Pinto da Fonseca, da Plataforma Revólver, que generosamente o acolheu.

Vais apresentar o projecto no Hospital Júlio de Matos em parceria com a P28. Como será?
Mostrei o projeto ao Sandro Resende, que me convidou para conhecer o hospital, o trabalho que realizam com os pacientes e a P28. Fiquei bastante impressionado com a importância das atividades e seu alcance. Hoje, não cabe mais fazer separações dentro da arte a partir de critérios de saúde mental. No Brasil temos um exemplo icônico que é o Artur Bispo do Rosário. Sem dúvida, ele é um dos maiores artistas do país e, no entanto, passou 50 anos de sua vida como interno de um hospital psiquiátrico.
A escolha da escadaria principal do Júlio de Matos como lugar da realização se deu por simbolizar o encontro e a mistura entre pacientes e sociedade e que no passado já teve uma dinâmica bastante diferente. A ideia é apresentar o trabalho à comunidade do hospital e envolvê-la numa ação de ocupação e interação a partir dos colchões. A obra se dá ali, na hora.

Sabemos que já o apresentaste em mais locais. Como correu até agora?
O processo inicial do trabalho é a mesmo. Apenas coloco os corpos-colchão em algum lugar e deixo que eles provoquem as pessoas. Dependendo das características de cada espaço, do contexto social e urbano, vão surgindo situações muito próprias. Aqui em Lisboa o trabalho está sediado no Transboavista (Plataforma Revólver), que é o parceiro original do projeto. Em dias específicos, levei-o para o Cais do Sodré, para o Carpe Diem Arte e Pesquisa e para o Instituto Gulbenkian de Ciências. No Transboavista e no Carpe Diem o trabalho já estava inserido num contexto de arte contemporânea, o que deu uma partida naturalmente artística para o acontecimento. No Cais do Sodré, com muitos turistas no entorno, o trabalho se desenvolveu a partir da estranheza e da curiosidade. E teve uma dinâmica bastante divertida. Já no Instituto Gulbenkian de Ciências, houve apropriação da instalação para atividades de leitura, relaxamento, encontro de pessoas e experimentação corporal. E também muita reflexão sobre o conceito. Os pesquisadores colaboraram enormemente com questionamentos, proposições e divagações.

A cidade de Lisboa inspira-te?
Neste momento, não poderia estar em lugar melhor. Mesmo! Tenho experimentado um espírito muito acolhedor na cidade, o que é particularmente inspirador para este trabalho. O contato com as pessoas e instituições tem sido muito fluido. Cheguei aqui com uma instituição programada para receber o trabalho e, em poucos dias, fui apresentado a outras e a muitas pessoas que têm feito o projeto avançar. Susana Anágua, Cristina Filipe, Victor Pinto da Fonseca, Lourenço Egreja, Sandro Resende e Inês Domingues, entre outros, me ajudaram muito nisso. O que tem tudo a ver com o conceito da obra de ir se desenvolvendo organicamente a partir do encontro.

Que artistas brasileiros destacas no momento?
Chelpa Ferro, a dupla Franz Manata/Saulo Laudares, Rodrigo Braga, Marta Jourdan, Ângelo Venosa, Eduardo Berliner, Claudia Hersz, Henrique Oliveira e José Rufino.

Por Bruno Pereira /// www.magneticamagazine.com

Publicado a 7 de Junho de 2013

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BURNOUT
Orlando Franco

BurnOut é o título do último projecto de Orlando Franco a ser apresentado na Plataforma Project 2. O artista explora, um
conjunto de linhas de abordagem e caminhos possíveis, em torno do tema, ao qual se auto impôs. A exposição apresenta,
objectos e imagens, que reformulam questões e premissas de acção suspensa.
Este projecto desvenda um universo pré-existente de pensamentos, discursos, processos inerentes ao trabalho do artista.
Repisados e repensados de forma exaustiva, com intensidades pico, ora pacíficos, ora não. Através deste conjunto de
imagens e objectos propõe questionar um ambiente (interior/exterior) apropriadamente designado por Burnout, um
estado associado a uma acção repetitiva com diferentes graus de intensidade, culminados num extremo que criam, dão
lugar a outro estado, com manifestações i/materiais. O efeito, a marca, a suspensão, a evidência entre estes dois estados,
o rasto da sua passagem, são imagens que o artista dá a ver a um espectador disposto.
Burnout é o termo de eleição, proposto pelo artista não como título da exposição, mas como algo que define um universo
particular pré-existente, de uma problematização com dimensões físicas e conceptuais. Para ele todo o processo é um
Burnout. Seja um processo direccionado para a obra em si, seja inclusive para o acto de revelar, de dar à luz um conjunto
de obras num acto público e expositivo. Nesta exposição presenciamos um questionamento sobre algo que se antevê o
seu culminar, com olhos fixos no seu percurso que pensamos já conhecer. Todos os detalhes são um somatório de acontecimentos
potenciados pelo contexto, muitos dos quais já exercem uma acção de domínio e de um poder pré-existente.
Sem fuga. No seu espaço expositivo e encenação procura não deixar indiferença ao peso, á pressão que paira e atinge o
espectador com a ideia de um ato pungente, doloroso, condicionado e repetido, uma vez mais. As narrativas de um ato,
que se transformam em algo que pode remeter, ainda que vagamente, para uma poesia visual.
Do domínio da máquina, da manipulação da imagem nascem desenhos, sonoridades, novas imagens, que nos falam da
metáfora daquele gesto e do seu tempo. O artista cria um percurso imaginário e convidativo que leva o espectador a
percorrer a distância imaterial da acção/gesto e do seu efeito, da sua impressão/marca. A máquina, o homem ou o animal
surgem como sujeitos da acção, da acção que nos distrai pela sua repetição, e nos surpreende com a sua marca.
O artista apresenta um conjunto de obras que passam pelos meios do desenho, fotografia, escultura e vídeoinstalação.
O vídeo Untitled (Wind) conta com a colaboração de Cláudia Efe que interpreta e produz a composição sonora.
Rita Firmino de Sá, Maio 2013

Publicado a 7 de Junho de 2013

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Arquitetos da Subtileza

Todos colaboramos para levar a cabo uma só obra, uns com conhecimento de causa e inteligentemente, outros sem o saberem.
Marco Aurélio

O Imperador Marco Aurélio, com o seu livro intitulado “Pensamentos” convida-nos a olhar para esta exposição como algo maior que o tempo, a morte, o sagrado ou o profano, porque todos estes temas são e sempre foram os interesses Universais da Arte.

Porém, e ao contrário do que possa parecer, a literatura e os pensamentos do Imperador Marco Aurélio não pretendem delimitar algum tipo de ideia nesta exposição. Muito pelo contrário, são estes pensamentos, com a sua profundidade estoica, que nos ligam a uma contemporaneidade rica e cheia de vitalidade, inspirando e proporcionando a realização de obras com uma radicalidade e capacidade próprias de refletir sobre o tempo e a morte, o sagrado e o profano, pois é nestas profundas contradições, tão presentes neste início de século, que continuamos a observar os interesses universais da arte.

Os sete artistas desafiados a criar novas peças ou a escolher, juntamente com o Curador, obras de arte da sua autoria, a partir da leitura do livro “Pensamentos”, revelaram, acima de tudo, a particularidade de cada um, tanto na sua forma de olhar para uma mesma realidade como na sua reinterpretação, enquanto processo transformador. Uma dessas reinterpretações pode ser descoberta nas esculturas da artista Ana Fonseca; o seu trabalho mostra-nos como a ausência do eu e, simultaneamente, a sua presença tão peculiar, nos deve fazer atuar de maneira a que uma busca pelo passado clássico possa conduzir-nos a um barroco tão realista quão quotidiano. E é nessa confiança entre o moderno e o presente, nessa fronteira entre o divino e o humano, que o mundo clássico vai lentamente desaparecendo e as arquiteturas romanas se vão unindo às torres medievais para dar lugar à modernidade, aqui representada tanto através da captação prodigiosa da realidade nas fotos de Orlando Franco como nas intervenções magistrais de Susana Anágua, que a partir de arquiteturas industriais, da beleza das águas, dos bosques, das montanhas, ou da claridade do céu, cria uma leitura nova para a mais famosa estátua equestre do mundo, a alma mater de todas as estátuas equestres: a natureza do paraíso inicial da escultura transformado numa terra queimada, povoada pela industrialização. Porque a Arte é um devir contínuo. A fotografia nasceu como apelo ao desafio do tempo, pelo que, de início, não era senão a tentativa de materializar o momento, fixando-o para sempre numa imagem. Contudo, a luz altera, os objetos desgastam-se, os elementos de uma paisagem vão-se transformando, os componentes de uma natureza morta vão-se deteriorando; os retratados envelhecem. Ou seja, tudo muda, conforme já nos dizia Heraclito, através da parábola de que ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio. O invento da fotografia consistia em preservar instantes de uma sequência temporal para poder revisitá-los num futuro próximo ou mais longínquo. José Luís Neto procura/encontra/revela deformações no objeto fotográfico, criando com ele novos paradigmas, novas noções da fotografia, novas abordagens das imagens, como que a remeter-nos a um outro pensamento de Marco Aurélio: “… todos esses objectos de vez vão ser transformados num abrir e fechar de olhos pela natureza que governa o todo. Da sua substância fará outros objectos, depois da substância destes outros ainda, para que o mundo seja jovem…(Livro VII – 25)”.

Não há metáfora mais clara e universal do que a fragilidade do corpo humano e o seu inexorável destino que são a ruina e a morte. Nos desenhos apresentados nesta exposição, a procura de uma beleza efémera, ainda que inefável, é um percurso que se observa nos trajetos e trabalhos das artistas Teresa Gonçalves Lobo e Conceição Abreu, quer através de movimentos elípticos no papel, quer na procura de uma ordenação, ainda que não consciente; ambas as artistas tentam transportar-nos para Universos que vão sendo construídos/destruídos/substituídos dentro de folhas brancas que se transfiguram incessantemente. Linhas claras e volumes vão mudando em espaços dissonantes, como o próprio espaço ocupado pelo homem ou como as paisagens mutantes conquistadas pelo Imperador e que o próprio Império olhava como apenas pontos em mapas, mapas esses trazidos no seu devir artístico mas vazios. Vazios de seres humanos e das suas ações, vazios de animais, aves. O conjunto apresentado pelo artista Jorge dos Reis evoca-nos essas paisagens onde novos elementos se vão substituindo a toda a vida aí existente. O autor vai moldar a disposição da imagem, do texto, das cidades, dos muros e vai criar um papel subvertido e subversivo na ausência do eu, vai criar um novo mundo e vai transformar-se num novo “Imperador da criação”.

Espero que com esta exposição, os skylines imaginários que emergem dos trabalhos aqui apresentados possam fazer com que os perfis de todos e de cada um permitam contrastar com o leque de oportunidades inspiradas pelos pensamentos do filósofo Marco Aurélio.
O grande desafio que deixaria a todos os visitantes é que se permitam, de alguma forma, ser tocados pela criatividade entre a antiguidade e a contemporaneidade, porque foi essa a ideia que me levou a trabalhar com estes sete Mestres do saber imaginar; gostava que estes processos mentais de renovação e reunificação da arte fossem cenário da nossa vida, inseparáveis da nossa experiência, numa nova sociedade do seculo XXI, funcional e emocional, entre a estrutura do ver e a vivência da Arte como a beleza e a ruina.
E termino com as sábias palavras do autor que inspirou esta exposição: ” Se os objectos que te perturbam, porque os buscas ou evitas, não vêm ao teu encontro, mas, pelo contrário, em certo sentido, és tu que vais ao encontro deles, ajuíza deles com paz e sossego: eles estarão quietos se tu os não procurares nem evitares…(livro XI, 11)”.

António Pedro Mendes
Olissipo, Maius XXXI, MMXIII

Publicado a 7 de Junho de 2013

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[NO AUDIO]
Luís Alegre

Formalmente, esta exposição é composta por uma série de desenhos reproduzidos em diversas técnicas de serigrafia, 3 vídeos de animação e uma edição limitada de um livro. Trata-se de um conjunto de imagens que revelam momentos isolados, mais ou menos reconhecidos, do universo do cinema, da moda, da publicidade, mas também das imagens-vídeo vernaculares que o mais anónimo utilizador faz por disseminar na web, às quais são acrescentadas frases/legendas retiradas de outras situações, o que que torna insólito uma nova possibilidade de leitura. Até pelo caráter humorístico ou mesmo cínico do conjunto. Ou seja, as legendas reajustam-se às imagens com as quais não tinham qualquer relação inicial.
Todas as cenas representadas são figurativas, quase primárias, seja pelo apagamento das feições, num enquadramento invulgar, ou pela paleta de cores fortes mas reduzida, essencialmente primárias. São fragmentos de características cinematográficas, mas sem áudio.
É uma exposição em que os desenhos congelam a narratividade e a ação característica dos objetos cinéticos e os vídeos, que poderiam potenciar a ação do cinema, decepcionam pela circularidade de uma mesma ação sem final.
A grande maioria das imagens e as suas legendas escritas, acaba por guiar os espectadores para um vasto espectro de interpretações literárias e imagéticas. Há nestas obras uma ideia algo paradoxal, explorarão deliberada, que acaba por situar estas peças na fronteira entre a tristeza e a alegria, entre o “eu já senti isto” e “o que é isto?”.
A exposição é como uma daquelas revistas de consultório.?Vagueamos nela, vemos as imagens, lemos um pouco e pergunta-mo-nos: “Mas que raio vem a ser isto”.

Luís Alegre (Anadia, 1969)
Formado em Pintura, doutorado em Design. Vive e trabalha em Lisboa, conciliando a carreira artística com a actividade de designer. Desde a segunda metade dos anos 90 desenvolve projectos que cruzam multiplas disciplinas, relacionando o design, o vídeo e instalações.
É professor nos cursos de Licenciatura em Cinema, Fotografia e Cinema de Animação na Universidade Lusófona de Lisboa.
Director criativo da Ideias com Peso, atelier de comunicação e director de arte do gruo editorial LeYa (área escolar).
Começou a expor individualmente em 1995 e a participar em colectivas em 2004.

Exposições individuais (selecção): Rude, Galeria Diferença, Lisboa (1995); Keep Dancing, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (2001); Empty Hard Work, Sala do Veado, Museu de História Natural, Lisboa (2002); Feeling EU, Galeria Carlos Carvalho, Lisboa (2006); Total Equilibrium, Galeria VPFCream Arte, Lisboa (2007), Play Them, com os artistas convidados José Maçã de Carvalho, António Olaio e Rui Garrido, Plataforma Revólver, Lisboa (2010). Play Them #02 [Pradillo], Teatro Pradillo, Madrid (2012).
Exposições colectivas (selecção): Unfold, Acção ‘Luzes, Câmara… Martini’, Luzboa – Bienal Internacional da Luz ‘04, Lisboa (2004); Em Fractura – Colisão de Territórios, Projecto Terminal, Fundição de Oeiras (2005); Toxic, o Discurso do Excesso, Projecto Terminal, Fundição de Oeiras (2005); Project o Toilette (com Miguel Palma), Feira Internacional de Arte de Lisboa, WCs da FIL (2005); 25 Frames por Segundo, Vídeos da Colecção da Fundação PLMJ, Cinema São Jorge, Lisboa (2007); Lisboa, Luanda, Maputo, Cordoaria Nacional, Lisboa (2007); Remote Control, Plataforma Revólver, Lisboa (2007). Tirésias – Videoartistas de Portugal, no Centro Cultural de Espanha, em Montevideo, Uruguai (2010). A Arte é a melhor forma de perceber o mundo, no BES Arte & Finança, Exposição *08, Lisboa (2010). Camcloser — INTERFERÊNCIAS em Vídeo, PT BlueSattion, Lisboa (2012).

Realização videoclips: (alguns em conjunto com o colectivo JANCL): Facial Gangbang, Lolly and Brains, (2004); Bad Mirror, The Vicious Five, (2006) que foi seleccionado para o festival de Vila do Conde 06 – International Short Film Festival e para o Imago ‘06 – International Young Film Festival (2006); Down by Flow, Micro Audio Waves, (2007); Rock Me Tonight, Micro Audio Waves, (2007); Human, Stereo Addiction, (2009) e Ao Deus Dará, Balla, (2010).

Publicado a 6 de Junho de 2013