22
Nov
a
12
Jan
It´s a lonely planet
JOSÉ MAÇAS DE CARVALHO

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It´s a lonely planet é um conjunto parcial de imagens fotográficas realizadas em viagem. Esta Part I é o primeiro capítulo de uma narrativa que se concluirá num futuro próximo. São imagens soltas, sem propósito, feitas no meio de outros projectos. Começaram por ser restos de passagens que se reagruparam num contexto de transitoriedade, e parecem denotar uma solidão e ausência
que sempre se sente quando se parte e se está de passagem.

A exposição apresenta fotografias feitas em trânsito entre a Europa e a Ásia, entre 2000 e 2007, naqueles momentos em que não somos de lado nenhum.
José Maçâs de Carvalho deseja que sejam uma alternativa visual ao guias Lonely Planet. Ou será Lovely Planet?

Publicado a 21 de Novembro de 2007

28
Set
a
3
Nov
TODOS OS DIAS A MESMA COISA
JOÃO FONTE SANTA
Chevy - GMC, 2007, tinta da china e acrílico sobre papel, 142x173 cm

Chevy - GMC, 2007, tinta da china e acrílico sobre papel, 142x173 cm

TODOS OS DIAS A MESMA COISA – CARRO – TRABALHO – COMER – TRABALHO- CARRO – SOFÁ – TV – DORMIR – CARRO – TRABALHO – ATÉ QUANDO É QUE VAIS AGUENTAR? – UM EM CADA DEZ ENLOUQUECE – UM EM CADA CINCO REBENTA

São muitas as histórias por detrás de cada uma destas histórias.
Tal como o título da exposição, em que a cada palavra correspondem dezenas de significados, acções e coordenadas que depois se conjugam entre si de modo dinâmico e sequencial. Tal como a história por detrás da narração desenvolvida pelo título, que pertence a uma Londres dos anos 1970, em que King Mob, um grupo artístico radical, inseriu esta mesma frase (Same thing day after day – tube – work – dinner – work – tube – armchair – TV – sleep – tube – work – how much more can you take? – one in ten go mad – one in five cracks up) na estação de metro Ladbroke Grove. Outra das acções famosas deste grupo foi a entrada de alguns dos seus membros, vestidos de Pai Natal, no Armazém Selfridges de Londres, onde distribuíram os brinquedos da loja pelas crianças que aí estavam. O espírito punk de contestação da vivência burguesa e do welfare state desperta o quotidiano da sua normalidade ao nele se inserir de modo simultaneamente critico e divertido.
Pois as histórias que por aqui passam, são muitas mais e as suas coordenadas, díspares e aparentemente divergentes, unem estes seis desenhos que João Fonte Santa (Évora, 1965) apresenta na VPF Cream Arte.
Por um lado, a lógica por detrás das imagens produzidas parece obedecer a um esquema de pensamento Deleuziano, ao considerar as noções tradicionais de espaço e de tempo como categorias uniformizadores impostas pelo sujeito e, deste modo, como formas de identidade.
Por outro, existe uma curiosa investigação das alterações espácio-temporais geradas pela presença humana e pelos seus efeitos simultaneamente devastantes e apaziguadores.
Falando com o artista, avistei outra história e outro tempo: Tancredi, personagem genialmente interpretado por Alain Delon no Gattopardo de Visconti, efusivo com a hipótese de uma revolução e afirma: ‘É necessário que tudo mude para que tudo fique na mesma!’
É exactamente este paradoxo, de retoma da normalidade em situações de catástrofe, que Fonte Santa explora nestes desenhos, realizados a tinta da china sobre papel. Os seus fundos, de um prateado saturado e onde parece não haver espaço para respirar, à semelhança das imagens dos Beatus, (códices medievais de comentário ao Apocalipse iluminados com desenhos de bestas e animais fantásticos enquadrados em planos carregados, sem volumetria ou perspectiva), acentuam ainda mais o ambiente de desolação e irrealidade. O traço, ao mesmo tempo delicado e com referências ao universo da banda desenhada, contribui para esta deambulação entre fantasia e veracidade.
Contudo, os desenhos de Fonte Santa ilustram situações reais, realizados a partir de fotografias de imprensa de seis situações específicas, às quais os seus títulos subtilmente aludem: Chevy-GMC, Chernobyl, Kabul, M16, SU27 e Dança da doença mental.
O que sobressai destas imagens é um quase surreal retomar de uma possível, quanto improvável, rotina, fundada na destruição da estrutura humana subjacente.
O que resta nas paisagens retratas e simultaneamente desertas e novamente habitadas são as ruínas, uma boa palavra já que a sua etimologia latina, rurere, significa cair ou ruir. Somam-se-lhe as novas ocupações, os novos quotidianos e apropriações de um espaço desolado pela acção humana. Como se houvesse uma inevitável necessidade de encontrar uma repetição de hábitos que fosse mais forte do que qualquer contexto ou cenário.
As notícias destes eventos têm este denominador comum, desdobrado ao longo das diferentes situações e os excertos apresentados em seguida referem-se a notícias que documentam os eventos representados pelo artista. Tal como as imagens que lhe serviram de base, também eles foram extraídos da imprensa.
Chevy – GMC
De regresso à zona do furacão. Algumas coisas mudaram e progrediram mas grande parte ficou na mesma. Este carro, como muitos outros, não recuperará do Katrina e permanecerá onde foi trazido pelo furacão letal. Agora permanece tristemente abandonado enquanto aguarda os estragos de uma nova tempestade.

Chernobyl
Khoiniki, Belarus – O sol invernal projecta a sombra do helicóptero nas planícies cobertas de neve. As casas dos agricultores estão vazias, com as suas janelas partidas. As quintas foram abandonadas há muito tempo.
Em 1986, mais de 20,000 pessoas foram evacuadas deste território, num raio de 30 km da central nuclear de Chernobyl, ao mesmo tempo que esta emitia radiações, naquele que foi o prior acidente nuclear.
Hoje em dia, a zona, assinalada nos mapas da região com uma sinistra mancha roxa, tornou-se a primeira reserva natural radioactiva do mundo. A zona em torno à central nuclear de Chernobyl borbulha com vida.
KABUL
Rapazes afeganes jogam futebol na neve em frente às ruínas de um palácio em Kabul, Domingo, 18 de Fevereiro de 2007.
M16
Em tempos uma das principais plataformas de Saddam Hussein, este impressionante edifício é agora usado pelo exército Americano. Um bar e uma cafetaria dominam o grande salão de baile, também usado para aulas de yoga, de aeróbica e para aulas de jujitsu. No exterior do palácio está a zona da piscina, que inclui campos de voleibol, zonas de desporto e um palco para sessões de karaoke à Quarta-feira. Não é estranho observar um soldado, em uniforme, a guardar a sua arma enquanto canta Willie Nelson ou Britney Spears ao mesmo tempo que os helicópteros sobrevoam a região.
SU27
O desastre do espectáculo aéreo de Sknyliv ocorreu a 27 de Julho de 2002. 84 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas na sequência de espectáculo aéreo no aeroporto de Sknyliv, próximo de Lviv, na Ucrânia. Um avião Sukhoi Su-27, pertencente às Forças Aéreas ucranianas, despenhou-se durante uma apresentação de acrobacias aéreas. Este é ainda hoje o maior desastre durante um espectáculo aéreo registado até à data.
Dança da Doença Mental
22 de Maio de 2005. Edifícios demolidos por explosivos na vila de Yunong, na região de Shenzhen. Os 16 edifícios da aldeia foram repletos de explosivas às 13:00 de Domingo, naquela que foi a maior demolição urbana realizada na China.
A história poderia ser ainda outra, a de chegar, infiltrar-se, invadir, destruir, recuperar, viver. E dentro dessa vivência pós conflitual encontrar, novamente, a rotina à qual se referem os King Mob e aqui utilizada por Fonte Santa.
Existe ainda, e uma vez mais, uma relação dinâmica e dialéctica com o espaço e com os diferentes tempos que o configuraram, como se o homem tivesse uma necessidade quase fisiológica para ocupar e preencher todos os espaços brancos, vazios, desconhecidos dos mapas geográficos, tal como refere Joseph Conrad no Coração das Trevas.
Now when I was a little chap I had a passion for maps. I would look for hours at South America, or Africa, or Australia, and lose myself in all the glories of exploration. At that time there were many blank spaces on the earth, and when I saw one that looked particularly inviting on a map (but they all look that) I would put my finger on it and say, ‘When I grow up I will go there’. (…) I have been in some of them, and… well, we won’t talk about that. But there was one yet – the biggest, the most blank, so to speak – that I had a hankering after.
‘True, by this time it was not a blank space any more. It had got filled since my boyhood with rivers and lakes and names. It had ceased to be a blank space of delightful mystery – a white patch for a boy to dream gloriously over. It had become a place of darkness. (…) but when an opportunity offered at last to meet my predecessor, the grass growing through his ribs was tall enough to hide his bones. They were all there. The supernatural being had not been touched after he fell. And the village was deserted, the huts gaped back, totting, all askew within the fallen enclosures. A calamity had come to it, sure enough. The people had vanished. Mad terror had scattered them, men, women, and children, through the bush, and they had never returned. What became of the hens I don’t know either. I should think the cause of progress got them, anyhow. (…)
I raised my head. The offing was barred by a black bank of clouds, and the tranquil waterway leading to the uttermost ends of the earth flowed somber under an overcast sky – seemed to lead into the heart of an immense darkness.
(Joseph Conrad, Heart of Darkness, 1899)

Filipa Ramos

Publicado a 26 de Setembro de 2007

29
Jun
a
31
Jul
TOTAL EQUILIBRIUM
LUIS ALEGRE
Total Equilibrium #2, 2007, fotografia , impressão digital s/papel mate, 125x125 cm

Total Equilibrium #2, 2007, fotografia , impressão digital s/papel mate, 125x125 cm

TOTAL EQUILIBRIUM, é o título emprestado de Jeff Koons que dá nome à exposição que Luís Alegre apresenta até 31 de Julho na VPFCream Arte. Reúne um conjunto de obras nominal e conceptualmente devedoras dessa referência incontornável da arte contemporânea internacional, geradas a partir de premissas transversais e recorrentes no trabalho de Luís Alegre, aqui diferentemente formuladas em vídeo, fotografias e instalação. A provocatória sabotagem dos ícones materialistas da sociedade de consumo é aqui fundada numa crítica da imagem mediática, estratégica e subversivamente operada no cruzamento e esbatimento de fronteiras entre design e arte contemporânea.

Publicado a 28 de Junho de 2007

10
Mai
a
23
Jun
Paralelo 36
LUIS NOBRE
Long distance call #3, Tinta s/ papel, cabeça de javali, fibra de vidro, 300x300x200 cm

Long distance call #3, Tinta s/ papel, cabeça de javali, fibra de vidro, 300x300x200 cm

“Paralelo 36” – Linhas imaginárias

Quando Tatlin fez os seus primeiros “contra-relevos” ou “relevos de canto” (1915) logo após uma decisiva viagem até Paris (onde pôde conhecer Picasso, Lipchitz e Archipenko), partira das colagens cubistas para ensaiar a expansão da pintura até ao campo da escultura, numa ambiciosa pesquisa em torno da conquista do espaço tridimensional. A actual deriva de Luís Nobre até à distensão do espaço também é o resultado contingente da manipulação dos materiais e, embora seja muito mais intuitiva que referenciada, podemos situá-la na linhagem de várias propostas que tornaram possível esse desenvolvimento aparentemente espontâneo do desenho rumo ao domínio da instalação.

Dos cubistas aos artistas conceptuais, dos quais se destacam obras seminais de Tatlin, Schwitters, Duchamp, Gabo, entre muitos outros autores que nos levariam até à frescura revolucionária do concretismo e neo-concretismo brasileiro (sobretudo com Oiticica, Clark e Pape), há todo um percurso multifacetado de experiências que testaram a relação interdependente entre o espaço e os seus elementos constituintes, levando-a sempre mais longe, e que não deve ser esquecido. São etapas históricas essenciais para elucidar a destreza com que Luís Nobre liberta as superfícies desenhadas dos seus trabalhos iniciais, projectando-as nos limites dos planos convencionais da representação.

Daí a importância da linha imaginária, convencionada, de que o “Paralelo 36 ” é fruto e que o título da presente mostra cita, dando uma importante pista interpretativa. Trata-se também aqui de uma circunscrição espacial (a sala de exposição) que configura um local no qual é determinante o posicionamento do espectador, pois a nossa localização é sempre definida a partir do ponto onde nos encontramos. Alterada a percepção desse espaço pelos múltiplos objectos e imagens que o povoam, situamo-nos num espaço construído em diferentes estratos, perante um jogo de escalas e de planos rumo ao infinito. A composição tornou-se agora processo de construção por excelência, já não no plano bidimensional do desenho, mas nas intersecções dos vários planos convencionados, e, a partir do canto (num intervalo de planos) afirma a sua continuidade no espaço real.

Por isso também não será de estranhar a afectação autobiográfica desta instalação: Luís Nobre usa frequentemente “coisas” que encontra no dia-a-dia, transformando-as até à perda da referência original (como quando abole os volumes do vaso-caniche através das três linhas de cores primárias – amarelo, azul e vermelho – que já se tornaram recorrentes no seu trabalho), ou sinaliza as superfícies irregulares de papéis amarrotados que depois forram as paredes dando expressão à própria “dobra” enquanto metáfora de um “estar entre”. Esta liberdade entre linguagens é o grande fôlego da divisão imaginária de Luís Nobre. No fundo, é tudo real, tão real quanto os observadores que nos espreitam do cimo de um balão e relembram a curiosidade dos exploradores novecentistas pelo desconhecido: o que está para “lá de” um determinado lugar. Esse “lugar de contacto” de onde partimos é um ponto de encontro que une e separa os diferentes planos e superfícies, uma espécie de última fronteira entre o observador e o espaço da representação, e que nos mergulha numa dimensão topológica onde as múltiplas dimensões se equivalem num único fim: o princípio de uma outra coisa, uma visão.

Lúcia Marques

Publicado a 1 de Maio de 2007

23
Mar
a
28
Abril
Scribbles
JOANA ROSA

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Durante oito anos, Joana Rosa (Lisboa, 1959) construiu uma escultura intitulada doodles, que viria a ser exposta na galeria John Weber em Nova Iorque em 1997. O trabalho diário consistia em enrolar e torcer fios de arame de zinco e o resultado final (que nunca foi final porque a obra está sempre inacabada, sempre pronta a ser continuada) é uma densa malha de fios enovelados, com pequenos nós, que tanto podem ser vistos como um organismo em expansão, ou, simplesmente, um frágil emaranhado de linhas. O mecanismo de base que permeava este trabalho – o acto automático de criar no qual a artista se desliga do pensar a obra para se concentrar na destreza manual – é agora transposta para os desenhos que exibe na presente exposição.
Desde 1982 que Joana Rosa tem vindo a coleccionar anotações, ou gestos instintivos (ou compulsivos), que fazemos enquanto distraídos, a que dá o nome de scribbles. Tomando como exemplo os rabiscos que desenhamos enquanto falamos ao telefone, os scribbles são formas de seres, formas amorfas, estruturas sem sentido que surgem de maneira irracional (e que já os surrealistas utilizavam como uma das técnicas de libertação do subconsciente). Joana Rosa colecciona scribbles não feitos por si, para os reutilizar mais tarde nas obras que cria. A artista recusa assim o papel de ser criador, para passar a ser manipulador do que já existe. A sua obra acaba por se situar no campo da reciclagem e da colagem. Os trabalhos que actualmente apresenta partem da sua colecção de scribbles, bem como de obras já realizados pela artista que os reutiliza em parte ou no todo para construir novos desenhos.
Não existe um plano prévio quando a artista inicia uma nova obra. Esta vai-se construindo, vai ‘aparecendo’, sob a capa do automatismo da sua mão e revelando os seus medos, fantasias e ansiedades. Será esta uma das causas da variabilidade e do contraste dos traços e das formas. As linhas leves são contrapostas com as manchas carregadas e pesadas. As formas bem definidas convivem com outras informes, assim como diferentes escalas se sobrepõem.
Esse desejo de não controlar o destino da obra é igualmente marcado pelos erros perceptíveis no papel. A artista opta por não apagar ou disfarçar as incorrecções e as dedadas, escolhe colar cada fragmento do desenho com fita castanha acentuadamente visível. Esta decisão dota o desenho de peso, ao mesmo tempo que o liberta da bi-dimensionalidade.
Apesar dos desenhos reflectirem uma carga auto-biográfica, há uma imposição do apagamento da própria autora. Essa supressão não opera apenas ao nível da marca, mas também do próprio fazer na sua dimensão temporal. O tempo, uma das vertentes mais substanciais, é tornado invisível nestes desenhos, precisamente para afastar a atenção do trabalho em si e centrá-la nos objectos.
Pode mesmo dizer-se que há algo de utópico no processo operático desta artista – a ideia de que um artista não é o único detentor do poder criativo, mas um tradutor, ou talvez facilitador, desse poder em cada um de nós.

Filipa Oliveira

Publicado a 22 de Março de 2007

20
Jan
a
16
Mar

1-001

Corte epistolar a propósito de “Quando se reúne muito trabalha-se pouco” – as várias performances de Gustavo Sumpta.

“Um metro é um metro” e nada mais. É isso que nos diz a razão e o título de um trabalho teu. As coisas claras aparecem-nos como um facto, uma evidência, no seu sentido literal. Reducionistas? Não, porque podemo-nos colocar a questão: o que é que pode um metro? Volta-se ao mesmo mas com outros olhos – sabendo que são os olhos que também o fazem, porque não voltamos a olhar o que temos à mão? Pegas no metro, coloca-lo em cima de um papel dourado, e esse gesto não me parece nada contraditório já que associas então essa medida da razão à economia do valor simbólico implicada na ciência, na arte e em toda a nossa vida. Parece-me que estás a trabalhar com uma certa simbólica do transcendente mas tu sabes que, quando o transcendente não tem em conta as pessoas concretas, torna-se um tipo de economia terrível e por isso procuras a economia que tenha em conta a existência concreta do movimento e das particularidades de cada um de nós e de cada ocorrência.

É uma mudança de perspectiva. Literalmente, com os teus desenhos isso acontece: da ocidental para a Japonesa. Que abuso fazer de ti um japonês…Tu que dizes que a japonesa não te interessa a não ser por ser concentrada naquele que a vê e naquele que a produz. O que te interesse, e o que me interessa a mim, é o facto de teres a possibilidade de estar onde estás a fazer o que fazes, tu que tens ligações mais claramente biográficas com África e com os vários recantos das principais cidades e das periferias portuguesas.
Então, não é a perspectiva japonesa que te vem mudar as ideias és tu que vais ao encontro dela porque compreendes que ela te serve para a tua vida, para as tuas instalações, para as tuas performances. Voltemos então à questão do “centrada naquele que a vê e que a produz”: pode parecer haver aqui um hedonismo. Mas agora, quem vê sou eu, logo, quem produz sou eu também. E ao meu lado está outro espectador, e outro, e outro, e esta perspectiva cria em todos eles um centro e então, quando os expões, os trabalhos que fazes ganham a sua autonomia.

Não estou de acordo que da performance não devem ficar vestígios. Deve se com o “não devem” que não estou de acordo. Podem ficar e podem não ficar. O teu trabalho não quer tratar de vestígios, de imobilização de movimentos, de arranjos de memórias ou lembranças mas sim de pontos de encoragem da existência a qual pode acontecer antes e depois dos objectos. Porque vivemos num mundo a 3 dimensões precisamos dessas ancoragens (e lembra ou lê, o poema da poeta polaca Wislawa Szymborsk, quando agradece aqueles que não ama, porque “é mérito deles / que eu viva em três dimensões, /num espaço não lírico e não retórico (com um horizonte real porque movente. / Eles próprios ignoram/quando trazem nas mãos vazias.”). Por outro lado, falas bem contra a perspectiva que nos traz o trompe l’oeil. O perigo do regresso da performance é o de se transformar em trompe l’oeil: representar um mundo em 4 dimensões em 3, ter uma função distractiva ou dar a ver como uma promessa algo que pode ser construído.

“Só a violência funciona, onde a violência impera”: citaste-me isto de alguém dizendo que tinha razão mas eu não estou de acordo contigo. Talvez se possa também inverter a determinação da energia do dínamo. É por isso que me interessa a arte. Ela têm esse lado indeterminado que faz com que tu possas dizer uma coisa sobre ela e eu outra. Não é que todos valem a mesma, porque senão, mais valia não fazer nada, mas é uma questão, se não de perspectiva, pelo menos de estratégia… O que é faz este desenho… o que é que faz esta pintura… o que é que faz este gesto… o que é que nós fazemos, não deles mas, com eles?

Podia-te ter inserido numa espécie de genealogia das práticas performativas. Podia definir e justificar bem qual o lugar da tua prática na definição de uma ideia de arte da performance e explicar em que medida, ao fazeres uma exposição, cumpres os requisitos de seres um artista performativo mas, a escrita sobre arte, a escrita da estética, não tem de ser somente sobre isso. Pode falar de outras coisas que não a arte ela mesma e não deixa mesmo assim de falar de si. Porque assim, estaremos a aceitar na arte a sua função performativa: a de que ela nos faz qualquer coisa,

Não sei porque precisas de um crítico para te escrever um texto. Já sei porque é: porque não se pode fazer tudo sozinho e porque são precisas pessoas para que os acontecimentos, as ideias e as conversas fluam. Porque a performance não é desempenho mecânico nem alguém num espaço isolado. É um sistema de nos apercebermos do movimento e das potencialidades das coisas que nos envolvem e é isso que eu acho que tens andado a fazer.

Liliana Coutinho

Publicado a 19 de Janeiro de 2007

11
Nov
a
31
Dez
S/Título, 2006, óleo sobre papel, 152x100 cm

S/Título, 2006, óleo sobre papel, 152x100 cm

O conjunto de pinturas agora apresentado reactualiza a apetência já anteriormente manifestada por Inez Teixeira (Lisboa, 1965) para a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio. Trata-se de pinturas onde o sentido de orientação visual se descentra, tal a densidade de possibilidades constitutivas e tal a dispersão e cruzamento de sentidos, ora centrífugos ora centrípetos, ora sugerindo uma expansão energética bidimensional que extravasa os limites da superfície pintada, ora aspirando o olhar para uma dimensão de profundidade situada já numa categoria virtual, que se inscreve na efabulação que incessantemente operamos sobre o real. As pinturas tendem a condensar espacialmente a duração de um programa que, de série para série, se abre em novas possibilidades de configuração, tal é também a atracção vertiginosa pela observação da metamorfose das coisas e o desejo de lhes dar forma. O informe e o acidental (o seu estado primário e caótico) são assim o ponto de onde, sucessivamente, a artista inicia viagens de ida e volta entre dois mundos (dois territórios); o das formas vivas e o das formas artísticas. Como Goethe, Inez Teixeira busca uma forma de compreensão das suas “nuvens”, pela captação das dinâmicas reveladas em cada história, “na passagem de uma manifestação a outra”. Mas é no ténue equilíbrio entre estes dois mundos, e por persistir numa condição de (des)territorialidade formal (que evolui em perfeita autonomia dos limites físicos disponibilizados à percepção), que o programa cosmológico da artista pode avançar. Livre, percorrendo e reconfigurando os seus próprios alicerces de acordo com a mesma imprevisibilidade de mutação das nuvens, as pinturas agora apresentadas mapeam uma forma de experiência que retêm também o imprevisível envolvimento físico entre a pintora e os seus trabalhos. Mas essa será uma característica que não fará sentido associar a uma forma de negligência metodológica. A imprevisibilidade da pintura de Inez Teixeira, entendamo-la nós como cartografia da experiência ou paisagem de sistemas constituintes de um universo infinito e utópico, parece situar-se em coordenadas de orientação éticas muito precisas. Ao escolher uma forma de organização pictórica que requer a presença do espírito de efabulação, a artista parece anunciar uma renúncia a todo um tipo de vantagens e facilidades que só encontramos num mundo material e físico, em que as formas se apresentam a priori, cabendo ao artista a tarefa de as reorganizar e as re(a)presentar. A escolha de Inez Teixeira é outra, pois, nessa aparente perda em que até as pinturas se escapam para um campo exterior ao da visão, o que está em causa é o esforço de “soltar amarras”, ou se quisermos, numa alusão ao estilo de vida dos povos nómadas, a verdadeira essência deverá ser encontrada na livre ocorrência da experiência (em viagem). Não possuindo terras próprias, os nómadas não se fixam, mas percorrem sucessivamente todo um imenso território alheio, conhecendo-o como ninguém, e explorando uma harmonia que optimiza as variações climáticas e as vicissitudes dos elementos. Abrindo mão de terras suas, inscrevem na paisagem o seu próprio destino. Têm um mundo todo na mão, e deslocam-se em movimentos de expansão que os próprios decidem, percebendo posteriormente o quanto de memória genética acompanhou o seu empreendorismo. Vivem livres e em perfeita autonomia, numa genuína concordância com o sistema cósmico, onde todas as coisas se transformam e se reorganizam. Viajam atrás do vento, decifrando as nuvens, reactualizando incessantemente, tal como Inez Teixeira, a metodológica prossecução de um programa cosmológico próprio.

Miguel Caissotti

Publicado a 1 de Novembro de 2006

28
Set
a
7
Nov
Detour
MANUEL GANTES
S/Título, 2006, óleo s/tela, 200x190 cm

S/Título, 2006, óleo s/tela, 200x190 cm

A PINTURA DO PONTO DE VISTA DO PINTOR

1. A pintura como auto-estrada de sucesso ou árdua senda? Pergunta nada retórica face a um dos pintores mais interessantes da década de 80 e um dos mais difíceis de classificar, de seguir e de ver mediaticamente consagrado.
Não podendo ser tomado como resposta (pois é um envelhecido lugar-comum nos discursos sobre os artistas e a sua arte) é certo que a pintura serve a Manuel Gantes como modalidade de auto-conhecimento e conhecimento do mundo. Nunca há nela nada — nem nos temas nem nos modos — de ligeiro, gratuito, displicente ou distraído; e sim, uma mistura de melancolia e ironia, de delicada atenção e distanciamento emocional, de dúvida íntima e saber estruturado. Algumas formas infantis (representação de bonecos), algumas estratégias narrativas (construídas com essas formas ou com ficções animais, por exemplo, formigas) remetem para encenações onde a estranheza pode nascer do banal ou ser o banal a fonte dessa mesma estranheza. Manuel Gantes pratica uma pintura trabalhosa: como quem pensa devagar e não evitando obstáculos, investindo sobre eles ou inventando-os onde não os encontra. É uma pintura de camadas sobre camadas de matéria, de formas que se inscrevem e se recobrem, se decidem e emendam, se delineiam e se desfazem, que nascem de dentro e morrem dentro da pintura (e não em sobreposição a ela ou debaixo dela), de cores que se misturam noutras cores perdendo ou ganhando luminosidades e contrastes, alcançando, ao final, climas cromáticos responsáveis por parte da encontrada estranheza das suas imagens.

2. Sigo, com as intermitências que o próprio artista nos proporciona, a pintura de Manuel Gantes e percebo nela uma das diacronias e representações mais características do nosso tempo; obra que revela a nossa condição contemporânea e não disfarça a impossibilidade em darmos honesta resposta assertiva aos problemas que (na arte, na política) se nos colocam.
Decisão e indecisão, nomeação e obscurecimento são pares que percorrem Manuel Gantes transformando a sua pintura num campo de tensões indisfarçáveis. A realidade actual não é um cristal, nem sequer uma massa disponível para ser modelada: é um caldo onde vogam elementos contraditórios, difíceis de ligar entre si por raciocínios logicamente estruturados ou simples relações de causa-efeito. Manuel Gantes não interroga a realidade, interroga-se, partindo de imagens disponibilizadas pela história (passada ou quotidiana, erudita ou popular) perante essa realidade — e devolve-nos essas interrogações em novas imagens, intensamente reelaboradas através de um longo e delicado processo. O tempo é, aliás, dimensão essencial ao entendimento da sua obra: tempo que as imagens escolhidas já possuem na fonte e tempo que o seu (re)fazer lhes acrescenta. A lentidão desse tempo interno confronta a velocidade do nosso tempo histórico e explica, em parte, a posição excêntrica de Manuel Gantes no sistema artístico.

3. Como é que a paisagem, explorada nesta série de pinturas, pode representar a realidade objectiva e subjectiva do mundo e servir os propósitos expressivos de Manuel Gantes? É a paisagem com estatuto de género maior (conquistado, em tempos muito diversos, por Giorgione, Poussin e Cézanne) que aqui importa: admitindo a alegoria e a História, a metáfora e a mitologia.
Embora, em relação a estas imagens, ocupemos uma posição privilegiada, voando tão alto sobre elas que quase intuimos a curvatura terrestre, pouco nos é dado (a) ver: são paisagens em vazio, por defeito e por excesso: tudo o que as preenche ou é vago ou excedente, transbordando da imagem (para dentro, para cima ou pelas margens), tudo se cobre de névoa azulada ou é azulado ou é a névoa mesmo que surge como matéria de representação. Estamos sob o signo dominante e nocturno da água e o que se nos oferece encena uma ocultação de informações: deliberadamente afundadas sob camadas posteriores de pintura, como sob efeitos de uma inundação; evaporadas pela utilização rara que MG faz da perspectiva atmosférica, dada na luz leitosa da madrugada ou na cinza do escurecer; sugerindo uma regularidade de formas capazes de estabelecerem padronizações para lá dos limites da tela.
Extremas de campos agrícolas e malhas urbanizadas, meandros fluviais ou nós de auto-estradas colocam-nos entre a inevitabilidade da grelha compositiva subjacente à Pintura e a dominante determinada pelo delírio do “entrelac” arcaico ou rocaille (de que a forma ovalada é apenas variante mais simples mas não menos complexa e significativa). Podemos então referir o sentido de unidade universal suposto em ambas as lógicas: na estruturação ortogonal e na liberdade da curva se encontram feminino e masculino, ar, fogo e água, força criativa e força disciplinadora.
No final, estas paisagens revelam-se como serpente-Uruboros, que a si mesma (e tudo o resto) metaforicamente devora: as imagens pintadas e o seu significado; o pintor e o espectador, cujos pontos de vista se confundem e sobre ela se precipitam em conjunto como Ícaros em queda.

João Lima Pinharanda

Publicado a 27 de Setembro de 2006

24
Jun
a
9
Set
Grafos III
EDUARD ARBÓS
P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

P-0906, 2006, acrílico s/linho, 200x150 cm

NATURA TANTUM*

Porque, sem o que é, no qual é tornado visível,
não encontrarás o pensar; pois nada é ou será
outro fora do que é, dado que a Moira o agrilhoou
a ser inteiro e sem movimento…
Parménides (Sobre a Natureza, frag.8, 35-38)

A sensação de quietude fremente que as pinturas de Eduard Arbós (Barcelona, 1959) nos transmitem resulta de exprimirem realidades sensíveis através de sínteses conceptuais geométricas, aparentemente indecifráveis. As suas obras são cartografias detalhadas de sensações; são ideias que não foram completamente destituídas da emoção que as acordou, e que o artista procura harmonizar conferindo-lhes uma forma diferenciada, um Nome…justificando, assim, a interrogação oportuna de Lao Tse: Poderá a tua alma abarcar a unidade sem se desprender? (…) Poderás purificar a tua visão original até a tornar imaculada? (Tão Te King, X)
A actual exposição, intitulada Grafos III, desenvolve o trabalho apresentado nas duas anteriores exposições, realizadas já no decurso desta temporada, respectivamente nas galerias La Nave de Valência e Espacio Líquido de Gijón.
Sobre fundos monocromáticos de grandes dimensões, nos quais foram apagados todos os sinais distintivos da autoria, inscrevem-se estruturas geométricas verticais rigorosas que remetem directamente para o universo da arquitectura ou para projectos de design industrial. Estas grelhas de formas repetidas parecem privilegiar os domínios da técnica, da ideia pura aplicada, em detrimento da expressão sensível. Os fundos de cor vibrante definem ambientes espaciais; são o horizonte, o magma, a pulsão vital sobre a qual se desenvolve a reflexão espacial do autor. Tudo aparenta ser minuciosamente pensado e rigorosamente executado, como se não houvesse espaço para a irrupção do acaso, nem para qualquer intervenção subjectiva do autor. A própria exposição foi concebida como instalação, na qual cada obra foi criada para ocupar exactamente o local para que foi projectada.
Mas, eis que, subitamente, na articulação entre o silêncio que emana dos fundos monocromos e a racionalidade angulosa das grelhas seriais escapa “um não sei quê” sensível “que se alcança por ventura” e que instaura uma Via de Conhecimento que nos conduz por um caminho abundante em sinais, que pertence à deusa, que conduz em todo o sentido o homem que sabe. (Parménides, frag.1)
Este golpe de asa, este não sei quê venturoso decorre, por um lado, da correspondência inefável que o artista estabelece entre o ambiente lumínico que a cor da superfície monocromática emana e a racionalidade geométrica das grelhas verticais – correspondência biunívoca que ordena de forma axiomática os dados sensíveis com a razão.
Por outro lado, julgo entrever neste programa pictórico procedimentos ritualísticos – gestos cuja repetição esvazia a necessidade de intervenção consciente do sujeito – comparáveis aos mantra orientais; sequências repetidas cuja incorporação concede ao seu detentor o acesso a um estado de meditação e de realização místicas, libertando a forma do contingente, de modo a que ela reproduza realidades substanciais supra-conscientes. O artista converte-se, assim, também num médium, oficiando num cerimonial particularíssimo de comunhão e apreensão da unidade – Pode pensar-se nele como sendo a Mãe de tudo o que está debaixo do céu. O seu verdadeiro nome, não o sei, dá-se-lhe o nome poético de ‘a Via`… A Via é regida pelo ássim por si mesmo´ Lao Tze

José Sousa Machado

Publicado a 23 de Junho de 2006

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S/Título, 2005, técnica mista s/papel, 100x70 cm

S/Título, 2005, técnica mista s/papel, 100x70 cm

O rapaz escondia os desenhos no tampo da mesa. Primeiro trabalhou sobre essa mesa. O tampo foi uma superfície de madeira, lisa. Pingos de tinta caíram: negro e branco e mais negro e, depois a purpurina de um pequeno frasco que se entornou, deu a esse tampo de mesa a ilusão de um jardim de talha. Uma noite alguns desenhos ficaram sobre a mesa. Concluídos, quase todos. Troncos de árvores, grossos troncos de árvore desenhados a negro. Árvores de tronco nodoso, as folhas de papel guardavam-nas umas sobre as outras. Numa sucessão de grossos troncos davam o aspecto de um velho bosque de árvores centenares. Tuias do Japão e da China, o negro da tinta e do carvão conseguiam com breves pinceladas de verde e de azul a floração da primavera. A escala permitia uma visão de árvores de grande porte, nove a quinze metros e não era necessário um olhar botânico para abarcar, no tamanho real das folhas, a irreal lonjura das árvores desenhadas. As folhas espinhosas e de brilho dos Ilex aquifolium coroavam-se com os frutos vermelhos. A árvore do paraíso com o reverso das folhas cobertas de salinidade – conseguia-o fixando a poalha acidulada de um branco nacarado – , os frutos ovóides abriam em ferida a doce seiva. De um tronco ressequido de uma magnólia, só o olhar de um jardineiro saberia que da morte vegetal desse velho tronco algo iria rebentar, como sucedeu na folha do desenho, uma haste nova, ramo que na extremidade trazia duas flores brancas, de um branco sujo – o rapaz depois de as pintar com um tom lacado de pastel sentiu a fragância do cheiro. As folhas caducas do castanheiro – e como se percebia ir bem alto em perspectiva, se fosse em bosque de verdade tocaria os vinte metros – , cobriam o chão, cinzas e negros davam um chão fértil de turfa, de dentro dos ouriços os frutos pediam para ser colhidos num tardio início de novembro. O louro cerejo sempre verde (negros e cinza somente davam esse verde) cobria-se de flor branca. E a flor solitária da camélia exigia cor: vermelho intenso e rosa e rosa e branco mesclado, e só branco cobria folhas e folhas de papel. Os sentidos do rapaz estavam por inteiro no jardim escondido, nos escondidos desenhos. Sobre a mesa, uns sobre os outros os desenhos ficaram uma noite sobre a mesa. Havia luar e azul, um azul forte ferido pela lua. O rapaz queria os desenhos totalmente para si. Eram o seu trabalho. O seu bosque, o seu jardim. Primeiro, lançou entre uns e outros espessa cola. Depois, lançou pedaços de gesso sobre o amálgama de pasta de pastel. Com um pouco de sorte, líquenes e musgos haveriam de deixar cair os seus esporos nos espaços vazios entre as árvores. O tampo da mesa, a mesa por inteiro constituía a essência da pintura, a concentração definitiva da beleza, a energia e a simplicidade do bosque do seu jardim.

João Miguel Fernandes Jorge

Publicado a 17 de Março de 2006

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