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Mónica de Miranda

Curadoria | Gabriela Salgado

O segundo capítulo desta viagem, apresentado na Plataforma Revólver e intitulado An Ocean Between Us, foi possível devido à proximidade da artista com o porto fluvial do rio Tejo, em Lisboa. No vídeo díptico, este lugar e um cargueiro estacionário formam um palco de trânsitos metafóricos: como uma travessia entre dois mundos, que evoca as viagens que ligavam os continentes através dos oceanos, oferecendo um terreno para o encontro de culturas, de pessoas e para a expansão do comércio. Concebida como um conjunto de caixas de luz e uma projeção de vídeo, An Ocean Between Us forma uma composição em tons melancólicos que lida com a ambiguidade espacial e temporal. Navios que personificam viagens marítimas e são como cordões umbilicais simbólicos que unem as partes ausentes: um oceano e um rio, um mor perdido com a promessa de um encontro – estes são os elementos de uma catarse.

Os lugares de passagem como gares e navios são aqui o repositório de lugares sem fronteiras, territórios perdidos neles próprios, sem nação, sem pertença e com múltiplos destinos, onde o ponto de retorno são os seus próprios momentos de desencontro.

Os vários capítulos desta exposição itinerante aspiram apresentar, uma arqueologia do eu através de passagens e paisagens. Nele, a viagem torna-se um veículo de conhecimento, onde a representação é imprecisa, pois as expressões dos lugares residem no universo do inconsciente, e as memórias são as ferramentas para um exercício de catarse pessoal.

Gabriela Salgado

Publicado a 16 de Novembro de 2012

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Um projecto de Andrea Brandão

Reúno no meu ateliê uma série imensa de objectos. Entre curiosidades encontradas ou por mim fabricadas, esses objectos coabitam no espaço do ateliê e organizam-se numa matriz muito pouco metódica. Quase autónoma como estrutura, não fosse eu recusar-lhe esse valor. Gestos começados, suspensos, adiados pelo caminho ou a caminho, apenas apontados em cadernos, grandes projectos por afinar, por recomeçar, pequenos objectos, desenhos rápidos, concisos e inconcisos, livros e listas. Listas de palavras coleccionadas, listas de material, listas de afazeres e de deveres, de nomes, de livros. Livros por comprar, por ler, por sublinhar, por reler depois de se ter lido um outro.
A colecção ocupa três salas – sala que antecede/ sala dos livros/ sala dos objectos – e está organizada em dois grandes volumes. Um comporta todos os trabalhos e projectos que até à data apenas existiam no meu ateliê. Trabalhos de parede, plinto, prateleira, ou mesa, dispostos muito próximos entre si, como um cabinet de curiosités. O outro é um trabalho em torno dos livros, a minha biblioteca pessoal em trompe l’œil.

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O seu trabalho explora uma noção de «processo» que procura testar os limites da definição de obra e da sua materialização. Será conceptual, no sentido em que parte de uma ideia, e no final se apresenta na forma que melhor se lhe adequa, e processual, dado o foco na acção concreta do fazer e nos gestos que determinam o trabalho propriamente dito. É no processo que a forma se define – guardando em si o seu desenvolvimento -, e, uma vez materializada, existe apenas por um tempo e num espaço específicos. AV

Andrea Brandão (V.N. de Gaia, 1976)

Licenciou-se em Design Industrial (FA-UTL) e concluiu o curso Avançado de Artes Plásticas no Ar.Co. Paralelamente, nas artes performativas fez formação em workshops dentro e fora de Portugal. Em particular as aulas com a Sofia Neuparth, os “Case Study” com João Fiadeiro e a bolsa danceWeb Europe 07 (VIE) com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Obteve a nomeação portuguesa ao prémio União Latina Jovem Criação em Artes Plásticas em 2007. Participou em vários festivais e exposições colectivas, nomeadamente: o Reheat festival (VIE), a colectiva “Pôr a par”, Espaço Avenida, “Decrescente Fértil”, Plataforma Revolver, mostra Jovens Criadores 06, exposição Anteciparte 09, (PT); e individuais: “um outro Mundo”, Kunstraum n5 (VIE) e “Construção”, EXD09 (PT). Em colaboração: “ O desenhador público” para “Future Projects”, Mews Projects, Feira de Arte Contemporânea e “Retrato Possível e Concerto Triangular”, galeria Appleton Square, EXD11, Lisboa. Com o colectivo MESA, apresenta “sobre quatro pés, um plano horizontal”, Teatro Turim – Teatro Maria Matos em 2011.
Desenvolve trabalho na área do desenho, performance, instalação e intervenção artística.

Publicado a 11 de Setembro de 2012

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PLATAFORMA REVÓLVER PROJECT 1
UN JOUR SI BLANC
Inês A

Contaram-me a história de um compositor que escreveu música sobre borboletas. Anos mais tarde, essa mesma música foi utilizada num documentário sobre elefantes. Disseram-me também que um título é quase sempre falível, muitas vezes inútil.
“Un jour si blanc” é o título de um disco.
Sirvo-me desse título.

Un jour si blanc nasce no ateliê enquanto lugar de buscas e de possibilidades constantes entre o visível e o invisível. Nasce de erros e de transformações, de imagens inconscientes, de acasos. É nessa procura quotidiana, na reflexão sobre o acto de fazer, que se vão revelando lugares imaginários marcados pelo que cada instante sugere, num processo sem fim. O gesto que leva ao apagamento sucessivo de superfícies e denuncia a transparência da matéria, tenta revelar o que não se vê, o que aparece escondido.

É feito de tempo, de ritmo, de sombra e de luz.
Muita luz.

Publicado a 1 de Junho de 2012

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PLATAFORMA REVÓLVER PROJECT 2
DE TANTO ESCONDER, ESQUECI
Inez Teixeira e Dani Soter

Nesta exposição Dani Soter explora um roteiro imaginário da memória, através de um processo deliberadamente figurativo. Optando pela multiplicidade de suportes, a artista busca simbolizar metaforicamente lembranças, reais ou fictícias, deformadas pelo tempo, trazendo à tona o esquecido ocultado. Os diferentes elementos são encadeados por um tênue fio condutor. Cada fotografia, desenho ou objeto, conta o trecho de uma história e seu conjunto forma uma narrativa feita de suposições e fantasias, permitindo que se atravesse a fronteira desfocada entre o consciente e o inconsciente, refletindo sobre os mecanismos psíquicos do esquecimento.

Por seu lado, Inez Teixeira tem como ponto de partida a Natureza, a autenticidade inatingível, o solitário refúgio, destino puro e utópico, que nos leva à experiência que desejamos. Como se de um diário de bordo se tratasse, através de um registo de mapas, paisagens e cosmografias, a perfeição da natureza resulta da nossa imaginação. Momentos do mundo natural, como aquele em que trazemos para casa uma concha da praia ou uma pedra do caminho, é a singularidade da recolha que importa aqui, onde memória e imaginário constroem uma realidade reformulada, reorganizada e reencontrada numa cartografia particular.

Publicado a 1 de Junho de 2012

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BEYOND EMOTIONS
PLATAFORMA REVÓLVER PROJECT

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BEYOND EMOTIONS

Leonor Hipólito

Os dias passam, os meses avolumam-se e as páginas de um livro preenchem-se.
Na tentativa de desenhar a imagem das emoções a linha sai esbatida e os contornos ambíguos. A familiaridade da composição é a estranheza da mesma.
Uma frase ressalta da escrita: Beyond Emotions.
Resultado de ano e meio de pesquisa: Beyond Emotions é o novo projecto de Leonor Hipólito que reúne objectos e um livro.

Publicado a 20 de Abril de 2012

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RÁDIO EUROPA LIVRE
PLATAFORMA REVÓLVER PROJECT

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Plataforma Revólver Project.Sala 2
RÁDIO EUROPA LIVRE

Curadoria João Fonte Santa

João Fonte Santa, Margarida Dias Coelho, Maria do Rosário Maia, Susana Gaudêncio

“Vim aqui para mascar pastilha elástica e partir tudo… e as minhas pastilhas acabaram.”*
RADIO EUROPA LIVRE é uma exposição de artes plásticas, e resulta de um choque frontal em linha de alta velocidade de via única entre a Queda do Muro e a Primavera Árabe.
RADIO EUROPA LIVRE acredita na compaixão generosa e espontânea; na solidariedade baseada numa ética perigosamente igualitária: pare e dê boleia a uma família. Jamais fure uma greve, mesmo que a sua família não tenha dinheiro para pagara renda de casa. Compartilhe seu último cigarro com um estranho. Roube leite quando não tiver para os seus lhos e ofereça metade aos lhos do vizinho. Ouça atentamente os sagazes e serenos que perderam tudo, menos a dignidade. Cultive a generosidade do “nós”. O que quero dizer, suponho, é que […] adoro as crianças corajosas que estão prontas para enfrentar o próximo inverno e passar frio nas ruas, bem como seus irmãos e sem abrigo.
Fique atento à verdadeira recompensa: a democracia económica – o direito de as pessoas comuns tomarem macro-decisões sobre o investimento social, taxas de juros, uxo de capital, criação de empregos e afins. Se o debate não for sobre o poder económico, ele é irrelevante!
A pobreza é a pior forma de violência.
A Radio Free Europe/Radio Libertyé uma estação de rádio e organização de comunicação fundada pelo Congresso Norte-Americano e pela C.I.A., durante a guerra fria com o intuito de difundir propaganda norte americana nos países de influência soviética. Com o m do bloco de Leste a Radio Free Europe passou a orientar a sua atenção substancialmente para os estados (muçulmanos) do Médio Oriente e Ásia Central.
A Radio Free Europe actualmente está instalada em Praga, na Republica Checa.
Este texto foi compilado a partir de uma recolha de notícias e opiniões das agencias de noticias e do filme “Eles Vivem” de John Carpenter.

Publicado a 2 de Dezembro de 2011

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Australia
JOANA DA CONCEIÇÃO
Joana da Conceição, Australia 109, diapositivo

Joana da Conceição, Australia 109, diapositivo

“É preferível escolher o impossível verosímil do que o possível incrível.”
in Arte Poética, Aristóteles

A pretensão de conversão credível do real à bidimensionalidade serve um longo processo histórico – especulativo – que marca, de forma mais ou menos declarada, a Arte Ocidental, em prática e conceito, desde a germinação dos dourados pressupostos Clássicos. Pelo conjunto de procedimentos engendrados e sucessivamente apurados evidencia-se um sistema de representação efectivamente extraordinário, admirável e engenhoso.

A capacidade de síntese da aparência do real torna entendível e explicável uma relação eminentemente empírica. Trata-se de procurar pela representação a dedução afirmativa do real, consubstanciando o processo privilegiado para a sua indução – a observação. A apresentação de uma imagem verosímil a observador e fruidor credibiliza a auscultação, eminentemente perceptiva, de ambos.
Depreendemos tratar-se de uma proposta que prevê o entendimento analítico do real, mas que assumidamente aceita subvertê-lo, porque reconhece uma intermediação particular e experimental dos sujeitos.

E todo o processo está invariavelmente subordinado a esta condição. O real não comporta Linha de Terra, Pontos de Fuga, ou Linha de Horizonte. Estes são elementos objectuais, não reais, de um sistema planeado para responder à aspiração de entender o real.
Assim, representar a Linha do Horizonte, parábola deste ávido projecto pela sua especificidade, não é mais do que manifestar-se declaradamente parte de um processo obsessivo que, por via ilusória, aspira a tentativa de representação de uma ilusão. Não é mais do que procurar figurar de forma simbólica e convencionada o que parece real. Projectar uma fronteira imaterial e intangível num plano ficcional que medeia a relação do observador com o real, é puro acto especulativo – representar ideias, corporizar o virtual, substanciar um entendimento abstracto.

Nunca foi objectivo re-localizar o real, porque não se aborda o real, antes o real intermediado. Procura-se a síntese de como ele se apresenta, de como o entende o observador.
E é esta mediação, experimental e subjectivada, que circunscreve este projecto ao campo da arte. Que o esclarece como projecto atemporal e intemporal.

LH não é real, e não se reporta ao real. LH é símbolo paradigmático da abstracção – remete-se à aparência do real. Australia não é Austrália nem se reporta a ela, reporta-se a uma ideia de Austrália incógnita, simultaneamente distante e ausente.

É isto que isenta de literalidade o trabalho artístico de Joana da Conceição. LH como Australia são deduções do real, formas particulares, subjectivadas, de relação com o mundo. Uma relação que é inatamente imune à objectivação, ao unanimismo, e que se revela como substância estética inesgotavelmente fértil.

“Uma carta individual de um objecto não tem fronteiras porque ela resulta da integração do objecto no plano subjectivo do sujeito, ela é inconstante e precisa de ser constantemente cartografada.”
in Australia, um lugar de coincidência, Joana da Conceição.

Frente a uma linha de horizonte intangível, Joana, afirma-se como um observador particular. Localiza-se no ponto definido pelas coordenadas, específicas e mutáveis, de quem testemunha e cria, que persistem até à fermentação e estabelecimento de novas ideias. E este pressuposto de honestidade, que tão bem traduz a prática criativa, repudia a sujeição à inércia, porque entende e prevê o erro, a ratificação, mas acima de tudo porque aceita o despoletar contínuo e permanente do tempo, que fomenta a mudança deliberada ou acidental. Um pressuposto expresso pela ininterrupção do projecto Australia iniciado em 2007, cujo término não foi anunciado, nem mesmo projectado.

A contemplação de LH e Australia servem a efervescência e a persistência de um percurso (a ampliação dos conceitos, a procura incessante de outras hipóstases, a elaboração de novos objectos). Um percurso comprometido com a Arte, implicado nas suas premissas e que proclama convictamente a obra – no que esta comporta e no que revela.

“As obras são os pontos da minha carta individual, e correspondem, por isso, a materializações do espaço abstracto que se desenha entre mim e a Austrália. No seu conjunto definem o que é a Australia.”
in Australia, um lugar de coincidência, Joana da Conceição.

O trabalho de Joana é manifestamente objectual, é matéria palpável, tangível – construção real. Como se procurasse recolocar a inquietação inerente à ideia que lhe deu forma; como tatuagem (visível e permanente) da complexidade de todo o processo.
Por isto, nunca o conceito aliena a forma. Pelo contrário, o seu trabalho assume um carácter eminentemente pró-aurático, apela à vantagem inigualável da relação directa e presencial – entre fruidor e obra – na experiência estética. O seu trabalho comporta o deleite estético, o embevecimento, o êxtase, a paixão pelo objecto. E reconforta o fruidor, porque faz uso deliberado de um trunfo maior – inestimável – e exclusivo do processo artístico: o prazer da fruição. É esta afirmação que contida na obra de arte permite ao fruidor entendê-la (individual e particularmente) como tal. Apesar das intenções do autor.

Face a esta declaração profundamente engajada com a arte e seus pressupostos, poder-se-á depreender sobre as obras de Joana um nascimento difícil, atribulado, produto da incessante e ansiosa prática de trabalho em atelier. Poder-se-ão percebe-las como fruto do fluxo e refluxo de um trabalho compenetrado, perseverante. Como resultado de um longo e labiríntico período de maturação que procura, através do uso descomplexado dos médios, dar corpo credível, e não gratuitamente incrível, à sua forma de entendimento do mundo.

Tânia Cortez

Publicado a 26 de Junho de 2010

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Do começo ao fim
DANI SOTER

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“Há um silêncio dentro de mim”
Clarice Lispector [i]

Essencialmente esse conjunto fotográfico, que a artista Dani Soter intitula de Do começo ao Fim, reflecte sobre a construção e desconstrução ou aquilo que Vilém Flusser [ii] propôs na sua abordagem sobre o meio fotográfico quando sugere uma análise dos aspectos estéticos, científicos e políticos que a fotografia pode conter. Para Flusser a fotografia é, às vezes, a chave para uma pesquisa sobre a actual crise cultural e as novas formas existenciais e sociais que, a partir dela, estão cristalizando-se. Flusser no capítulo quarto – intitulado de O gesto de fotografar – compara os movimentos de um fotógrafo a um movimento de um caçador. Na antiguidade, o gesto do caçador do Paleolítico que perseguia a caça transforma-se na actualidade no gesto do fotógrafo que se movimenta na floresta densa da cultura. A selva aqui consiste em objectos culturais, portanto de objectos que contém intenções determinadas. Ao fotografar, o fotógrafo avança contra as intenções da sua cultura. Por isto, fotografar é gesto diferente, conforme ocorra em selva de cidade ocidental ou cidade subdesenvolvida, em uma sala de estar ou campo cultivado, num espaço vivo ou em ruínas, o gesto será sempre diferente pois estará inevitavelmente condicionado ao modus de olhar do fotógrafo. Decifrar fotografias implicaria, entre outras coisas, no decifrar das condições culturais.

As possibilidades fotográficas são praticamente inesgotáveis pois tudo o que é fotografável pode ser fotografado. A imaginação é praticamente infinita. A imaginação do fotógrafo, por maior que seja, está inscrita nessa enorme imaginação do aparelho, nas palavras do filósofo. Aqui está, precisamente, o desafio. O fotógrafo navega por regiões nunca dantes navegadas para produzir imagens jamais vistas: imagens “informativas”. O fotógrafo caça, a fim de descobrir visões até então jamais percebidas. No caso do fotógrafo, resulta apenas na fotografia. Isto explica porque nenhuma fotografia individual pode efectivamente ficar isolada: apenas séries de fotografias podem revelar a intenção do fotógrafo. Como uma arqueóloga, Dani Soter regista pormenores esquecidos de espaços que um dia foram profícuos e que hoje são nada, apenas rastos e restos da crise institucional que se abateu sobre a sociedade. Aqui e ali vai colectando imagens mínimas na sua mínima capacidade escultórica: 

Um livro com anotações…
Uma folha de papel amassada…
Uma folha de papel escrita com a data de 10 de Agosto de 1909…
Uma mesa de escultura onde jaz uma cabeça de gesso…
Uma atadura de gaze…
Uma escada com pó branco…
Um carrinho transportando uma pedra…
Tecidos brancos molhados sobre montanhas de barro…

Essas imagens fazem-me lembrar as studioworks de Eva Hesse, ambas falam de uma existência quase invisível, imateriais na sua brancura descarnada. Entretanto essas imagens guardam ainda memórias que o tempo não consegue apagar, fazem-nos ouvir o alarido das vozes de outrora; sentir os vapores corporais grudados as paredes, resultado do esforço de outrora; os gestos indeléveis que se perderam. Essas imagens de esquecimento têm como força motriz o tempo, o verbo e o silêncio.

Tais considerações permitem-nos elocubrar o gesto de Dani Soter de fotografar ruínas e um atelier de escultura vazio como o gesto do caçador.. O propósito desse gesto unificado é produzir fotografias, isto é, superfícies nas quais se realizam simbolicamente cenas. Estas significam conceitos programados na memória do fotógrafo. A realização se dá graças a um jogo de permutação entre os conceitos, e graças a uma automática descodificação de tais conceitos permutados em imagens. A estrutura do gesto é quântica: série de hesitações e decisões claras e distintas sobre a memória de outros. O motivo do fotógrafo, em tudo isto, é realizar cenas jamais vistas, “informativas”. O interesse do fotógrafo está concentrado no espaço-tempo-memória. O resultado do gesto fotográfico congrega, para além do seu valor artístico, o valor estético, científico e político pois são uma espécie de superfície palpável daquilo a que chamamos memória. Do começo ao fim é este arquivo de sensações oferecido por Dani Soter. Há um silêncio em cada um de nós, como está na epígrafe deste texto, alguns o transformam em arte

Paulo Reis

[i] Uma aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, Rio de Janeiro: Rocco.

[ii] Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia d a fotografia (Für eine Philosophie der Fotografie); tradução do autor; São Paulo: Editora HUCITEC, 1985

 

Dani Soter ( Brésil, 1968), est diplomée en Langues et Civilisations Etrangères ( Sorbonne, Paris). Elle expose depuis 1995. En 1997 Dani Soter a reçu le prix spécial du jury du VII Photographic Art Exhibition de Pékin, Chine. Depuis, l’artiste expose à Paris, Nice, Brasilia, Rio, São Paulo, Buenos Aires et Bogota.

Il y a un silence en moi
Clarice Lispector [i]

Cet ensemble photographique de l’artiste Dani Soter, intitulé “du Début à la Fin”, refléchit essentiellement sur la construction et la déconstruction ou sur ce que Villem Flusser a proposé dans son étude sur le médium photographique quand il suggère une analyse des aspects esthétiques, scientifiques et politiques que la photographie peut contenir.Pour Flusser la photographie est, parfois, la clé pour une recherche sur l’actuelle crise culturelle et ses nouvelles formes existentielles et sociales qui se cristalisent à travers elle.Flusser, dans le 4ème chapitre – intitulé Le geste de photographier– compare les mouvements d’un photographe aux mouvements d’un chasseur
Le geste du chasseur du Paléolitique qui poursuivait la proie se transforme, aujourd’hui, dans le geste du photographe qui se meut dans la jungle dense de la culture.
Ici la jungle ce sont des objets culturels, donc des objets qui contiennent des intentions déterminées. En photographiant, le photographe avance contre les intentions de sa culture.
Pour cela, photographier est un geste différent, comme dans la jungle d’une ville occidentale ou du Tiers Monde, dans une salle-de-séjour ou dans des champs cultivés, dans un espace vivant ou en ruines, le geste sera toujours différent car il sera inévitablement conditionné par la façon de regarder du photographe.
Déchiffrer les photographies serait, entre autres choses, déchiffrer les conditions culturelles.
Les possibilités photographiques sont pratiquement inépuisables car tout peut être photographié.L’imagination est pratiquement infinie. L’imagination du photographe, aussi grande soit elle, est inscrite dans cette immense imagination de l’appareil, selon les mots du philosophe.Voici, justement, le défi.
Le photographe navigue dans des régions jamais explorées pour produire des images encore jamais vues: des images “informatives”.Le photographe chasse, afin de découvrir des visions jusqu’alors jamais perçues. Pour le photographe, cela ne s’obtient que par la photographie. Cela explique pourquoi aucune photographie individuelle ne peut, effectivement, être isolée: seules des séries de photographies peuvent révéler l’intention du photographe.Comme une archéologue, Dani Soter enregistre des détails oubliés d’ espaces autrefois productifs et qui aujourd’hui ne sont plus rien, seulement des traces et des restes de la crise institutionelle qui a atteint la société. Ici et là, elle recueille des images minimales dans leur minimale capacité sculpturale:

un livre de notes
une feuille de papier froissée
un mur avec, écrite, la date du 10 août 1909
une table de sculpture où gît une tête en plâtre
un bandage
un chariot qui transporte une pierre
des tissus blanc mouillés sur des tas de terre…

Ces images me font penser aux studioworks d’Eva Hesse. Elles parlent toutes les deux d’une existence presqu’invisible, immatérielles dans sa blancheur désincarnée.Cependent ces images gardent encore des mémoires que le temps n’arrive pas à effacer. Elles nous font entendre l’écho des voix d’autrefois.Elles nous font sentir les vapeurs corporelles collées aux murs, résultat d’un effort  passé et les gestes ineffaçables qui se sont perdus.Ces images de l’oubli ont comme force motrice le verbe et le silence. De telles considérations nous permettent d’identifier le geste de Dani Soter photographiant des ruines et un atelier de sculpture vide au geste du chasseur. Le but de ce geste unifié est de produire des photos, cést-à-dire, des superficies sur lesquelles se réalisent syboliquement des scènes. Celles-ci signifient des concepts programmés dans la mémoire du photographe. La réalisation est faite grâce à un jeu de permutation entre les concepts et grâce à une décodification automatique de tels concepts transformés en images. La structure du geste est quantique: une série d’hésitations et de décisions claires et distinctes sur la mémoire des autres.
L’intérêt du photographe est concentré sur l’espace -temps-mémoire. Le résultat du geste photographique rassemble, au délà de sa valeur artistique, les valeurs esthétique, scientifique et politique, car elle est une sorte de superficie palpable de ce qu’on appelle la mémoire.
“du Début à la Fin” est cette archive de sensations, offerte par Dani Soter. Tel l’épigraphe de ce texte, il y a un silence en chacun de nous. Certains le transforment en art.

 Paulo Reis

[i] Uma aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, Rio de Janeiro: Rocco.
[ii] Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia d a fotografia (Für eine Philosophie der Fotografie); tradução do autor; São Paulo: Editora HUCITEC, 1985

*Paulo Reis est diplômé en Théorie et Critique d’Art (DEA) de l´Ecole des Beaux Arts de l’Université Fédérale de Rio de Janeiro (Brésil) avec une spécialisation en Art Contemporain de l’Ecole du Louvre, Paris (France). Il est co-fondateur et Directeur du Carpe Diem Arte e Pesquisa, centre international d´art à Lisbonne

Publicado a 17 de Abril de 2010

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very contemporary
JORGE LOPES
Jorge-Lopes,-very_contemporary,-2010,óleo-sobre-linho,-99x90-cm

very contemporary, 2010, óleo sobre linho, 99x90 cm


O princípio da reminiscência
 

Contemporâneo (Lat. Contemporaneu),
adj. e s. m.
que ou aquele que é do mesmo tempo,
da mesma época,
especialmente da época em que vivemos,
coevo.

Dicionário Universal da Língua Portuguesa

Manda a já antiga tradição conceptual que um título seja todo um programa. Em muitos casos, que nele se concentre tudo, o título, a obra e o mais. Convém ter isto presente quando travamos contacto com a mais recente série de pinturas de Jorge Lopes: «very Contemporary», uma designação tão abstracta e, simultaneamente, tão concreta como as próprias pinturas que a compõem.
Na verdade, a palavra contemporâneo é completamente central no léxico da arte do presente e, ao mesmo tempo, é a mais problemática das suas congéneres coevas.
Ao contrário da época anterior, que se via a si própria como Moderna, o que corresponde a um programa estético-ideológico amplo mas, ao mesmo tempo, identificável nos seus contornos gerais, Contemporâneo, exprime, simultaneamente, um excesso de sentido e uma vacuidade. É uma palavra demasiado polissémica e, por isso, à beira de perder qualquer significação.
Nesse sentido, ela é também um símbolo de um tempo incaracterizável, onde nenhuma síntese é possível, nenhum «zeitgeist», nem nenhuma tendência se impõe às demais como aquela que legitimamente exprime a condição da arte do seu tempo.
Isto faz com que uma expressão como «Very Contemporary» seja, paralelamente, uma inevitabilidade e um absurdo. Desconfio que seja por isso que Jorge Lopes a utiliza. Como uma ironia que revela uma desconfiança essencial em relação aos próprios sistemas de validação que actualmente fazem do caos um regime de possibilidades largamente arbitrário e, por isso, potencialmente autoritário.
Essa constatação não significa necessariamente um regresso ou uma nostalgia do passado, mas implica um ponto de vista histórico sobre a pintura. E aqui talvez seja preciso contornar o raciocínio silogístico de Joseph Kosuth que afirmava que «Se questionarmos a natureza da pintura, não poderemos estar a questionar a natureza da arte. Isso acontece porque a palavra arte é geral e a palavra pintura é específica ».
Na verdade, a pintura de Jorge Lopes corta este pressuposto ao meio na medida em que olha de forma completamente oblíqua para a história (sem a ortodoxia revivalista de alguma pintura abstracta que por aí se pratica), ao mesmo tempo que aceita o facto de ser feita dessa história, de ser um seu ponto de chegada mas não como se de um ready-made se tratasse.
Convém não confundir esta atitude com o anything goes que habitou o chamado regresso à pintura durante os anos oitenta. Poucas palavras são tão estranhas a esta pintura como a palavra «regresso», mas ela conduz-nos a uma questão importante na obra de Jorge Lopes: a da sua relação com a memória. No caso, não se trata tanto de a pintura fazer o registo de uma consciência da memória visual individual ou da sua história colectiva, mas de a pintura se abrir à memória enquanto mecanismo gerador, instável, perturbador e que, na sua aparente desorganização, denuncia uma qualquer ordenação da realidade que se queira impor.

Quer isso dizer que a pintura de Jorge Lopes é um lugar onde se abrigam reminiscências, despojos e coisas que aparentam estar ainda a acontecer, como se se tratasse de matéria que ainda não encontrou ou está à procura de ser  linguagem, sentido reconhecível, experiência entre a indecifração imediata e a partilha lenta. Ela não é, pois, recordação, se entendida como uma contemplação do passado, mas sim princípio activo. Pode mesmo estabelecer-se um paralelo entre esse mecanismo de sobrevivência e transitoriedade mnemónica, aplicada à prática da pintura, e a teoria de Aby Warburg sobre a sobrevivência histórica das imagens na medida em que através da pintura, Jorge Lopes lhes encontra uma pós-vida (Nachleben).
Na verdade, se podemos dizer que esta pintura é tecnicamente abstracta, seriamos mais rigorosos em reconhecer que ela nos transporta para um lugar de latência onde assoma o artifício visual das sociedades pós-industriais, as pulsões sexuais e os ecos do mundo da arte, que também são as circunstâncias do artista. Todas estas dimensões nos surgem como um feixe, uma superfície quebrada que não é necessariamente uma imagem, mas sim a forma visual de uma perturbação.
Daí que, no caso de Jorge Lopes, talvez pudéssemos adulterar a célebre frase de Marcel Duchamp «Dumb as a painter» e dizer, «desamparado como um pintor», na medida em que o pintor é aqui, tal como em geral o pintor contemporâneo, aquele que se relaciona com as imagens como alguém que estivesse parado no meio de um rio tentando agarrar a água que passa.
Na impossibilidade de cumprir tão desproporcionada tarefa, cada pintura transforma-se numa superfície habitada por pequenas fulgurações, num campo magnético onde se ouvem ecos, acumulações de presenças, sinais, palavras ou frases que deixam ver uma paisagem mental plena de irregularidades e sinuosidades.
E é neste particular que a pintura de Jorge Lopes define o seu núcleo essencial. Porventura contaminado pela cultura alemã, e por reminiscentes valores românticos, o artista tende a materializar em imagens da natureza aquilo que possui uma proveniência mental e cultural ainda que o resultado desse processo seja uma imagem estilhaçada do ponto de vista representacional e, nesse sentido, um mero rumor do mundo visível.
É por isso que nestas pinturas, a ideia de paisagem se eleva no espírito do observador como uma estrutura reconhecível para além da abstracção, como uma espécie de irregularidade rica (algo como aquilo a que os românticos chamavam o pitoresco) ao mesmo tempo que se desvincula dos princípios miméticos a que habitualmente vem associada.
O mesmo se poderá dizer da sua relação com a linguagem verbal que faz a sua aparição em vários destes quadros e que conserva uma condição de signo (reconhecível e legível) e ao mesmo tempo é assimilada enquanto inscrição que possui forma e cor.
A combinação destes ingredientes resulta numa pintura áspera ao olhar, que cultiva os desequilíbrios e a impureza, nos seus processos de gestação e de recepção, não fazendo concessões à formatada e hipnótica suavidade da «imagerie» contemporânea, dominada pelos dispositivos televisivos e de produção virtual das imagens. Mas também isso ajuda a fazer da pintura de Jorge Lopes o que ela é: um lugar de risco.

Lisboa, Janeiro de 2010
Celso Martins

Publicado a 29 de Janeiro de 2010

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Dimensão Radial
A KILLS B
A Kills B, Dimensão Radial, 2009

A Kills B, Dimensão Radial, 2009

A kills B
Ou A Kills B Kills Lissitzky

Apresenta-se aqui, num espaço de exposição um objecto espaço-exposição.
O lugar do museu foi desde a Revolução Francesa um dos lugares centrais das deambulações críticas no mundo da arte. A crise na relação entre artistas e os espaços de exposição agudizou-se sobretudo com o modernismo, sendo essa crise o reflexo da procura generalizada de um novo paradigma social e funcional para a poética. O espaço de exposição do gabinete abstracto criado em 1927 por Lissitzky, recriado actualmente em Hanôver, é um dos exemplos paradigmáticos na história deste combate político e cultural. Na esteira da derrocada do modernismo (chamemos-lhe então de clássico) no pós-guerra e do triunfo da ironia e da citação que caracterizaram muita da arte do final do século XX, o próprio combate artístico em torno dos espaços de exposição foi por sua vez apresentado num museu (The Museum as Muse, 1999 MoMa) e de algum modo perspectivado nas suas diferentes vertentes como um género artístico entre outros. Como tal foi imediatamente assumido uma das praças fortes da estética conceptual tanto nos seus primórdios como nos seus sucedâneos quase ininterruptamente ensaiados até hoje.
A partir do momento em que se vulgarizou o tipo combativo e empenhado de experimentação sobre alternativas de dispositivos expositivos e a partir do momento onde foi ficando cada vez mais clara a relação tentacular entre formas de dominação e de poder com a cultura, foi crescendo também uma postura de desistência crítica sobre esse mesmo dispositivo. Em Portugal essa desistência é notória, talvez também porque seja fraca a actividade e a qualidade em termos gerais do que e como cá se expõe, apresenta ou provoca. A Kills B propõe-nos aqui um retorno a esta questão ou combate. Renegando o white cube construíram um reduto mid-tone, uma espécie de castelo ou forte. Esta renegação do espaço original da galeria, um quarto normalíssimo, pode inclusivamente ser vivida no espaço-pleura em volta deste reduto. É lá dentro que se apreende desde logo o sinal político desta novíssima aventura sobre o museu como musa; longe de se constituir como uma resposta purificadora como foi a de Lissitzky em 1927, este retorno ao gabinete abstracto de A kills B estabelece-se naturalmente como uma farsa. Por outro lado seria errado em ler-se este trabalho sob uma óptica conceptual com recurso à citação. Este “gabinete abstracto” é na verdade um gabinete abstracto. Os ecos modernistas estão lá no trabalho mais ou menos rigoroso e minimalista de alguns plintos e pinturas apresentadas sobre o espaço construído, mas negado nos acabamentos descuidados e no evidente scavenging dos autores sobre materiais de construção. A violência e a coragem física transparecem aqui e afastam-nos do mundo higiénico de Corbu e seus iguais. Esta recusa não se atira resolutamente ao seu oposto; está ainda longe do meio caminho da cenografia expressionista do Dr. Caligari ou da celebrada javardice punk do kasbah de Meese e Tal R. O gabinete cinza, como num “sono da razão” aponta-nos para uma zona de nevoeiro. A própria indefinição entre a obra total e exposição de “obra” parece constituir-se como um comentário afectivo e interpessoal ao estado de situação actual das artes entendida como permanente rotina de reciclagem.

André Poejo, Novembro de 2009

Publicado a 20 de Novembro de 2009

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