OS SONHOS
Curadoria > Cacao Europa
A revista Cacao Europa – Rebirth in Paris apresenta uma projeção de um filme de Laëtitia Laguzet.
OS SONHOS
Curadoria > Cacao Europa
A revista Cacao Europa – Rebirth in Paris apresenta uma projeção de um filme de Laëtitia Laguzet.
Art Stabs Power – que se vayan todos!
António Lago e Susana Chiocca; Angela Tiatia; Fernando J. Ribeiro; Filipe Marques; Hugo de Almeida Pinho; Inês Teles; Joana Gomes; Joao Vilhena; Manuel Santos Maia; José Almeida Pereira; Jorge André Catarino; Paulo Mendes; Paul Eachus e ART PROTESTERS (Alexandre Sequeira Lima, André Fradique, Beatriz Albuquerque, Brigitte Dunkel, João Aires, João Bacelar, Joao Vilhena, João Galrão, Natércia Caneira, Raquel Freire)
Curadoria Inês Valle
Nestes últimos anos Portugal tem vindo a enfrentar uma crise financeira que veem a destabilizar e questionar as fundações do sistema dito democrático. O papel do estado seria o de garantir a estabilidade do país e o bem estar da sua população. No entanto, os interesses económicos globais ainda falam mais alto que os valores éticos e morais para subservir uma união europeia, que supostamente trabalha para o bem comum, desvalorizando a identidade do país e penalizando os verdadeiros interesses nacionais. Do ponto de vista de Giorgio Agamben, vivemos um estado de excepção permanente em que o poder executivo absorveu os poderes judiciais e legislativos, mas onde se continuam a dar lições sobre a separação dos poderes. Hoje, a democracia é um déspota flutuante, ou seja, deste conceito pode se também dizer que é um significante despótico no discurso político contemporâneo: ocupa a quase totalidade do espaço ideológico e geográfico. (…)
A flutuação do significante [democracia] enquanto princípio e realidade, enquanto forma e conteúdo da política, enquanto tipo de política e tipo de sociedade ou mesmo enquanto tipo humano, forma uma estrutura complexa na hegemonia política actual, presente desde o senso comum ao discurso político-intelectual.
A entrada de Portugal na União Europeia (UE) impulsionou o desenvolvimento do país, influenciado por exigências ou investimentos provenientes da UE, bem como pela abertura económica de Portugal aos restantes Estados Membros. Produtos financeiros tóxicos em certos casos e noutros investimentos, sob a forma de Fundos, incidiram principalmente nos países menos desenvolvidos, como Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Irlanda ou Islândia.(…) Curiosamente, parte dos países referidos, são os que hoje formam os PIGS, países erroneamente aclamados como “causadores” ou catalisadores da crise económica Europeia. Mas, agora podemos levantar algumas questões: Até que ponto não terão estas políticas forçado os países a abdicar das suas principais formas de subsistência? Até que ponto não terão sido as medidas impostas pela própria UE a tornarem Portugal e os demais países subsídio-dependentes? Até que ponto não terão sido essas medidas responsáveis pelo despoletar da crise económica com que agora nos deparamos? Amigos, democracia e capitalismo não são irmãos gémeos como se quer fazer crer.
(…) o Fundo Monetário Internacional (FMI), um órgão que se “especializa” na aplicação de medidas drásticas a países que foram forçados a aceitar um pacote de pagamentos para equilibrar o seu défice. Olhando retrospectivamente para a história, a credibilidade deste órgão é deveras duvidosa… A Argentina foi uma das vítimas da aplicação de medidas impostas pelo FMI, que afundaram o país numa espiral de recessões económicas sem fim à vista. Eventualmente, foi a própria população que demonstrou a sua revolta em inúmeras e violentas manifestações que evocavam “Que se vayan todos!” (todos daqui para fora), exigindo o expurgo de todos os políticos e financeiros internacionais que colocaram o “país de joelhos”. Farta de corrupções políticas e sofrendo o impacto destrutivo da sua dívida externa, a população exigiu mais controlo sobre a sua economia nacional. (…). “A democracia é a abstração monetária como organização da pulsão de morte” escreve Alain Badiou.
(…) Similarmente, Portugal encontra-se hoje numa caótica espiral de recessão com a aplicação de sucessivas políticas de austeridade impostas à população assistindo-se a um crescente aumento de impostos e sucessivos cortes orçamentais. Os serviços públicos básicos, como a Saúde e a Educação, têm enfrentado reduções drásticas nos seus orçamentos. O Governo não deveria perpetuar uma continua usurpação direitos, como nitidamente observamos na escassez do nosso estado social. (…) Num país em que não se valoriza nem se respeita convictamente a Cultura, sendo esta encarada com superficialidade e mesmo considerada como área desnecessária à vida humana por um governo que se diz pautar por medidas democráticas, não foi com estranheza que os artistas assistiram à extinção do Ministério da Cultura e à subsequente penalização destes sectores… (…) Como Jacques Rancière afirma “os que se creem astutos podem sempre dizer que a igualdade não é mais do que o doce sonho angélico dos imbecis e das almas sensíveis… Não há serviço que se execute, não há saber que se transmita, não há autoridade que se estabeleça sem que o amo ou o mestre tenham, por pouco que seja, falado de “igual para igual” com aquele que comandam ou instruem.” Procura-se assim fugir aos perigos utópicos da ideia de uma democracia purificadora da sociedade. A enxurrada democrática é impura, não desagua no fim da política. A sua força residirá na capacidade de mobilizar a vontade de emancipação em tempos de cinismos e desilusões. Não se trata apenas nem principalmente do sonho de uma irrupção imprevisível da democracia verdadeira como “acontecimento” mas da força concreta com que esta ideia ajuda à corrente política mais ou menos subterrânea que é a política dos oprimidos. E da necessidade de avaliar esta força analisando que estratégias carrega em si, que eficácias tem tido, que efeitos contra-hegemónicos. Neste contexto a arte surge como móbil dialético de verbalização de protesto. Encoraja-se a audiência pressentir e percepcionar a realidade sociocultural em que vive para poder direcionar a sua autonomia de deliberação no meio destes contínuos jogos de poder.
EN/// In the recent times, specifically in the aftermath of the worldwide financial crisis, we have been starting to observe in the Portuguese population a shift in societal behaviours, becoming united facing the several policies of austerity imposed by international organizations. The population have been driven to the abyss’s verge, precariously surviving without any envision of a prosperous future, manifesting their frustration against the government’s decisions, which is mostly corrupt and blatantly meanders through a system of lobbies.
“ART STABS POWER – Que se vayan todos!” is an exhibition focusing on the several policies of austerity imposed to Portugal, its impacts in Society and in the Arts. Art has always remained a critical and conscious platform reflecting upon the local social and political issues that consequentially mirror global politics and international interests. Thus it explores the current interrelationships between art, activism and politics through several art projects. These projects use performance, installation, video, painting and objects as mediums of manifestation and/or reflection on the current austerity policies that have brutally impacted the lives of the Europeans and Portuguese people as well as the future of their country.
Estado de Sítio
Coletivo Tempos de Vista
Inês Teles, Joana Gomes, Margarida Mateiro, Maria Sassetti e Xana Sousa
A premissa global do coletivo Tempos de Vista é a confluência de diversas perspetivas de um mesmo Lugar, sob um olhar artístico, consciente da importância histórica e cultural que os espaços tomam na comunidade.
Praticamos uma abordagem holística do projeto, que se constrói através da interdisciplinaridade dos médios e transversalidade das referências e conteúdos conceptuais moldando-se às condições do Lugar, aos que habitam a sua periferia e à própria coletividade. Embora no presente contexto, e tendo em conta as características do espaço expositivo, pudéssemos ter explorado novas direções que não necessariamente o Lugar, reencontrámo-nos por via dos interesses individuais, numa ideia a si associada: uma noção de Espacialidade. Ou seja, abraçando este desafio, o coletivo delineou como premissa da exposição o conceito de espacialidade, na sua pluralidade. Assim, um dos seus desdobramentos inicia-se na própria geografia do espaço, explorando-se a ideia de mapeamento no sentido de encontrar as coordenadas que definem a sua geometria. Consequentemente, a esta proposição surge associado o posicionamento de um corpo no espaço, a noção de escala e a experiência sensorial.
O percurso expositivo desenha-se a partir de um diálogo sequencial entre as obras individuais, que convidam o espectador a participar, por um lado, pela atuação da sua memória corporal direta e, por outro, através do reconhecimento de elementos que despoletam memórias do foro coletivo. Estas duas noções de memória concretizam-se em dois patamares: Cinestesia, termo que nomeia o conhecimento empírico do sujeito face à ação motora necessária à sua orientação, equilíbrio e deslocação no espaço; e Sinestesia, semântica que designa a união de distintos planos sensoriais, pela atribuição linguística de adjetivos que pertencem a outros sentidos.
A proposta do coletivo vive de paralelismos e duplicidades entre os conceitos desenvolvidos, nomeadamente, da parte para o todo/do uno para o múltiplo; dos vários tempos da memória – tempo simultâneo/tempo passado; de Cinestesia e de Sinestesia; de espaço físico e de espaço simbólico-abstrato.
Nós
Curadoria de João Fonte Santa
António Caramelo, Garcia da Selva, Inez Teixeira, João Belga, João Fonte Santa, Mafalda Santos, Margarida Dias Coelho, Maria do Rosário Maia, Paulo Mendes, Pedro Amaral, Pedro Bernardo, Putas Bêbadas, Rodrigo Cotrim, São Trindade, Sara & André, Susana Gaudêncio
Nós, título citado da obra homónima do escritor soviético Yevgeny Zamyatin, que serve de referência para os romances de ficção-científica distópicos “O Admirável Mundo Novo” (Brave New World) de Aldous Huxley e “1984” de George Orwell, chama a atenção para os perigos recorrentes de uma sociedade tecnologicamente desenvolvida: alienação e híper-vigilância, mas também concentração do poder numa pequena e abusiva classe social.
Para mim, que cresci a consumir ficção-científica, estas três obras seminais serviram como uma sinalização daquilo que o futuro nunca seria… até um dia, de repente, olhar à volta e perceber que a “realidade” se tornara numa gigantesca Disneylândia, mas muito negra: uma classe possidónia tomou a caricatura por utopia e está, freneticamente, a concretizá-la.
Nós, a exposição, é o resultado-súmula de um processo levado a cabo em três outros momentos anteriores: “Rádio Europa Livre”, “O Declínio Do Mundo Pela Magia Negra” e “O Fim Da Violência” que procuraram (procuram) traçar, por um lado, uma “radiografia” do estado das coisas, e, por outro lado, demandar novas utopias e (im)possíveis iconografias para uma saída da ficção e um retorno à realidade.
João Fonte Santa
Jordi Burch | Ondjaki
“Se não me engano, faz Angola” apresenta trabalho recente do fotógrafo catalão Jordi Burch. Na Plataforma Revólver, apresenta a sua visão particular sobre o interior deste país que visitou. A exposição é realizada em parceria com escritor angolano Ondjaki, que apresenta nove poemas que dialogam e se confrontam com as dezoito imagens de Burch.
estão vivos os fantasmas
e aprenderam a
a uivar.
preparo os pés.
reinicio a caminhada.
carrego na mão
essa âncora
que ao estar no chão
me macera
o tornozelo.
evaporaram-se
as palavras
molhadas.
está nu
o meu estendal.
respiro. espero.
oxalá
que os pássaros
saibam
o caminho de volta
até mim.
Ondjaki
BIOGRAFIAS
///Jordi Burch (Barcelona, 1979)
Atualmente reside em São Paulo, Brasil.
Colabora com a Weekend Magazine do Financial Times e com o Le monde. Foi colaborador permanente da revista Grande Reportagem. Colaborou com a revista Pública (Jornal Público), Expresso, Visão e Egoísta. Tem trabalhos em publicações
internacionais, como a National Geographic, o Courrier International, a Playboy Russa e a Folha de São Paulo.
///Ondjaki (Luanda, 1977)
Licenciado em Sociologia, Ondjaki desde cedo despertou para a Literatura. Os prémios depressa apareceram. Em 2007, recebeu o “Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco” com a obra “Os da minha rua”. Na Etiópia, foi galardoado com o prémio “Grinzane for best african writer”, em 2008. No Brasil, foi vencedor do “Prémio Jabuti”, na categoria juvenil, com o livro “AvóDezanove e o segredo soviético”.
O seu livro “Os Transparentes” ganhou o “Prémio José Saramago”, em 2013.
DUDA ORIGINAL
Ibon Aranberri, Elena Bajo, Cabello-Carceller, Albert Corbí, Dora García, Daniel Jacoby, Alvaro Urbano e Pablo Valbuena
Curadoria de Andrea Rodríguez Novoa e Verónica Valentini
A Plataforma Revólver tem o prazer de apresentar no contexto da Mostra Espanha 2013, “Duda Original”, uma exposição colectiva com a curadoria de Andrea Rodríguez Novoa e Verónica Valentini. A exposição apresenta oito artistas maioritariamente espanhóis, todos nascidos a partir de metade dos anos sessenta, que se irão encontrar na Plataforma Revólver, em Lisboa, para apresentarem um novo trabalho site specific.
A proximidade entre a pesquisa artística e científica é cada vez mais evidente depois do longo afastamento entre as duas disciplinas na época moderna. Poderíamos extrapolar e discutir um certo método artístico fazendo eco das estratégias que têm sido implementadas e aplicadas nos diversos campos científicos. O projeto expositivo Duda Original reflete sobre a prática contemporânea, tanto do artista como do comissário, que usa a investigação e a dúvida como um valor e resultado, como metodologia de trabalho. A exposição explora a abordagem crítica do artista no desenvolvimento e produção de uma proposta aberta a novos significados, modos de pensar e de transmissão de conhecimento, como dinâmicas susceptíveis de criar um novo espaço de dúvida e questionamento com o público.
A exposição é acompanhada por um catálogo produzido pela Plataforma Revólver.
DEAR STORIES
Alexandre Almeida, Ângela Berlinde, Inês d’Orey, José Bacelar, Luísa Ferreira, Mireille Loup, Monika Merva, Paulo Catrica, Tito Mouraz e Valter Vinagre
A exposição Dear Stories foi concebida na sequência de um convite do Museu da Imagem de Braga junto da Dear Sir – Agência de Fotografia de Autor. Esteve em exposição de Março a Maio de 2013 e é apresentada agora na Plataforma Revólver.
A Dear Sir, como agência, pretende aproximar de uma forma continuada a expressão fotográfica de autor junto do mundo empresarial e institucional. Paralelamente, incentiva o coleccionismo fotográfico, não só através da divulgação dos autores que representa, mas também com a publicação de obras de edição limitada com reconhecido valor no mercado.
“Dear Stories corporiza um conjunto de dez histórias de outros tantos autores. Melhor dizendo, o preâmbulo de narrativas individuais que constituem extractos de séries de cada um dos autores. Cada conjunto de imagens introduz uma ficção que pode ser reescrita e continuada por cada espectador e que, de alguma maneira, revela a ambiguidade, mas ao
mesmo tempo, a riqueza do suporte fotográfico.
Numa época em que vivemos mergulhados num mundo de imagens e em que a construção fotográfica se tornou mais democrática do que nunca, acreditamos que a Dear Sir traz a público aquilo que consideramos um importante conjunto de fotografias que contribuem para uma enriquecida reflexão em torno dos discursos visuais da actualidade”.
Rui Prata
Várias são as definições para fotografia de autor. Na Dear Sir interessa-nos a que legitima um fotógrafo no seu percurso, nos seus projetos, na forma como através da fotografia nos transmite a sua visão do mundo, com a sua estética e dimensão artística. Cada artista apresentado conta-nos de si, através de imagens extraídas de projetos autorais de cada um. Numa exposição coletiva deixamos histórias, únicas, convidando o público a ver em cada autor uma mensagem que invoca o diálogo entre os dois: artista e espectador. São 10 exposições, são 10 histórias, 10 Dear Stories.
Alexandra Sousa
Dive in
António Caramelo, Fabrizio Matos, Gustavo Sumpta, João Fonte Santa, Jorge Feijão, Luís Alegre, Inez Teixeira, Pedro Cabral Santo, Rui Toscano, São Trindade e Tiago Duarte
Curadoria victor pinto da fonseca
Imaginação é o veículo da sensibilidade. Transportados pela imaginação (efectiva), alcançamos a vida, a própria vida que é a arte absolute. Yves Klein
Dive in parte da obra “Le saut dans le vide” (1960) de Yves Klein; da intenção de invocar a ideia que a arte transporta um ideal de liberdade, fundado no saber, no conhecimento, na experiência, no rigor e na beleza que nos permite imaginar um mundo melhor. Desde as suas origens, a arte tem sido o elemento regenerador de toda a cultura, razão para que o tempo presente deva ter uma relação necessária e vital com a arte.
A exposição decorre do actual contexto de precaridade e empobrecimento: é uma construção conceptual – associada à ideia de liberdade e à ideia de autonomia em sentido amplo. A temática -elástica na sua aplicação- pretende transpôr para a exposição um conceito de reflexão analítico, manifesto privado, revelação do momento actual, da necessidade de se reactivar a imaginação e a sensibilidade.
Dive in nutre-se também do pensamento de Franco Biffo Berardi , filósofo italiano, que considera a noção de recuperação económica uma completa mitologia nas circunstâncias socio-económicas actuais.
Para Biffo a crise actual é algo mais fundamental que uma crise económica, é essencialmente a crise da imaginação social e requer uma nova atitude, um modo de reactivarmos a sensibilidade (sensibilidade é o talento intelectual para percebermos o que não pode ser verbalizado e é vitima da precaridade e fragmentação do tempo actual).
Escreve Franco Berardi: “Eu não quero dizer que devêssemos opor uma acção estética ao poder do capital. Não sou tão ingénuo. (…) Estou à procura (mas ainda não encontrei a resposta), de uma forma eficaz para destruir o poder opressivo, depressivo e empobrecedor do capitalismo financeiro, que se baseia essencialmente na submissão da sociedade. Por que razão a sociedade se submeteu tão facilmente? Esta é a questão que tem que ser explicada e compreendida. As pessoas sabem que os bancos estão a destruir as suas vidas. Nem toda a gente compreende isto, mas uma grande parte da sociedade sabe-o. As pessoas sabem mas são incapazes de alterar o automatismo das suas vidas diárias. Têm crianças e porque é que as pessoas têm crianças? Ora aí está algo que não compreendo; as pessoas precisam de comprar um automóvel e enche-lo com gasolina, precisam de dinheiro porque só o dinheiro compra estas coisas. São obrigados a aceitar a chantagem e isto vai modelando lentamente as suas mentalidades, as suas sensibilidades, as suas expectativas. Por isso as pessoas tentam não pensar naquilo que sabem. O capitalismo está a destruir as suas vidas, porque estas são as únicas vidas que são capazes de imaginar e viver.
O problema é que o capitalismo contemporâneo não pode ser alterado mudando as leis. Não só os políticos são intrinsecamente corruptos – se queres ter poder, precisas de dinheiro, tens que ser suportado pelos grandes media e por aí fora – como a máquina da decisão política é incapaz de mudar o automatismo do dia a dia. Só mudando coisas como a nossa expectativa ou a nossa forma de viver na cidade pode desgastar o poder do capital. Para mudarmos o dia a dia precisamos de solidariedade mas a solidariedade foi destruída pela precariedade e competição.
O problema é a autonomia – a capacidade actual para nos desviarmos dos automatismos que suportam e favorecem o poder. Eu penso que autonomia só é possível quando as pessoas se tornam capazes de mudar as suas vidas diariamente – cortando os links da dependência ao consumo e do abuso da boa-fé, por exemplo. Mas não tenho a certeza que possamos ter êxito criando uma frente efectiva de resistência, porque a dissolução da força trabalhadora não tem sido um problema de organização mas sim um problema das expectativas culturais e formas de vida.
De qualquer modo, agora é tarde: a tempestade está aí e nós não temos abrigo”.
Dive in foi concebida para artistas implicados socialmente de uma auspiciosa generosidade para o que aí vem; partilham consistentes percursos artísticos e backgrounds culturais. Mais importante, artistas capazes de determinarem novas formas de como olharmos o mundo com importância, com mais interesse, com uma nova atitude.
A exposição evita a imposição narrativa, a habitual dependência curatorial em não pensar em mais nada que não o aspecto físico das obras que mencione o tema concretamente.
A exposição funciona como ideia – devendo aparecer naturalmente ao espectador, ele mesmo regula o efeito desejado; uma vez li uma entrevista com Marcel Duchamp realizada na época em que construiu “Large Glass” (1915-23) e em que Duchamp referia que nesse tempo a 4a dimensão era um tópico na filosofia e o ponto era encontrar essa 4a dimensão. Dive in poderá ser a mesma coisa.
Lisboa, Setembro 2013
victor pinto da fonseca
ALÉM MARGEM(S)
Délio Jasse, Eustáquio Neves, Francisco Vidal, Kiluanji Kia Henda, Mauro Pinto e Mónica Miranda
Curadoria de André Cunha e Carlos Alcobia
“O malabarista é uma síntese do conceito de território. É alguém que administra três objectos num território para apenas dois.”
Cildo Meireles
Caminhando sucessivamente entre margem e centro, esse malabarista é um indivíduo em permanente transgressão. Opta por habitar territórios em disputa, criando movimentos nascidos no dissenso, e ensaiando essa transgressão. Nas suas mãos os elementos não repousam, mantendo-se em constante movimento e permanentemente reequacionando as relações que estabelecem entre si. “Além margem(s)” pretende evidenciar a importância da transgressão na síntese do conceito de território. Sintetizar esse conceito é, antes de mais, questionar uma só perspectiva, quando efectuada a partir de um centro, e forçando-a a outros deslocamentos que emanem também das margens. Os trabalhos aqui reunidos trazem-nos outros olhares, outras perspectivas, outros caminhos. Um trânsito construído por objectos, que enquanto circulam por entre as mãos do malabarista nos permitem alcançar outro entendimento sobre o conceito de território.
“Da adversidade vivemos!”
Hélio Oiticica
Em Além Margem(s) abordam-se também estratégias de resistência. Ser-se contra, visceralmente contra, mesmo quando nos confrontamos com a necessidade de se viver junto em regimes de precariedade. Resistência inerente a algo que ensaiando um movimento de fora para dentro força um confronto. Resistência a partir da qual o artista se torna o malabarista de Cildo Meireles, e num espaço onde cabem dois elementos ele procura sucessivamente introduzir um terceiro, um quarto, um quinto…
Délio Jasse, Eustáquio Neves, Francisco Vidal, Kiluanji Kia Henda, Mauro Pinto e Mónica Miranda, são os artistas convidados a criar e transformar este projecto expositivo, que conta ainda com concepção e curadoria de Carlos Alcobia e André Cunha, e produção de Paula Nascimento e Andreia Páscoa.
www.xerem.org
Ana Filipa Garcia, Anabela Bravo, Conceição Abreu, Fernando Fadigas, Filipa Cordeiro, Luísa Baeta, Paula Nobre, Sandra Henriques, Teresa Cortez
Curadoria victor pinto da fonseca e pedro cabral santo
6749/010.013
O título escolhido para a exposição recupera o código de uma contingência que juntou nove artistas num tempo e num lugar, voltando a juntá-los na contingência de outro tempo e outro lugar. Ainda que nada esclareça sobre os enigmas trazidos por cada autor a esta exposição, o código é um sistema convencionado de sinais reconhecíveis e por isso define, como propõe Roman Jakobson, o sistema em que eles se revelam e o título anuncia.
O primeiro tempo corresponde aos anos lectivos de 2010 a 2013 (010.013) e o primeiro lugar é a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, mais concretamente o Mestrado de Arte Multimédia da mesma faculdade (6749). O segundo tempo é o tempo da exposição destes nove artistas, agora Mestres, que concluíram com sucesso as suas investigações teórico-artísticas, sendo o segundo lugar a Plataforma Revólver que, pela segunda vez e no que à faculdade diz respeito, acolhe um projecto desta natureza.
A Era dos Falsos Profetas, de Filipa Cordeiro, é o título de um conjunto de peças realizadas por diversos processos de apropriação, entre 2010 e 2012, no que a autora designa por uma expedição arqueológica à banalidade de um quotidiano imobilizado na sua contínua e aparente mudança, onde o nada acontece como não-acontecimento nas localidades colonizadas (deslocalizadas) pela cultura global.
É na procura dos indícios das origens sem história, mas antropologicamente significantes, que a artista se torna arqueóloga, ser da linguagem que só nela existe para reorganizar os fragmentos do mundo – as suas ficções – ficcionando-o a partir de uma subjectividade (a sua) que o integra e lhe imprime a estranheza no que lhe é familiar. Nessas sucessivas operações de (re-)significação, o movimento é o da deslocalização das imagens e das palavras que pairam sem aqui e sem agora, significantes flutuantes, como os entendeu Lévi-Strauss, à procura de um lugar, i.e., de uma significação.
Mas, tal como as que a antecedem ou que com ela coexistem, essa significação, voluntariamente posta em causa enquanto verdade ou milagre convencionalmente operados pelas práticas artísticas, é ainda ironizada na frase que intitula o conjunto de peças presentes na exposição. A Era dos Falsos Profetas é fundamentalmente um convite ao abandono das falsas profecias que sustentam o estado do mundo e um convite à errância pela dimensão poética da sua banalidade.
Nas Asas de um Colibri intitula o vídeo de Ana Filipa Garcia, construído a partir de um filme caseiro, em Super 8, do casamento dos pais e das espectativas mantidas pela sua invisibilidade no tempo assombrado do presente.
Dividido em três capítulos, o vídeo associa a nitidez do que se pretende fetiche à indeterminação do que só pode aparecer como fantasmagoria e que nada mais é do que a própria realidade. É assim que o desenrolar da película de uma bobina acompanhado pela cadência do bater de um coração, que é afinal o som produzido pelo projector a trabalhar, convive com a imagem impossível do casamento que é o que na imagem não se mostra, ou o que ela não mostra, o para-além-de-si, o que a afasta de si para que ela possa ser o que é, a différance teorizada por Jacques Derrida que, neste vídeo, se manifesta nos espectadores que assistem às imagens ausentes e em todas as perdas a que elas aludem, apenas pressentidas na sua errância sempre temporariamente alojada numa significação provisória.
Se dar a ver o que não se vê é o primeiro desígnio da imagem, a invisibilidade e a ausência são o que ela encena também na soturnidade do voo onírico que acontece entre a casa e a impermanência dos lugares imaginados e de novo a volta a casa por ser ela que abriga o devaneio, nos termos de Bachelard, e é a ela que se volta para revisitar a dimensão onírica do que aí permanece, feita de lembranças e desejos, fantasmas e fantasias.
Estar entre é estar em movimento, não seguir com os olhos o voo do colibri mas ser o colibri que voa, esse pássaro da fantasia, cujas asas batem tão rapidamente que deixam de se ver, mantendo-o parado no ar ou deslocando-o a uma velocidade imperceptível que o torna invisível no seu voo. É ele que Ana Filipa Garcia usa como metáfora num filme que conta a história de uma história e o que a elas falta para poder ser contada como a história a que assistimos.
Numa discreta ressonância do poema homónimo de Sá-Carneiro, Teresa Cortez escolheu Quase para título da sua peça site-specific, uma interminável animação instalada no espaço a que se propaga fazendo com que entrar no espaço implique estar dentro do desenho ouvindo-o a fazer-se no som do lápis que risca sobre a textura das paredes.
‘Quase’ é sempre presente e o presente é o tempo de uma obra que imperceptivelmente se renova perante os nossos olhos incapazes de reconstituir um princípio e um fim, reféns de um entretanto que é o infinito do presente e o infinito do espaço que o movimento vai criando em cada traço, como é próprio do rizoma, tal como o definiram Deleuze e Guattari.
Nesse sentido, o espaço é tanto o desenho em movimento como o movimento que o desenho lhe imprime em todas as direcções, animando-o (entretanto) num ritmo de ruídos gráficos que o som amplifica no intervalo entre as imagens (entre-tanto). Ser presente é assim entrar no infinito da imagem que se anima (um organismo quase), fazendo parte do movimento (da renovação) que ele imprime ao espaço. E se entretanto a imagem é a segunda pele da parede, é pelo intervalo entre-tanto que o observador se esgueira para ser presente ao acto da sua unificação.
«Quase o princípio e o fim – quase a expansão …» é um verso do poema de Sá-Carneiro que Teresa Cortez utiliza como epígrafe de um dos capítulos da sua dissertação. Tão relevantes como o que enunciam são as reticências que ligam todos os versos deste poema, ou os de Walt Whitman, que a autora também convoca no seu trabalho. Porque neste contexto elas são simultaneamente a marca do infinito do sentido como o sinal gráfico de tudo o que fica por dizer.
Sem Pés nem Cabeça e Corpo de Imagem são as duas peças que Sandra Henriques selecionou de um imenso conjunto de Experiências genericamente intitulado A Árvore dos Estapafúrdios, numa reminiscência da série televisiva que via na sua infância.
No argumento destas peças, um vídeo e duas fotografias impressas em papel vegetal, a existência de um corpo é entendida como uma passagem à qual um ininterrupto movimento imprime três estádios: formação, transformação e destruição. Mas o próprio corpo é aqui considerado como uma pele, sendo a pele um corpo de imagem que existe na estratificação das suas imagens. Quando, no processo de transformação, as imagens são excessivas, o corpo fica exposto a um processo de entropia que o desestratifica até ele se converter, por um máximo de acumulação, num sem corpo – matéria indiferenciada, desclassificada, informe, como Bataille a denomina, inominável, nas palavras de Beckett, para referir a turbulência que impede a correspondência entre um significante e um corpo, pondo em causa todos os nomes e fazendo-nos duvidar da existência de todos os corpos.
Imprevisibilidade, descontrolo, entropia e excesso são os quatro conceitos que operacionalizam estas peças nas quais o corpo, tendendo para a desordem do que não tem nome ou forma, se dilui na sua matéria / imagem. Um sem corpo, Sem Pés nem Cabeça, onde as imagens, no tempo de um frame, desfilam à velocidade de 25 frames por segundo ou, como acontece em Corpo de Imagem, um corpo esmagado de um lagarto, de um pombo ou de pimentos assados, que permanece suspenso e remendado nas várias imagens que o reconstituem, dificilmente reconhecível, quase desclassificado, quase inominável.
Janela I e Rio são duas das quatro peças que Luísa Baeta realizou no âmbito do mestrado, às quais deu o título genérico Long Piece para se interrogar sobre o que é longo no tempo de uma imagem.
O lugar é uma casa de família e um rio, filmados ao longo de dois anos. A interrogação estrutura-se em torno das operações sobre a imagem (vídeo e fotografia) e do tempo que ela cria, que é o tempo da memória, o tempo de um momento que lhe é irredutível por ser fundamentalmente o conjunto de sensações que provoca no observador. A partir das três figuras do esquecimento enunciadas por Marc Augé: o retorno (neste caso, a um lugar), a suspensão (do tempo contido nos planos do vídeo e nas fotografias, mas também o tempo das gerações numa família) e o recomeço (da relação com o lugar e a sua imagem), Luísa Baeta faz do tempo um palimpsesto de espaços e do tempo longo um tempo sintético onde a extensão do espaço se transforma em densidade temporal, por sua vez alongada na espacialidade da imagem actualizada no tempo em que nos convoca.
O tempo tanto é o da fotografia que surge como um intruso na extensão da imagem vídeo e na cadência da sua repetição, como é uma subtil mudança nesta imagem, quase sempre surpreendida tarde demais. É o tempo real, o tempo das horas do dia e da sua acção sobre a paisagem e os lugares, o tempo vivido da contemplação, eliminadas que são as razões da velocidade e da acção, o tempo interminável.
A imagem é esquecimento do tempo que passa para poder ser recordação do tempo que foi e nela está contido. E é preciso fechar os olhos para continuar a vê-la, para fugir à cegueira do que se olha insistentemente e se deixa de ver, como acontece em Janela I.
Símbolo da passagem do tempo, o rio não consente que nos banhemos duas vezes nas mesmas águas. Mas no tempo de Rio, um tempo de águas paradas, a paisagem escondida pelo nevoeiro é a paisagem do tempo longo, a paisagem que se imagina ouvindo o som dos seus tempos e que subitamente emerge como uma aparição para a ele voltar imperceptivelmente, até começar tudo de novo.
Paula Nobre expõe um conjunto de fotografias de uma longa série produzida nos fins-de-semana ao longo de dezoito meses consecutivos, a que deu o título Lugares-comuns: a Fotografia como lugar de afectos.
Nesta obra, o artista é entendido como um semiólogo que aborda a questão do sentido dos sistemas sígnicos a partir do afecto subjacente às artes de fazer o quotidiano, como as designa Michel de Certeau. Neste caso, essas artes consubstanciam-se nas práticas culinárias de uma família, aqui aparecendo como definidoras de um retrato do pai e da mãe, absorvidos nos gestos rotineiros da preparação dos alimentos, e de um lugar, a casa, o lugar-comum, o lugar comum a todos os que a habitam, que é tanto o lugar da comunicação e da partilha (o lugar que torna comum), como o da Fotografia (o lugar dos afectos) e das fantasmagorias da imagem fotográfica (o lugar dos sentidos e das sensações que eles arrastam) mas, sobretudo, o lugar do inconsciente óptico a que a câmara nos conduz, de que fala Walter Benjamin, o lugar que vem para re-significar a experiência do quotidiano, revelando-o a partir do que o coração sente e os olhos não vêem, ou se vêem a visão é incapaz de processar.
Comum ao retrato e ao lugar na indiscernibilidade que os define – retrato e natureza-morta –, este lugar-comum é ainda o lugar da reduzida profundidade de campo e da ambiguidade do espaço abreviado no vestígio do gesto que o ocupou e onde os vestígios, para além das suas circunstâncias, resgatam para o plano dos sentidos e das sensações, agora do observador, os afectos de que é investido o quotidiano.
For life to go Exactly as Planned intitula o conjunto de peças que Anabela Bravo traz a esta exposição. Uma colecção de 610 dados, que teve início em Abril de 2011 sendo dada por terminada em Outubro de 2012, um catálogo concebido no formato de um dado cúbico que contém todos os outros, e um conjunto de 36 mapas obtidos por ligações de expressão linear tão arbitrárias como essenciais.
Cada um dos dados foi lançado sobre uma folha de papel com dois metros de altura por três metros de comprimento para que o mapa pudesse ser rigoroso. O lugar em que cada dado caiu foi marcado com a cota que lhe corresponde e a face que ficou virada para cima. Cada mapa é o resultado de uma selecção do mapa maior (por local de compra, por cor, pela forma das faces, pelo peso, pelo tamanho do lado maior, pelo tipo de material), num total de trinta e seis mapas (trinta e seis desenhos ou trinta e seis padrões), resultantes da ligação de cada ponto a todos os outros, segundo os princípios de conexão e heterogeneidade esclarecidos por Deleuze e Guattari no contexto da definição de rizoma.
É um desses mapas desenhado a grafite na parede que vemos agora, bem como a colecção, à qual foram apenas subtraídos os dados utilizados na construção do mapa, e o catálogo.
Acaso e jogo são os conceitos que tutelam esta obra, ambos convergentes num terceiro conceito – alea, proposto por Roger Caillois para designar o conjunto de jogos em que o poder de decisão do jogador é mínimo e o poder do acaso é máximo. No entendimento de uma produção artística que delega na experiência e no acaso os seus resultados, associando a colecção a um mapa ou a uma rede de informação que não a esgota, mesmo que caiba ao catálogo a função de a encerrar, no duplo sentido de terminar e conter, Anabela Bravo é o último termo da sua colecção, ela que é uma menina com uma líbido enorme que deseja apenas conquistar o mundo.
Partindo do pressuposto que um agradecimento é simultaneamente um acto de reconhecimento e de gratidão, em meu nome e em nome da faculdade, resta-me agradecer a este grupo de artistas, ao qual se juntam Conceição Abreu e Fernando Fadigas, a qualidade do trabalho que desenvolveram e, talvez mais importante que isso, a qualidade humana com que souberam habitar o código 6749/010.013.
Maria João Gamito