21
Nov
a
31
Dez

homem de lama revisitado, 2008, faiança policromada, 31x30x30 cm

homem de lama revisitado, 2008, faiança policromada, 31x30x30 cm

O encontro amoroso de Cioran com Nancy Sinatra.

O filósofo e escritor romeno E.M.Cioran, tido com o último grande nome do pensamento trágico pessimista, escreveu que “ao que parece, o homem se deu os deuses por uma necessidade de se ver protegido, garantido – na realidade, por uma gana de sofrer. Desde que acreditou na sua multiplicidade, abriu espaço para uma liberdade de escolha, para evasões. Na sequência, limitando-se a um deus, passou a ser afligido por um suplemento de amarras e embaraços. Certamente não há outro animal que se ame e se odeie tanto, até o limite do vício, e que se daria o luxo de uma sujeição tão pesada. Quanta crueldade para com nós mesmos – unir forças com o grande Espectro e fundir o nosso fardo ao Dele! O único Deus torna a vida irrespirável” [i]. Essa pérola de humor da auto-comiseração poderia ser uma introdução a um ensaio sobre o pessimismo, revogando ideias desde a antiguidade de Diógenes, o cínico, até a filosofia trágico moral da tríade Schopenhauer, Nietzsche e Kiekegaard, para encerrar exactamente nas ideias desse último grande pessimista do século XX. Sua máxima “todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem?” é, por si, uma exegese ao carpe diem.

Mas não se trata aqui de tecer elogios ao pessimismo, mas justamente o contrário disso: rir-se dele. Dito desta maneira, o curioso título “Três novas esculturas pessimistas, e uma não tão nova” poderia ser definido como uma 2ª parte das especulações filosóficas de Tiago Carneiro da Cunha. Neste entender a 1ª parte seria “Minha contribuição para a cultura e a natureza, título do catálogo da sua anterior mostra, afinal um título é enunciado daquilo que se pretende, ou não é? De todas as formas, ambos os títulos e ambas mostras trazem a violência como tema (ou motivação?) de um processo quase inalienável na civilização. ´É claro que sempre pode-se elaborar uma tese filosófica, sociológica ou psicanalítica sobre o “homo homini lupus”. Sim, existe um mito de que a violência está vinculada à animalidade e a natureza primitiva humana. Se assim o fosse, a anti-violência jamais chegaria a ser uma linguagem e estaria fadada a ser prisioneira eterna do grito inarticulado do canibal. Segundo o mito, a própria natureza implica em violência, e os seres humanos vivem ainda, pelo menos em sua maioria, no estado violento de natureza. Mas se o mito aborda os seres humanos, o que se tem de facto em mente é uma parte da humanidade e não sua totalidade? O mito da humanidade violenta desenvolveu-se ao longo da história das civilizações, e animou até mesmo projectos utópicos humanistas, afinal quantas mortes resultaram na aplicação de políticas de renovação? Não um lobo na pele de cordeiro, mas sim um primata movido ao instinto desenfreado e com uma ferramenta, seja um tacape[ii], uma faca, um porrete, uma arma qualquer, na mão. Nesta perspectiva somos todos primatas, afinal. Mas a cultura sobrepõe-se a natureza e dominamos nossos instintos mais selvagens para gerar uma outra história possível. Como a arte que transforma a violência em simbolismo. O macaco seria um simbolismo e não um índice da violência.

Vejamos que o macaco (ou o primata) é uma figura dominante na obra de TCC, ao aparecer sob as mais diversas formas: buda, homem com sombreiro, esfinge, etc… Penso que sua mais singular aparição é a do homem-macaco no vídeo Low attention span / high curiosity rate’ (portrait of Peter Elliot (40´). Neste exercício estilístico de interpretação, o artista estava interessado na aparente contradição da função do artista como um ‘especialista’, algo que exige alta atenção, em representar um estado de ‘baixa atenção’, numa analogia directa e declarada da referência ao videoarte nos anos 60/70) com as artes plásticas. Para ele era, em certa medida, uma espécie de mapeamento de alguns limites das suas próprias ambições românticas de exibir um artista ‘possuído’, em transe mediúnico, catártico[iii]. Mas por que o macaco? “Mas o macaco tem também essa mistura de humor, sacanagem e violência. E também trópicos, de terceiro mundo, que somo nós aqui no Brasil. De toda maneira não são só macacos: tem mendigos, bandidos e policiais também. Suponho que o meu jeito de entender o humanismo é curtir o mínimo denominador comum”[iv]. Apesar de não estar na mostra “Três novas esculturas pessimistas, e uma não tão recente”, o macaco é recordado na postura animalesca de algumas figuras que apresenta.

A mostra inicia-se com uma figura de convite: Bandido, cristal rosa (2005-2008). Pertencente a série de esculturas em resina de poliéster, material que utilizou na totalidade dos seus macacos. O altivo cavaleiro tem a pose dos bandidos das favelas cariocas; ou quem sabe é um revolucionário chiapa sob o comando do Capitão Marcos, ou é mais um “mártir” de um gang da Jihad. O bandido é para nós, contudo, uma figura simpática e graciosa e parece não oferecer perigo. Sendo a “uma não tão nova”, esta obra é o elo entre o passado e o presente de novas modalidades de meios para o artista. É que a manipulação das formas é algo deveras importantes para TCC tal qual o tema. Para ele existe uma manipulação das formas que está implícita na obra, uma pesquisa formal que é justamente a parte que requer uma atenção alta, pois requer muita artesania. “A ironia levada a loucura da série facetada (dos macacos e máscaras) era tentar desenvolver uma linguagem formal completamente imbuída de acidez crítica, para no fundo afirmar que o cubismo realmente realista é aquele que denuncia este objecto (a escultura), que ele é um artesanato de luxo, metido a falar de grandes temas, e que vai ser vendido e especulado como qualquer outro objecto. Essa última frase também tem um elo com a questão formal pois existe uma tentativa de estabelecer uma equivalência das coisas, dos temas, seja o policial, o bandido, o mendigo, o macaco, etc…, isso porque todos entram nessa pesquisa formal meio ensandecida, que neste último ano passou gradualmente das pesquisas com facetas para explorações mais profundas com faiança, na qual agora está misturando dedadas e facetas para criar vários tipos de “ilusões”, i.e. a ilusão de lama, ou de fogo e fumaça no microondas. Porque quanto mais uma vez acredito que a mensagem maior também sendo passada através da forma, e não dos temas. Penso bastante numa frase que li na biografia do Philip Guston e que acho bastante coerente. Ele diz que o desafio pessoal dele era desenhar um sapato, pois se conseguisse fazer que algo tão chato como um sapato ficasse interessante, então teria tido real sucesso na empreitada artística” [v].

Das explorações mais profundas na faiança surgem a nova série de trabalhos, onde uma mistura de imagens que vão se formando e ganham depois cores psicadélicas. Das tais “Três novas esculturas pessimistas”, O Homem da lama revisitado (2008), o Manequinho e microondas e a Composição Luso-brasileira (2008), o humor ainda é a parte mais visível do tema onde as referências são singulares e é preciso desvenda-las, pois a violência continua lá, a espreitar-nos. A Composição Luso-brasileira é um pequeno souvenir de viagem que mergulha fundo as raízes da formação brasileira. Um soldado quinhentista esborracha a face de uma índia numa cena grotesca. O detalhe que a ferramenta da agressão é ao mesmo tempo bastão e seu falo. Chocados? Pois bem que tal uma espreitada detalhada nas gravuras de Debret e nas esculturas de Bordalo Pinheiro? No entanto a violência é amenizada pelo lado sexual explícito na acção. A ingenuidade nunca foi a arte dos inteligentes, mas sim a ironia. O Homem da lama revisitado é uma peça que lida com tempo e imprevisibilidade. Uma figura expressionista de boca aberta que emerge da lama que molda seu corpo. Ou será o contrário? Não sabemos, TCC deixa para nós essa escolha. Há ecos de biscuit rococó vienense, do expressionismo das figuras angustiadas de Emil Nolde, da crónica social de Bordalo Pinheiro, da saturação da imagem “jeffkoonsiana”, do informe de Lucio Fontana. O seu Manequinho e microondas é a sua interpretação da famosa escultura manekkenpis, símbolo de Bruxelas. Mas é também uma aproximação fisionómica com o Manequinho que enfeita a entrada do clube de futebol Botafogo, no bairro do mesmo nome na cidade do Rio de Janeiro. Ou melhor, a reinterpretação que o artista empresta a peça ao evidenciar na figura a cabeça enrolada com uma camisa, como os traficantes das favelas cariocas, quando não querem que seus rostos sejam expostos. Há uma intenção do desafio do Manequinho pois enfia a cabeça numa pilha de rodas de carro, uma alusão ao forno crematório de cadáveres (presuntos, na gíria local) utilizado pelos traficantes que recebe o nome de “microondas”.

A razão temática de TCC pode ser a violência, o sexo, a dominação, o mundo falo cêntrico, que fazem mover as acções das suas figuras habitantes do seu mundo, i.e. os macacos, as caveiras, os bandidos, as índias, os soldados, associadas aos diamantes, as máscaras, as pranchas de surf que mais parecem totens ou máscaras vudu, tornam-se um espectáculo de humor e cinismo. “O humor levado até a loucura, parece ser um dos poucos jeitos que meu lado ‘humanista’ consegue lidar com a loucura violenta da realidade. Hoje em dia eu não me preocupo tanto com o facto de a violência estar ligada a origem da cultura quanto o facto de ser parte integral dela. Afinal a violência está ai, por todo lado, sendo perpetrada constantemente, em todo lugar. Então o meu lado humanista me diz que eu devo resgatar essa função “debretiana”, “bordalliana”, da arte de explicitar a violência quotidiana com humor, pois ambos o fizeram com um humor ácido, tragicómico. Por outro lado, o meu lado místico, i.e. não antropocêntrico acha isso maravilhoso, pois de uma perspectiva mística, a violência é tão parte do mistério da criação quanto outra parte da existência. Eu queria misturar esses dois lados no trabalho. Enfim, é também pelo humor que vejo essa minha insistência em títulos redundantes. Eu queria fazer ícones iconoclastas, estatuetas que tenham um mínimo de auto-análise e saibam que fazem parte de um sistema corrupto e cínico, que vai absorve-las para transformá-las em ídolos falsos. Tem esse meu lado moralista que é um saco… mais uma vez é minha tentativa de ser realista” [vi].

Para TCC elas são essencialmente uma maneira de exorcismo de questões como especulação, capital, ambiguidade da obra de arte, falsos valores, originalidade. O seu caldeirão antropofágico cabe um pouco da cultura de rua do Rio de Janeiro, um pouco da história (nossa) luso-brasileira, a escultura (crítica) de Jeff Koons, o inacabado (puro) de Lucio Fontana, a escultura popular e os estímulos visuais oriundos do mundo em frenesi – vide as notícias de guerra que inundam as TV e jornais, as descobertas científicas e arqueológicas, o acelerador de partículas, os novos peitos da pin-ups de Hollywood, o mito do bandido herói no cinema latino-americano, as guerreiras assassinas na banda desenhada de Crumb, as louras do western pop de Tarantino ou Nancy Sintra a cantar docemente “Bang bang, my baby shoot me down…”. “Três novas esculturas pessimistas, e uma não tão nova” seria o encontro amoroso de Cioran com Nancy Sinatra, afinal baby, “só dói quando eu rio”[vii].

Paulo Reis

 

[i] Tradução livre de um extracto do livro Cahiers, Paris: Gallimard, 1997.

[ii] Porrete usado pelos índios brasileiros.

[iii] Depoimento do artista.

[iv] Em conversa com o artista Luiz Zerbini, publicado no catálogo Minha contribuição para a cultura e a natureza. Vol. 1- São Paulo: Galeria Fortes Vilaça, 2006-2007.

[v] Depoimento do artista.

[vi] idem.

[vii] Citação da letra Valsa do Maracanã, de Paulo Emílio e Aldir Blanc.

Publicado a 21 de Novembro de 2008

21
Nov
a
31
Dez
Sandra Cinto, cavalo-marinho, 2008, caneta permanente e pintura sobre fibra, dimensoes variaveis

Sandra Cinto, cavalo-marinho, 2008, caneta permanente e pintura sobre fibra, dimensoes variaveis

Artistas: Diogo Pimentão, Gonçalo Sena, Maria Laet, Nuno Ramalho, Pedro Gomes, Sandra Cinto, Rachel Korman, Rosana Ricalde, Rui Horta Pereira
Comissário: Paulo Reis

Caro voyeur,

Se sente-se atraído para achar algo de literal nesta mostra, insisto que ficará desapontado. Contudo se pretende encontrar o encantamento que o filme de Peter Greenaway suscita, o Contracto do desenhista apresenta-se como uma proposta tentadora. Como também o foi para mim o desafio ao solicitar a cada artista que criasse uma obra especialmente para o espaço, envolvendo algumas considerações apontadas pelo realizador no referido filme. Afirmo que a ideia da visualidade aqui pretendida não se supõe literal, mas sim indicial de algumas situações sugeridas pelo autor. O que se põe em questão neste jogo são os valores da ciência, da moral, da sexualidade, da religião, do poder e, finalmente, da capacidade humana em contrariar expectativas. Uma ligação perigosa que desenrola-se através do olhar arguto de cada artista. Na acção do filme, a encomenda do trabalho é derivada da provocação para que ele – artista – mostre seus dotes e imprima sua versão da história que acontece a luz dos factos.

Como em toda cinematografia de PG, a dualidade vida e morte é representada por cenas alternadas de finitude seguidas por de nascimentos. Toda simbologia dos números, da ornitologia, da astrologia, temas e obsessões do autor são constantemente evocados. Os números, em especial, são os marcadores do tempo, das encomendas, das situações narrativas, das mortes, das frases e do timecode. A cinematografia de PG é um desafio ao intelecto, repleto de puzzles intrigantes que obrigam ao espectador, através de pistas e vestígios, a uma investigação a história, a ciência, a história da arte e a filosofia. O corpo ocupa o lugar central neste jogo, sendo pois a chave para a compreensão do jogo ao ocupar o lugar de destaque no seu glossário visual. Para PG quando o corpo está nu é sereno, quando vestido é pesado de culpa e de vergonha, pois a roupa é o mais forte artefacto cultural.

O excesso de exposição do corpo leva ao canibalismo – metaforicamente em The pillow book e literalmente em The cook, the thief, his wife and her lover – numa alusão à moral excessiva proveniente da tradição cristã, como sugere o autor. O consumismo capitalista e o cristianismo têm a mesma sinalética de metáfora do consumo do corpo. Para o realizador, ele atravessa todos os tempos, todas as culturas e identidades e representa o Eu físico. Afinal todos os seres têm na sua exterioridade uma forma de filtrar a imagem interior. As interpretações variam, os rituais mudam, mas o corpo continua imune. O corpo nos filmes de PG ignora as modas, muitas vezes não é jovem ou elegante e por vezes é mesmo feio, escapa aos estereótipos criados pelas modas e é claramente evidenciado desde seu interior e o seu exterior, o doente e o são, a deformação e a transubstanciação, numa enciclopédia fisiológica do corpo.

A cultura como bem consumível é também uma das metáforas mais usuais, chega mesmo a canibalizá-la ao introduzir uma imagética revolucionária retirada da pintura renascentista, barroca e maneirista, para estupefazer ao espectador. PG pinta mais do que realiza: “gostaria de encontrar uma maneira de introduzir no cinema todas as coisas que têm uma tradição histórica muito mais longa de produção de imagens ocidental. Certamente em relação à tradição imagética ocidental, deveríamos examinar todas as centenas de milhares ou dezenas de milhares de imagens dos últimos três mil anos. E deveríamos utilizá-las no cinema com a mesma intensidade que dedicamos a textos escritos,” sugere PG.

Mas meu caro voyeur, estás a perguntar-se qual a relação pretendida entre estes artistas e o filme? Poderia dizer a prática do desenho como principio e fim da obra. Não tão simplista foi o pretendido, diria mesmo que gostava antes de tudo era de estabelecer um contacto visual entre si e as obras, deixá-las falar por si, esclarecer as relações, evidentes ou não. Posso, entretanto, indicar um fio vermelho a percorrer a estrutura interna deste labirinto – o carácter fetichista em Pedro Gomes e Rachel Korman – a dicotomia do poder em Nuno Ramalho – as (contradições) afirmativas na física por Gonçalo Sena e Maria Laet – a natureza transfigurada em Sandra Cinto e Rosana Ricalde – a cultura visual como valor supremo em Diogo Pimentão e Rui Horta Pereira – chaves para se entrar neste espaço mágico denominado arte. (A)venture-se!

Paulo Reis

i- Choderlos de Laclos, Les liaisons dangereuses, editions Gallimard.
ii- Timecode é o código em números que marca as cenas nas películas para ajudar no processo de edição.
iii- Além de curtas e médias metragens, Peter Greenaway realizou uma dezena de filmes abordando os memos temas, ver também os títulos A zed and two noughts, 1986, 112 min. / The belly of an architect, 1987, 105 min. /Drowning by numbers, 1988, 108 min. / Prospero’s books, 1991, 123 min. / The baby of macon, 1993, 120 min, além dos citados no texto.
iv- Goethe, As afinidades electivas, Lisboa: Relógio d´Água editores.

Publicado a 20 de Novembro de 2008

21
Nov
a
31
Dez
BOYS NEED YOGA TOO
TATIANA MACEDO
Saw the stars crashing, 2008, Inkjet prints ,Ed. 1/3 +PA, 80x120 cm

S/Título, 2008, Inkjet prints ,Ed. 1/3 +PA, 80x120 cm

Xangai Girls Do It Better

São apenas breves segundos, numa parte tipo “boy-meets-girl”, do vídeo de 1986, “Papa Don’t Preach”. São breves mas suficientemente significativos. Vemos Madonna encostada às grades de um jardim com as amigas, a trocar olhares com o seu interesse amoroso no vídeo, enquanto vestia uma t-shirt que declarava “Italians Do It Better”. Assumindo e proclamando, entre outras coisas, a sua ascendência italiana em tom de provocação jovial e bem disposta. Tornou-se massiva a utilização da t-shirt slogan, ou “statement”. Todas as grandes marcas de roupa, ou grandes cadeias de lojas têm hoje as suas, copiando afincadamente as que se tornaram de culto, noutras décadas. Já foi atitude punk, hoje é statement diário H&M.

As imagens que vemos nesta exposição são uma parte do trabalho resultante de uma viagem de Tatiana Macedo à China, no Verão de 2008. Quando decidiu passar dois meses em Xangai, não foi cheia de ideias pré-definidas sobre o que iria desenvolver, investigar. Decidiu deixar coisas em aberto, para tentar perceber o que a cidade lhe proporcionava. Uma coisa é sempre certa. A fotografia é o seu suporte primordial. Em todas as suas múltiplas abordagens, seja mais documental, mais propositadamente “promocional”, mais conceptual. O importante em cada projecto seu é a maneira como se relaciona com o sujeito que escolhe, como se tentasse relatar e reflectir o seu contexto social, sem nunca o transformar num número ou numa percentagem. Para nos obrigar a pensar exaustivamente no outro, naquele que não somos nós. Naquilo que nos aproxima, ou no que supostamente nos afasta.

Em Xangai, ao fotografar quem passava na rua apercebeu-se de uma diferença marcante. As raparigas naquela cidade não usavam calças de ganga, não usavam roupa “casual”. Estavam sempre ultra femininas, bem vestidas, arranjadas. Os rapazes a seu lado eram quase invisíveis, não se destacavam. Foi irresistível, passou dois meses a fotografar as mulheres no metro, na rua, a comer, a divertirem-se. Em cada imagem relaciona-se sempre com uma mulher, de cada vez, por um breve instante. Temos a sensação que sem o conhecimento destas. Sentimos que quase sorrateiramente, a artista investiga as jovens raparigas chinesas. Investiga também, obviamente, o seu papel na China de hoje.

Durante o processo viu uma rapariga, por breves segundos, com uma t-shirt rosa-choque com letras a preto em jeito de statement – “Boys Need Yoga Too”. Não conseguiu retirar a tempo a câmara fotográfica e não registou esse momento, mas essa pequena declaração acabou por motivar uma série de reflexões agora apresentadas.

Susana Pomba

Publicado a 20 de Novembro de 2008

18
Nov

santos-001

Publicado a 18 de Novembro de 2008

1
Nov

untitled-13

Publicado a 1 de Novembro de 2008